Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Perplexidade com a descrença da população com os políticos brasileiros.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.:
  • Perplexidade com a descrença da população com os políticos brasileiros.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2005 - Página 37739
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, CONFIANÇA, CLASSE POLITICA, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, AMEAÇA, DEMOCRACIA, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CRISE, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, EXPERIENCIA, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PREVISÃO, IMPUNIDADE.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, OPOSIÇÃO, VOTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), LEGISLAÇÃO FISCAL, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu vim falar de algo que está, como esses fatos demonstram também agora, no imaginário dos brasileiros hoje. Eu vim falar de descrédito.

Creio que a classe política, nós todos hoje, atravessamos um momento do maior descrédito que talvez tenha acontecido na história do Brasil. Nunca antes, a meu ver - posso estar enganado -, o povo brasileiro teve maior desconfiança em relação a seus políticos.

No passado, a desconfiança deixava sempre uma brecha de esperança em algum grupo, em algum político, em alguns Líderes. A descrença era contra alguns, talvez até contra muitos, mas nunca em relação a todos, como a sensação que nos passa hoje. Antes, o povo sempre tinha uma esperança no banco de reservas.

No período anterior a 1964, tínhamos esperança entre aqueles que defendiam reformas de base, que lutavam por um país socialista. Confiança nos Líderes que traziam a idéia do desenvolvimento. Confiança também alguns tinham naqueles que defendiam a ordem contra o que parecia uma desordem da mobilização popular. Havia sempre confiança em algum lado.

O regime militar, que subverteu o Congresso e o submeteu à vergonha da submissão e mesmo ao fechamento por algum tempo, não conseguiu abater a confiança do povo nos políticos. Os atos institucionais, as arbitrariedades, as prisões, o exílio tiraram o poder dos políticos, mas aumentaram a confiança e o respeito nos políticos, Senador Tião Viana. Os políticos foram humilhados, mas não foram desacreditados durante os 21 anos da ditadura militar.

O público mantinha a esperança naqueles que estavam no exílio e nas prisões. Outra parte até acreditava nos políticos que estavam ao redor dos militares, que, para eles, estavam construindo um País desenvolvido. Mesmo quando a esperança era fruto da dívida e da inflação, havia esperança. Na resistência, armada ou não, dentro ou fora do País, a esperança continuou viva. Bandeiras de ordem lideradas por políticos eram encampadas pelo povo. Ao longo de todo o tempo da escuridão, o povo manteve acesa a chama da esperança.

A democracia trouxe novas esperanças, construídas pela anistia, pelas Diretas, pela Constituinte, pela liberdade de imprensa. Trouxe novos líderes, que enfrentaram e ofereceram promessas.

A morte do Tancredo matou uma esperança, mas, imediatamente, a posse do Presidente Sarney, conduzindo um processo de consolidação da democracia, do fim da censura e da anistia geral, retomou a esperança do povo. E o País chegou a uma democracia plena. Uma transição surpreendente foi conseguida da ditadura à democracia.

A eleição do Presidente Collor, diga-se o que disser hoje, naquele momento, trouxe uma esperança ao povo brasileiro. Mesmo quando frustrou o País, havia esperança no banco de reservas para substituir o Presidente Collor. O Vice-Presidente Itamar assumiu com competência e fez outra transição competente, não apenas da corrupção à honestidade, mas também da inflação à estabilidade.

Por seu passado, por suas posições anteriores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso encarnou a esperança de um salto adiante no quadro social, na reorganização de nossas cidades, na retomada do crescimento, na justiça com os analfabetos, os sem-terra, os sem-teto, os sem-emprego, os excluídos, mantendo a estabilidade monetária. Seu Governo conseguiu manter a democracia e a estabilidade, mas frustrou-se como se fosse feito por um Presidente sem os mesmos compromissos com o seu passado.

Mas ainda havia Lula, ainda havia uma esperança no banco de reservas por meio do PT. O Presidente Lula trouxe a última esperança que realizaria os sonhos de um Brasil que completasse a abolição, que completasse a República, que completasse a nossa independência. Três anos depois, essa esperança parece estar morrendo, como venho dizendo aqui há muitos anos, mesmo no tempo em que eu era militante do Partido dos Trabalhadores, como eu disse no tempo em que era Ministro, que se não cuidássemos a esperança poderia morrer e sem nenhuma outra no banco de reservas.

O descumprimento de promessas de campanha, a revisão absoluta de certas posições sem explicações, tudo isso foi aos poucos corroendo a esperança, mas o importante é dizer que não foi apenas no Presidente Lula nem no PT. A descrença, temos que assumir, é hoje generalizada. Ela está hoje em todos os Partidos, na Oposição ou no Governo. Como se os princípios fossem identificados apenas com ser ou não ser Governo e não com ter ou não ter propósitos.

É natural, por isso, que o povo perca toda a esperança em nós políticos, nos nossos Partidos, sem exceção, generalizadamente. É com tristeza que eu afirmo isso, mas com convicção. Até mesmo o que fazemos corretamente, como CPIs, tem agregado mais desconfiança do que qualquer outra coisa, sobretudo em relação ao Governo, mas também em relação à Oposição. Porque elas mostram entranhas de um poder doente, não o poder do Governo, o poder de todos nós.

Mesmo assim, Srª Presidente, restava uma esperança, e eu confesso que essa está desaparecendo. Restava a nossa autoconfiança, nós, Líderes deste País. E eu me pergunto se essa autoconfiança e esse auto-respeito se mantêm.

Eu me pergunto se é correta a transparência de nos desnudarmos diante da televisão, se a corretíssima transparência está mostrando ou não entranhas que destroem o pouco de credibilidade que podíamos ter, passando a idéia de um corpo legislativo despreparado para o momento, prisioneiro dos problemas imediatos, sem propostas para a construção do futuro, sem ao menos a consciência da gravidade maior de uma estrutura perversa de prioridades imorais, de debilidade nacional por todos os poros da Nação.

Enquanto falamos desses assuntos aqui, os jornais de hoje dizem que o Brasil está igual ao Congo e ao Sudão. Não é isso que estamos discutindo. O povo tem razão de perder respeito até mesmo quando fazemos o certo de apurar os nossos erros, porque passamos a idéia de que nada mais estamos fazendo do que apurar os erros que cometemos, uns mais, outros menos, mas nenhum isento. E o povo, de fora, apenas assistindo a simples arena de um macabro esporte destruidor de credibilidade. Mas, apesar de tudo isso, Sr.ª Presidente, ainda havia uma ponta de esperança dentro de cada um de nós. Creio que as ultimas semanas estão destruindo até mesmo a auto-estima e a autocredibilidade.

No domingo da semana passada, Sr.ª Presidente, nós assistimos envergonhados o povo mandar um recado a todos nós, dizendo, com uma maioria inesperada, que não acredita em nossas instituições para protegê-lo, que prefere a defesa pessoal de um povo armado ou de uma elite armada à confiança nas nossas polícias.

Quase todos nós estávamos a favor da proibição da venda de armas, e o povo disse “não”. Disse “não” a todos nós. Pode ter sido contra o Governo, mas é sobretudo o medo das instituições, a descrença total. Na mesma semana, vimos aqui neste Plenário um simples documento do Supremo Tribunal Federal, sem publicação do acórdão, levar à cassação de um companheiro, de um Senador sobre o qual unanimemente todos se manifestavam favoráveis do ponto de vista da moral, ainda que muitos reconhecessem que, do ponto de vista da legalidade, era preciso cumprir aquele documento. Mas, cumprir sem ouvir a Mesa, cumprir sem ouvir a Comissão de Constituição e Justiça foi um ato de submissão que agrega não apenas desconfiança do povo em relação a nós, mas desconfiança dentro de nós em relação a nós próprios.

Na mesma semana, no dia seguinte, mais um gesto que fere a nossa autoconfiança, a maneira como votamos a Medida Provisória chamada do Bem. Medida provisória que do bem tem muito pouco, Senador Mão Santa, porque todas as análises que fiz do ponto de vista de distribuição de renda embutida ali mostram que aquelas medidas levam a concentração da renda e não a distribuição. Devo dizer aqui, sem entrar no mérito, que a emenda do Senador José Sarney era uma das poucas que tinham conteúdo distributivo do ponto de vista regional e não necessariamente do ponto de vista social, porque poderia beneficiar empresários que iriam para aquela região. Mas tinha conteúdo distributivo. E votamos tudo aquilo.

A sensação que tive é de que votávamos sem convicção, sem amadurecimento, sem percepção da gravidade de votar medidas provisórias. E não é de agora. Semana após semana, só nos reunimos para votar medidas provisórias e, mais grave, sem analisá-las com a obrigação de Líderes que somos neste País.

Srª Presidente, diante disso é que quero aqui falar não mais da desconfiança que o povo tem em relação a nós, mas de uma autodesconfiança, que sinto no imaginário desta Casa, do Parlamento em geral, do Executivo e também do Judiciário, uma sensação de que estamos com as instituições profundamente ameaçadas pela desconfiança lá fora conosco e pela desconfiança interna de cada um nós. E quando os Líderes não confiam em si, não tem futuro o processo democrático.

Eu quero concluir, Srª Presidente, se me der mais um ou dois minutos, dizendo que o povo percebeu o voto simplista que nós demos à medida provisória; a submissão que apresentamos quando aceitamos um simples documento sem a publicação do acórdão para cassar um companheiro que não tem sobre ele nada que toque na sua moral, embora haja, sim, que toque na legalidade de certos fatos. Nós recebemos tudo isso, provocando uma desconfiança entre nós. A única chama de credibilidade, aquela que não temos o direito de perder é a nossa própria confiança, nosso auto-respeito como Líderes e que - eu acho - está ficando frágil.

Srª Presidente, é hora de perguntar se chegamos ao ponto além da esperança, quando nenhuma mais está no banco de reservas, nem do povo em relação a nós, nem de nós em relação a nós próprios.

            Queira Deus que sobreviva a única esperança que ainda tenho: que é a esperança de eu estar enganado, de que essa sensação que eu tenho não é a sensação dos outros, e de que os outros aqui estão confiantes de que são Líderes comandando o País e não apenas bonecos dando a impressão de que agimos a serviço do País. Queira Deus que essa frustração seja só minha, que o autodescrédito seja apenas meu; que os outros estejam orgulhosos do que fazemos aqui, do papel que representamos; orgulhosos de termos nos submetido à vontade do povo no “não”; de termos nos submetido à decisão do Presidente do STF, como sendo um grande gesto democrático; de estarmos votando, de uma maneira simplista, medidas provisórias, como se tudo isso fosse um gesto de engrandecimento do País. Quem sabe, de fato, um referendo que diga exatamente o contrário do que as instituições respeitadas merecem não seja um gesto positivo da democracia, porque a esta nos submetemos? Quem sabe nós nos submetermos ao Presidente do STF sem nada discutirmos seja positivo, como prova de democracia? Quem sabe votarmos as medidas provisórias sem análise seja um gesto correto?

            Eu não acredito nisso, Srª Presidente.

            Lamentavelmente, não tenho esperanças de que nossos gestos estejam de acordo com aquilo que o povo deseja. Não estão também de acordo com aquilo que cada um de nós, com tanto esforço, indo atrás dos eleitores, prometeu: ajudar a mudar o Brasil. No lugar disso, vemos instituições degradarem-se e a moral pessoal de cada um de nós ser pervertida pelo exercício de apenas um mandato que não manda e que, portanto, não cumpre a sua função.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Srª Presidente, lamento ter vindo, em uma segunda-feira, manifestar essa perplexidade, essa descrença, quase que geral com a qual encerro o meu pronunciamento.

Apesar de encerrado o meu discurso, se V. Exª autorizar, concederei um aparte ao Senador Mão Santa com o maior prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - É a sensibilidade feminina, tão bem representada. Senador e Professor Cristovam, V. Exª tem de ensinar ao País - essa é sua missão. V. Exª muito bem definiu o que devem ser os Poderes: uma busca de equilíbrio que traga harmonia e não dependência, subserviência, humilhação. É assim que entendo o equilíbrio de forças, um freando o outro. Apenas complementando a experiência e a sabedoria de V. Exª, que é grande, cito Mitterrand, de onde nasceram a democracia, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, de onde Montesquieu estabeleceu a divisão de poderes tripartite. Mitterrand, no fim da vida, com câncer, escreveu no último livro, dando uma mensagem aos governantes - ah, se o Lula ouvisse essa mensagem! -, que, se voltasse, o mais importante seria fortalecer os contrapoderes. E vemos, cada vez mais, o Poder Executivo dominar tudo. E foi assim que Roma caiu; é assim que o Brasil está caindo no Governo do PT de Lula.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Mão Santa e diria que, mais do que a cada um de nós, seria bom que o Presidente Lula ouvisse a voz da alma coletiva do povo brasileiro e que nós também ouvíssemos isso aqui! (Palmas na galeria.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2005 - Página 37739