Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a seca no nordeste do país. Destaque para a necessidade de se aproveitar mais a soja na alimentação da população carente.

Autor
Alberto Silva (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Alberto Tavares Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre a seca no nordeste do país. Destaque para a necessidade de se aproveitar mais a soja na alimentação da população carente.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2005 - Página 38115
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, ALTERAÇÃO, CLIMA, PLANETA, APREENSÃO, FALTA, PREPARAÇÃO, PROVIDENCIA, SECA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, CAPTAÇÃO, AGUA, CHUVA, UTILIZAÇÃO, RESERVATORIO, REGISTRO, DADOS, CUSTO.
  • NECESSIDADE, FISCALIZAÇÃO, CAMINHÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, CORRUPÇÃO, ALUGUEL, DEFESA, PURIFICAÇÃO, AGUA.
  • APOIO, AUMENTO, UTILIZAÇÃO, SOJA, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, REGIÃO NORDESTE, SUGESTÃO, CULTIVO, ESPECIE, FEIJÃO, RESISTENCIA, SECA.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, AUMENTO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, CUMPRIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, AGILIZAÇÃO, RECUPERAÇÃO, RODOVIA.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna hoje para tratar de um assunto que está preocupando todos os que convivem com o problema da seca lá no Nordeste.

Parece que o mundo virou de cabeça para baixo! A Amazônia secando, onde é que já se viu isso? O calor no Piauí não baixa dos 40 graus! Essa história de jogar CO2 no ar tem que ser discutida. É necessário que o mundo tome tento do que está fazendo, principalmente os Estados Unidos. Seria bom agora, Senador Mão Santa, que o nosso Presidente Lula relembrasse ao Presidente Bush que os americanos são responsáveis por 30% da poluição, do aquecimento da atmosfera, com aquelas indústrias soltando calor como acontece lá.

Quanto ao problema da seca, o que me preocupa é que já convivemos com ela algumas vezes e sabemos que o País nunca está preparado para enfrentá-la, e isso é assim desde o tempo da Sudene.

Quando se instalava a seca, o que é que se fazia? Eu era Governador, V. Exª também foi e lembra como era: a Sudene tinha um fundo para inundações e seca que era mobilizado quando necessário. A rotina era criar uma frente de emergência, trazendo os homens do campo para trabalhar na cidade em serviços quaisquer, apenas para justificar o dinheiro que eles recebiam.

Na última vez que houve isso, eu não concordei - fui o único Governador que não aceitou a história de frente de emergência. Propus ao Presidente Sarney que deixasse os lavradores do Piauí no campo. Para eles sobreviverem, porém, era preciso que recebessem alguma coisa, e o Presidente Sarney concordou em mandar os bancos emprestarem, a duzentos mil lavradores, meio salário-mínimo por mês enquanto durasse a seca. Com isso, não consenti que se desmanchasse a família rural - o homem vem para a cidade numa frente de emergência e não volta mais; muitos disseram: ele encontra outra mulher e deixa a coitada lá no campo.

Esse empréstimo foi todo pago por incrível que pareça. Aqueles lavradores ficaram no campo, trabalharam os três anos seguintes - não houve mais seca -, plantaram e pagaram o banco. Logo, não é impossível conviver com o problema da seca, desde que sejam adotadas providências racionais, inteligentes e criativas.

Vou dar aqui algumas sugestões que poderiam perfeitamente ser aproveitadas. Creio que isso ajudaria demais a não haver tumulto caso se instale a seca que estão anunciando.

Como sou dos números, vamos partir de números. Vamos supor que essa seca que está sendo anunciada atinja um milhão de pessoas, ou seja, duzentas mil residências daquela região em todos os Estados. Duzentas mil casas é muita casa sem água. Hoje essas casas estão na periferia e não têm água ou estão no campo, nos povoados, e não têm água também.

