Discurso durante a 195ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de investigação da denúncia de utilização de recursos oriundos de Cuba na campanha eleitoral do presidente Lula.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Necessidade de investigação da denúncia de utilização de recursos oriundos de Cuba na campanha eleitoral do presidente Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2005 - Página 38171
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, EXISTENCIA, DOCUMENTAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), PROVA, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, DINHEIRO, FINANCIAMENTO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PAGAMENTO, PROPINA, CONGRESSISTA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, RECEBIMENTO, DINHEIRO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, JUSTIÇA, CONFLITO, IDEOLOGIA, CONGRESSISTA, BENEFICIO, DEMOCRACIA.

           A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a semana produziu duas revelações de extrema gravidade que merecem de nós a mais intensa reflexão.

           Ontem mesmo, o Relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, Deputado Osmar Serraglio, deixou claro, por meio de farta documentação, que o Banco do Brasil foi a fonte de onde jorraram pelo menos R$10 milhões que abasteceram o Partido dos Trabalhadores por intermédio da empresa do publicitário Marcos Valério de Souza. Ou seja, constata-se que o “valerioduto” era mesmo irrigado com dinheiro público - o que se traduz na primeira grande evidência real sobre a origem dos recursos desviados para financiar o chamado mensalão que originou a mais aguda crise da recente história política do País.

           Numa outra vertente, que nos desperta para uma preocupação ainda maior, fica a pergunta, Sr. Presidente: o que fazer diante de fatos tão complexos como os gerados a partir da reportagem de capa desta semana da revista Veja, ao sustentar que a campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu US$3 milhões de dólares vindos de Cuba, entre agosto e setembro de 2002?

           Em face da inusitada denúncia que, se comprovada, pode levar ao impeachment do presidente Lula e à cassação do registro do PT, qual deve ser o comportamento do Congresso Nacional: ignorar o assunto ou investigá-lo a fundo para que não paire nenhuma dúvida a respeito de tal conexão?

           Naturalmente, ao Parlamento não caberá outra postura senão o caminho da investigação séria e profunda, porque a denúncia encerra uma situação explosiva, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, e da mais alta gravidade nas duas direções: se as acusações foram comprovadas, evidentemente estaremos diante de uma ruptura histórica inevitável. Mas, se tudo não passar de “fantasias”, como alega o PT, então à revista caberá a grandeza de fazer o devido reparo, restabelecer a verdade e praticar a justiça.

           Já está aí a CPI dos Bingos com o calendário definido para ouvir as fontes arroladas na polêmica reportagem, e o caminho é justamente este: ir a fundo e desvendar cada curva dessa suposta ponte entre o regime de Fidel Castro e o governo do PT para verificar se realmente houve financiamento ilícito da campanha de Lula. Mais do que isso: se existirem, de fato, evidências a respeito, então seria necessário avançar muito mais para verificar possíveis ingerências decorrentes de tal investimento, porque, como se sabe, uma quantia extraordinária de dinheiro como essa não seria arrebanhada em troca de nada. Um empresário quando financia uma campanha depois vai cobrar o seu quinhão. Um regime político com o perfil de Cuba, se comprovada a doação, também jogaria a partir de um objetivo específico. E aí o caso teria uma amplitude muito mais grave, muito mais além do que se poderia imaginar.

           Faço essas ponderações, Sr. Presidente, sem nenhum propósito de colidir com o PT ou somar forças com a Oposição. Em determinados momentos, os fatos despertam paixões desmedidas, e aí corremos o risco de substituir a racionalidade e o equilíbrio pela emoção. Quase sempre, nessas realidades, o resultado é o brotar de um radicalismo que, efetivamente, não interessa ao País e ao seu povo.

           É necessário que, como agentes públicos, saibamos valorizar o estágio avançado de prática democrática que, graças a Deus, vivemos no Brasil. Nesse sentido, é, sim, condenável a priori desqualificar ou descaracterizar a reportagem de Veja, com fazem o PT e o Governo, imputando à publicação a pecha de serviçal dos interesses do PSDB e PFL. Pior ainda é o comportamento da Embaixada de Cuba, que preferiu definir a denúncia da revista como a ação do “imperialismo” ianque.

           Creio, sinceramente, que já passamos desta fase de creditar a “forças ocultas” ou a “interesses expansionistas dos Estados Unidos” tudo o que acontece no País. O amadurecimento significa encarar os fatos, investigar a fundo e buscar a verdade acima de tudo. É claro que, para o Brasil, o ideal seria sair do atoleiro das acusações, mas, para isso, é necessário que seus agentes públicos atuem com correção e honestidade. E mais: mesmo que não gostemos, num ambiente democrático, as denúncias sempre farão parte da rotina, porque expressam as contradições dos agentes políticos. Agora, a quem denuncia sempre caberá o ônus incontestável da prova.

