Discurso durante a 195ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Significado do encontro de Cúpula das Américas que está ocorrendo em Mar del Plata, Argentina. Visita ao Brasil do presidente norte americano, George W. Bush.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Significado do encontro de Cúpula das Américas que está ocorrendo em Mar del Plata, Argentina. Visita ao Brasil do presidente norte americano, George W. Bush.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2005 - Página 38173
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, ANALISE, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, AMERICA.
  • REGISTRO, ENCONTRO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA, DEBATE, POLITICA, ECONOMIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DEFESA, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, POPULAÇÃO, CONGRESSISTA.
  • CRITICA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPOSIