Questão de Ordem durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questão de ordem sobre a interpretação de artigos do Regimento Interno e da Constituição Federal, no que se refere à perda do mandato de S.Exa.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Questão de Ordem
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. ATUAÇÃO PARLAMENTAR. :
  • Questão de ordem sobre a interpretação de artigos do Regimento Interno e da Constituição Federal, no que se refere à perda do mandato de S.Exa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2005 - Página 36009
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, ARBITRARIEDADE, INTERPRETAÇÃO, REGIMENTO INTERNO, SENADO, COMENTARIO, NECESSIDADE, MESA DIRETORA, GARANTIA, DIREITO DE DEFESA, ORADOR, OPOSIÇÃO, DECISÃO, JUSTIÇA ELEITORAL, DETERMINAÇÃO, PERDA, MANDATO PARLAMENTAR.
  • JUSTIFICAÇÃO, GARANTIA, ORADOR, DIREITO DE DEFESA, ALEGAÇÕES, SITUAÇÃO, PERDA, MANDATO PARLAMENTAR, AUSENCIA, PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • QUESTIONAMENTO, RESPONSABILIDADE, MESA DIRETORA, PLENARIO, ANALISE, PROCESSO, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, ORADOR, DEFESA, IMPARCIALIDADE, CONSTITUCIONALIDADE, APRECIAÇÃO, DECISÃO, JUSTIÇA ELEITORAL.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Para uma questão de ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, levanto uma questão de ordem, por meio do art. 14, inciso VIII, alíneas “a” e “b” do Regimento Interno do Senado Federal, seguindo rito previsto no art. 403 e seguintes do mesmo Regimento Interno do Senado Federal. Inclusive assim o fazendo na primeira oportunidade que tenho para fazê-la argüindo dúvida sobre a interpretação e aplicação do Regimento Interno do Senado Federal, no toca ao procedimento de cassação do Senador João Capiberibe, do nosso mandato, previsto no art. 32 do multicitado Regimento Interno do Senado Federal.

A bem da verdade, visa essa questão de ordem permitir uma maior clareza e certeza de que o art. 32 do Regimento Interno do Senado Federal em face ao disposto no art. 55 da Constituição Federal de 1988 no que toca à perda do mandato parlamentar de Senador. Em linhas gerais, o referido dispositivo constitucional estabelece as hipóteses de perda de mandato, fixando que nos casos: (a) de violação de restrições impostas aos parlamentares, desde a data da expedição do diploma à posse, (b) falta de decoro parlamentar e (c) sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado, a perda do mandato será decidida pela Casa Legislativa, mediante voto secreto e maioria absoluta, mediante representação por parte da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional; e nos casos (a) faltas injustificadas nas sessões legislativas; (b) perda ou suspensão dos direitos políticos e (c) decretação da Justiça Eleitoral nos casos previstos na Constituição Federal, a perda será declarada pela Mesa, Sr. Presidente, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

Portanto, temos dois grupos distintos de hipóteses que ensejam a decisão da perda do mandato parlamentar: no primeiro grupo, está a perda por decisão do Plenário; no segundo, está que a perda será declarada pela Mesa.

Ocorre que é um equívoco pensar que nesse segundo grupo o ato da Mesa é meramente declaratório, pois se assim fosse, o art. 55, § 3º da Constituição Federal de 88, em sua parte final, não asseguraria a ampla defesa. É a Constituição de um Estado democrático e de direito que disciplina os pesos e contrapesos para a harmonia e independência entre os Poderes. No caso, foi a própria Constituição brasileira que estabeleceu que: primeiro, haveria a ampla defesa nas hipóteses em que competisse à Mesa declarar, inclusive de ofício ou por representação, a perda do mandato parlamentar. Segundo, que esse basilar direito fundamental à ampla defesa - e por conseqüência lógica aos instrumentos a ela inerentes, como o contraditório - estivesse presente em um processo interno da Casa contra um Parlamentar, mesmo após a decretação da perda do mandato pela Justiça Eleitoral.