Em todas as secas, somos testemunhas de que nunca chove menos do que 250 milímetros. Será que isso é muita água? Vamos fazer aqui umas continhas: uma chuva de trinta milímetros coloca trinta litros de água em um metro quadrado. Como um hectare tem dez mil metros quadrados, seriam trezentos mil metros cúbicos de água.

Eu proporia o seguinte - parece que já estão fazendo isso, mas não num programa organizado. Se eu pegar duzentas mil casas e nelas fizer instalar uma calha para receber a água da chuva - eu já fiz isso em um pequeno sítio que tenho lá na serra, bem como na Embrapa, em Teresina, com sacos bem maiores.

Mas vamos lá. Quanto é que custam essas calhas para receber água de uma casa de um povoado? Uma casa do interior tem um telhado de setenta metros quadrados. Se colocarmos a calha nas biqueiras desse telhado, temos a possibilidade de apanhar toda a água da casa. Uma chuva de trinta milímetros em um telhado de setenta metros quadrados dá 2,1 mil litros de água. Se cair no chão, o sol leva brincando; mas, no telhado, não leva. A água cai, entra na calha e vai para um depósito. Que depósito? Estão fazendo cisternas. O que é uma cisterna? É um buraco no chão, cheio de tijolo e rebocado com cimento, cuja capacidade é de sete mil litros. Mas aquela água no cimento - e temos provas e mais provas disso - não agüenta muito tempo. Aparecem fungos e outros microorganismos, e, mesmo que se coloque cloro naquela água, em pouco tempo ela começa a ter mau cheiro.

Lembrei que, há cinco anos, propus a alguns fabricantes de lona plástica que fizessem um reservatório com essa lona. Mandei o desenho para um deles - a Sansui - e pedi que fizessem o saco para trinta mil litros. Eles fizeram e me mandaram dois de presente. Montei, então, os dois sacos em um barracão naquele terreno da Embrapa, em Teresina. Provei a todos que, com quatro ou cinco chuvas daquelas grandes, teríamos sessenta mil litros de água acumulados, água limpa, água pura. Deixei aqueles sacos fechados. Eles têm torneira, e tem o lugar de entrar e de sair a água, que agüenta quatro ou cinco anos. E provamos isso.

Então, o que poderíamos fazer agora? Uma sugestão ao Governo para se preparar para o que vem aí. Pegaríamos 200 mil casas e colocaríamos calhas em todas elas, em todos os Estados, nos povoados, no campo ou onde for, enfim, naquelas casas que não têm água. Mas nelas todas essa chuva cai e cai no telhado. Apanhamos essa água e a colocamos em um reservatório.

E qual seria o tamanho do reservatório? Um reservatório de 10 mil litros. Já fiz uma consulta aos fabricantes dessa lona plástica e estou esperando o resultado. Mas me parece que dez mil litros vão sair por R$1 mil. Então, tenho 200 mil casas e um reservatório para 10 mil litros com uma lona plástica que dura vinte anos. Colocamos esse reservatório atrás da cozinha, ligamos o cano da calha nesse saco plástico, e a água vai durar muito tempo.

Vamos ver quanto custa isto: duzentos mil vezes mil são R$200 milhões. E gasta-se dinheiro aí à-toa. Com R$200 milhões, estou dando água para um milhão de pessoas. Olhem bem: quantos carros-pipa seriam necessários para se chegar a isso, ou seja, ao que se recolhe com uma chuva de trinta milímetros. Quanto custa a calha? Custa R$200,00 por casa. Duzentas mil casas são R$40 milhões. Para implantar isso, 10 mil operários a R$600,00 por mês, já que instalam essas calhas em 30 dias. Já fizemos as contas. São R$246 milhões. E estou preparado para receber a água e armazenar 10 mil litros, enquanto durar todo o tempo de chuva. Quando terminar a chuva, ainda tenho os 10 mil litros. E os 10 mil litros dão para passar o resto do ano. Essa é a sugestão que eu daria ao Governo.