           Assim, se o PT erra ao acusar Veja de ser porta-voz de forças que pretenderiam derrubar o Governo, igualmente não pode também a Oposição exagerar e fazer da denúncia um ingrediente que antecipe o debate eleitoral.

           O momento é de gravidade - e de cautela. Não nos cabe ainda nenhum juízo, nenhum julgamento. Mas é preciso que fiquemos atentos. O mensalão, por exemplo, foi contestado duramente pelos denunciados no caso. No entanto, vejam que até presidentes de partidos importantíssimos do Brasil caíram acossados pelas evidências dos fatos! Se o mensalão fosse irreal, não existiriam motivos para tantas baixas num curto espaço de tempo. E observem que as revelações são resultado principalmente do trabalho exaustivo da imprensa.

           No caso da conexão cubana, algumas preocupações se apresentam. A primeira delas é a sensação de que possamos ter ressuscitado com Lula este confronto de caráter ideológico que tantas tragédias trouxe ao mundo. O passado recente marcado pelo autoritarismo de esquerda e de direita tem esse legado de vidas e vidas ceifadas pela fúria da intolerância.

           Não podemos jamais celebrar o mundo do confronto. Não me passam pela cabeça ideais venezuelanos, cubanos, norte-americanos, de empreender a batalha de nação contra nação, regime contra regime. Não permitamos que o Brasil entre neste embuste que, na verdade, expressa rancor, ódio, dilaceração, dor! A tradição de nosso País sempre foi a paz, a concórdia, a tolerância, a busca da unidade. Caso se confirme essa conexão cubana, por meio de dólares tirados do sofrido e pobre povo daquela ilha, então, a interpretação internacional a respeito do Governo brasileiro será exatamente esta: mais uma Nação associada à velha e decadente tirania ideológica que persiste, a despeito dos desastres históricos evidentes.

           Por fim, fica a preocupação com essa guerra que o Presidente Lula teria declarado como única alternativa para enfrentar o que qualifica como exagero das oposições.Também aqui a inspiração é venezuelana e o Presidente teria citado a postura de Hugo Chávez, que dividiu o país ao meio para permanecer no poder. Pelo amor de Deus! Gostaria que o Presidente Lula declarasse guerra sim, mas à fome, ao desemprego, à miséria, à falta de oportunidades para os jovens, ao abandono de nossas crianças. Não queremos um Brasil dividido ao meio, mas irmanado no mesmo propósito de lutar pela vida, pela paz, pela felicidade de seus filhos.

           Sempre aqui nos levantaremos contra qualquer confronto anunciado, guerras sem ideais, batalhas sem causas! É preciso redirecionar o discurso. Guerra, sim, à desonestidade e à roubalheira.

           Um presidente deve pregar a concórdia, o estadista deve buscar o diálogo permanente. Imaginar uma democracia sem oposição é exterminá-la de fato. Por outro lado, nenhuma oposição precisa passar do limite imposto pelo equilíbrio.

           Também, por outro lado, não podemos ceder ao calor das emoções, mesmo diante de suspeitas como esse nefasto uso de grampo ou ameaça familiar numa vã tentativa de intimidar os dirigentes das oposições e os Parlamentares que integram as Comissões de Ética ou Parlamentar de Inquérito, o que sinalizaria para um hediondo terrorismo psicológico. Tudo bem, deve-se protestar com veemência e indignação, mas se predispor a dar uma “surra” no Presidente Lula é algo que foge completamente aos parâmetros do processo democrático e macula mesmo aquele sentido de oposição sensata e coerente que sempre guiou as ações dos líderes partidários deste País. Além disso, uma manifestação desse porte não apenas acirra ânimos e torna tensa a convivência política como também fornece combustível ao Governo para se colocar numa cômoda posição de vítima, que em nada colabora para esclarecer a opinião pública sobre o dramático momento que vive o País.

           É hora de refletir, investigar os fatos denunciados, buscar a verdade e não fugir ao debate. É assim que se constrói a verdadeira democracia.

           Terminando, eu gostaria de falar a propósito do significado de minha camiseta com a bandeira do Brasil - coincidentemente, a Senadora Heloísa Helena veste uma camiseta igual. É para dizer: “Aqui é a nossa casa e aqui está a nossa bandeira”.

           Era o que eu tinha a dizer.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2005 - Página 38171