Em outras palavras, é a Constituição Federal de 88, art. 55, § 3º, que determina que diante da decretação de perda do mandato parlamentar pela Justiça Eleitoral a ampla defesa será assegurada ao respectivo representante do povo, antes da decisão da Mesa.

Importantíssimo ressaltar que se trata de toda e qualquer decisão judicial de perda de mandato, e não somente naqueles casos previstos na própria Constituição e decretados pela Justiça Eleitoral. Ora, se nos casos em que a Justiça Eleitoral decretar a perda do mandato parlamentar, nos casos previstos na própria Constituição Federal, se deverá assegurar ao Parlamentar, no âmbito interno do Parlamento, a ampla defesa como condição para posterior decisão da Mesa respectiva, o que se dirá dos outros casos em que a decisão judicial não se fundamentar em “casos previstos na Constituição” - quero assinalar - o que se dirá em casos não previstos na Constituição? Deve-se levar em consideração que, para que seja levado um caso de perda do mandato parlamentar a um nível constitucional, isto é, que a própria Constituição qualifique determinada conduta como passível de perda de mandato, é porque tal conduta é enormemente repudiada pela sociedade, que consagrou em sua Lei Maior um ilícito, e, ainda assim, se assegurará ampla defesa no processo que corre no Legislativo contra o Parlamentar, mesmo após uma decisão judicial. Repita-se: o que induz de modo lógico e inequívoco que com mais razão se configurará a ampla defesa de toda e qualquer decisão judicial que não se basear “nos casos previstos na Constituição”.

O Regimento Interno do Senado Federal, em seu art. 32, não é claro a esse respeito, pelo contrário, ao transpor as regras constitucionais, Sr. Presidente, previstas no art. 55 da Constituição Federal de 1988, omitiu no seu inciso V (do referido art. 32) a determinação de que a decisão da Mesa, sem o voto de plenário, sobre perda de mandato é circunscrita às hipóteses daquele segundo grupo, que anteriormente mencionamos, onde ali conta, dentre as hipóteses, a que trata de decisão “da Justiça Eleitoral nos casos previstos na Constituição”. Por conseguinte, temos aqui um outro problema: o fato de o Regimento Interno do Senado Federal ter inscrito como uma coisa só as diversas situações de decisões judiciais sobre perda de mandato parlamentar.

A presente questão de ordem visa justamente a esclarecer o equívoco que poderá daí advir. Afinal de contas, no último dia, sexta-feira passada, a Mesa já estava praticamente dando posse em substituição ao nosso mandato, mandato do Senador João Capiberibe, sem a ampla defesa de que fala o art. 55º, §3º, da Constituição, que diz claramente que é assegurada ao Parlamentar a ampla defesa.

Portanto, no âmbito da Justiça Eleitoral, há decisões sobre perda de mandato parlamentar que poderá advir de casos previstos da Constituição. Daí porque se justifica a tramitação para a decisão pela Mesa e não pelo Plenário da Casa, desde que assegurada ampla defesa; e, noutros casos, decisões da Justiça Eleitoral que não decorrem diretamente de casos qualificados na Constituição Federal de 1988, que exigem ampla defesa e decisão pelo Plenário da Casa.

O princípio da independência e harmonia entre os Poderes não será jamais fruto de como o intérprete concebe esse princípio e, muito menos, de como ele gostaria fosse a sua aplicação a um caso concreto. O princípio básico do Estado democrático de direito, da independência e harmonia entre os Poderes, é dado pela Constituição, por intermédio do legislador constituinte originário, e este, no caso específico, quando assegura ampla defesa ao Parlamentar no âmbito de sua respectiva Casa, inclusive expressando taxativamente que, após decisão judicial, buscou submeter ao crivo do próprio Parlamento tais circunstâncias.

Para reforçar ainda mais o nosso entendimento de que existe plena harmonia e independência entre os Poderes para as situações aqui expostas, é importante verificar, simplesmente, que a Constituição Federal de 1988 também estabelece no art. 55, inciso VI, § 2º que, para perder o mandato parlamentar aquele que “sofrer condenação criminal transitada em julgado”, deverá haver votação secreta pelo Plenário; a decisão será da Mesa isoladamente ou do Plenário. Essa é a questão: se a decisão é da Mesa ou do Plenário.