Já estão dizendo que a coisa começou, e lá na Paraíba já estão pedindo carro-pipa. Isso é outra coisa que o Governo teria que verificar. Esses carros-pipa, segundo dizem, são fontes de corrupção, já que o aluguel é uma coisa fora das normas etc. Mas o carro-pipa, além da bomba para encher o tanque do carro, tinha que ter um filtro apropriado como aquele que existe no Exército. Os nossos militares acampam em qualquer lugar e perto de qualquer tipo de água e, com aquele filtro, cuja patente é americana, têm água pura, ou seja, a água que entra do tanque é limpa, pura e tratada. Então, se tivermos que usar carros-pipa, obrigatoriamente eles deveriam ter esse filtro. É só consultar. O Exército tem as informações completas para não se pegar uma água esverdeada, como estão dizendo, e levar para as crianças que estão passando sede. Essa é uma outra recomendação que daria ao Governo.

E seria muito simples fazer com que isso pudesse acontecer. Não tem nada de difícil: o carro-pipa com a sua bomba e o filtro acoplado. Assim, qualquer água passa pelo filtro e vai para o carro-tanque limpa, filtrada e sem nenhum risco de contaminação.

Há ainda outro problema: muitas pessoas estão passando fome. Qual é, então, o caminho? Quando começa a seca, começa também esse problema. Todo o País se comove. E vêm cestas de São Paulo, Rio de Janeiro; enfim, todos os Estados se mobilizam e mandam os alimentos para aquela população empobrecida.

Há, no entanto, outra sugestão que daria. E vou fornecer os números, Senador Mão Santa. Hoje, sou adepto da soja. A civilização ocidental não está acostumada com a soja; está acostumada com o feijão. A Embrapa, no entanto, tem feito pesquisas com a soja e há muitas receitas nesse sentido. Com meio quilo de soja, tem-se quatro litros de leite. E meio quilo de soja custa R$0,50. Portanto, tenho quatro litros de leite por R$0,50, e, do resíduo, ainda se pode fazer vinte bifes. Vinte bifes! Numa família de cinco pessoas, quatro bifes de carne de soja por pessoa. E se olharmos as tabelas da Embrapa, onde há comparações entre a soja e outros tipos de alimentos, veremos que o bife de soja é mais nutritivo do que o bife de carne de boi. O que falta nela é complementado com qualquer outro tipo de alimento. E é pouca coisa que você deve acrescentar.

Repito, Senador Mão Santa: se uma criança, cuja mãe, coitada, sem alimento, deixa de ter leite, tiver o leite de soja, diluído na água limpa... Esse tipo que estou propondo: água de chuva filtrada, em saco fechado, onde não haverá poluição alguma. A água fica pura durante quatro anos - e colocará na mamadeira. Essa criança ficará forte e toda a família se alimentará só com a soja.

E lembro ao Presidente: são 200 mil famílias. Se ele der meio quilo de soja para cada família, são 100 toneladas/dia. Em 300 dias, serão três mil toneladas. O que é isto? Três mil toneladas a R$1,00 são R$3 milhões. Com R$3 milhões, aquelas famílias podem ter soja no ano inteiro. E vou repetir os números da Embrapa: com meio quilo, tenho quatro litros de leite e vinte bifes. Se a família aumentar, é só colocar mais meio quilo - um quilo de soja dá oito litros de leite e quarenta bifes. Só aí já garanto a alimentação da criança, que deixou o seio da mãe, e também dos meninos de um, dois, três, quatro ou cinco anos que não têm merenda porque não têm sete anos, e o Brasil só dá merenda para quem tem sete anos. Quem entra na escola tem direito à merenda. Quem não tem, não tem comida e, por isso, adoece. E o que comem as crianças do interior?