Ainda, Sr. Presidente, entendimento contrário ao aqui exposto levaria a uma interpretação absurda de nossa Constituição: ou no sentido de que não haveria perda de mandato parlamentar pela Justiça Eleitoral se não fosse nos casos previstos na Constituição Federal de 1988, uma vez que a Constituição não tratou do assunto; ou que a Constituição contém palavras supérfluas no caso da expressão final do inciso V do art. 55 - “nos casos previstos nesta Constituição”; ou, ainda, que se poderiam inserir todos os casos de decretação de perda do mando parlamentar pela Justiça Eleitoral como um caso só e único, o que de certa forma nada mais é que a segunda hipótese já levantada, de que a Constituição, no caso em tela, tem termo excessivamente inútil ou desnecessário. Esse último parece ser o caso adotado pelo Regimento Interno do Senado Federal.

Portanto, a indagação sobre a correta interpretação e aplicação do Regimento Interno do Senado Federal ora proposta é fundamental. Em última análise, reflete o grau de legitimidade da decisão legislativa que está sendo tomada. A alteração da questão de ordem encontra razão de ser quando se tem notícia sobre a perda de mandato do Senador da República João Capiberibe, representante de uma unidade da Federação, sem a ampla defesa de que trata o art. 55, §3º da Constituição Federal, pois o que a Constituição buscou foi revestir tal gravidade que, para ser declarada, deve exigir o pronunciamento dos seus pares. A relevância da função de Senador, expressa nas atribuições que lhe são conferidas pela Constituição, desaconselha o seu afastamento sem a ponderação dos demais integrantes da Câmara Alta, escolhidos pelo voto majoritário dos seus Estados e do Distrito Federal.

Registre-se que, em toda a história republicana brasileira, registrou-se, excetuando-se as cassações perpetradas pelo regime militar, apenas um caso de perda de mandato de Senador da República, e este seu deu mediante o voto majoritário do Senado Federal, após manifestação do Conselho de Ética. Trata-se de tradição que não existe por acaso, mas resulta de princípio federativo elementar, indispensável para o equilíbrio de poderes e para a preservação das instituições democráticas.

É meridiano o prejuízo que tal situação poderá ensejar sem a correta aplicação e interpretação aqui buscada, uma vez que mitigam a transparência e certeza de votação no Plenário do Senado Federal - requisitos fundamentais para a perfeita cristalização da decisão dos verdadeiros donos da soberania popular; escurecendo, pois, a própria legitimidade do Estado, razão plena para se coadunar o critério adotado da perda de mandato de Senador com a Constituição. Com efeito, é manso e tranqüilo que a norma jurídica não alberga em seu seio de legalidade a sua inadequada utilização, vez que se deturpa a finalidade buscada pela norma jurídica. Todavia, a plenitude da plurifalada legitimidade, sustentáculo basilar da democracia representativa, exige não só a consciência do agir coerentemente com os preceitos normativos estabelecidos, mas também a criação de mecanismos que aperfeiçoem o debate democrático.

Diante do exposto, no intuito de contribuir para o fortalecimento da democracia representativa e trabalhos legislativos, conseqüentemente conduzindo a uma maior legitimidade das decisões do Senado Federal, esperamos que a Mesa acate a presente proposta. Portanto, questiono e recorro à Mesa sobre o processo de cassação do nosso mandato, pedindo que ela coloque no dia de hoje a matéria em pauta, a fim de que, com imparcialidade e constitucionalidade, interprete, aplique e esclareça corretamente qual será o procedimento a ser adotado, inclusive na cassação do nosso mandato, se por decisão do Plenário ou da Mesa, e qual a medida a ser adotada para a efetivação da ampla defesa de que falam o art. 55, § 3º da Constituição Federal e o art. 32 do Regimento Interno do Senado Federal.

Era isso, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2005 - Página 36009