Faço essa observação como uma sugestão. O Governo podia se preparar para isso. Não sei qual seria o Ministério, se o da Educação ou o do Desenvolvimento Regional. Talvez este último, a quem a Sudene está vinculada. O Governo deve estocar a soja. Duzentos e quarenta e seis milhões de reais para atender a um milhão de pessoas no semi-árido não vale nada! O nosso superávit é em bilhões! Duzentos e quarenta e seis milhões de reais previnem. Isso é o mais importante. Quando bater a seca e começarem aquelas chuvinhas de 30mm, que não fazem gerar riqueza do chão, porque não alimentam nada, terá água. O homem pode viver até sem comer, mas sem água não agüenta 70 horas. Por isso, o problema nº 1 lá é água, água limpa, pura, boa, e a chuva é a água que Deus nos manda. Basta aparar a água que cai no telhado da casa, na calha, pôr em um saco plástico de alta resistência. Este é um reservatório barato, eficiente, capaz de suprir aquilo de que estamos precisando.

Para encerrar este assunto - já vem a seca -, sugiro também ao Presidente e ao Ministro Ciro Gomes que levem em conta o seguinte: se vamos ter seca e se as chuvas são aquelas de 30mm, vindo a próxima dali a 30 dias, vamos nos preparar para plantar produtos que agüentem a seca. Vamos plantar o feijão ligeiro, que dá em 40 dias. Mas não vamos plantar o feijão na superfície.

Fizemos uma experiência na Embrapa, no meio-norte, em Teresina. Abre-se uma vala - e o lavrador sabe fazer isso com uma enxada -, numa roça de um hectare, e planta-se o feijão ali dentro. Como a terra está fofa, se bater a chuva, ela segura a água. E o feijão ligeiro não precisa de muita água; com 40 dias, já dá feijão.

O segundo produto que deve ser plantado é a mamona, outra riqueza. O lavrador terá feijão e mamona e, com isso, terá suporte para agüentar a seca. E, assim, não veremos novamente o Governo todo atrapalhado, sem saber o que fazer, quantas cestas básicas mandar e quem as distribuirá. A confusão é grande todas as vezes que isso acontece.

Então, a minha sugestão é esta: que o Governo prepare um estoque de semente do feijão ligeiro para eles plantarem quando começar a chover e prepare o estoque de soja para garantir a base da alimentação. É o café da manhã com leite e bife de soja. É o almoço com leite e bife de soja. É o jantar com leite e bife de soja. Então, coloca-se o feijão e o arroz, e a família está alimentada, seguramente.

Por fim, fiquei agradavelmente surpreendido quando ouvi o Presidente dizer aos Ministros: “Gastem o dinheiro. Vocês têm o dinheiro, gastem-no”. Mas eu não sei se o Presidente recomendou ao Ministro Palocci para soltar o dinheiro. Se S. Exª agarrar o dinheiro, como os Ministros vão gastá-lo? De qualquer maneira, mando daqui, mais uma vez, os meus cumprimentos à Ministra Dilma Rousseff, porque eu levei a S. Exª aquele negócio das estradas, S. Exª “apanhou peão na unha”, como se diz, e eu já coloquei uma relação. Da próxima vez que eu vier aqui vou dizer quais são as estradas brasileiras que estão sendo aceleradas por determinação da Ministra, junto com o Ministro dos Transportes. Só estava faltando uma determinação. Com isso, tenho certeza de que 12 mil quilômetros de estradas em breve estarão completamente reconstruídos, e a economia será brutal.

No Brasil, estamos perdendo R$6 bilhões por ano, jogando óleo diesel fora com freadas e acelerações dos caminhões e carretas de 50 toneladas. Por fim, o frete da mercadoria brasileira subiu 35%, dando um prejuízo de R$7 bilhões por ano a quem está pagando.

Por isso, mais uma vez, meus cumprimentos à Ministra e aos outros Ministros, a quem digo: “Corram até o Palocci e peguem o dinheiro, porque o Presidente já recomendou”.

Espero que essas sugestões possam ser ouvidas pelo Planalto e que o Presidente determine que sejam cumpridas, para que não sejam apanhados de surpresa e tenham que sair correndo atrás de cestas básicas para socorrer um milhão de nordestinos sujeitos às calamidades da seca.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2005 - Página 38115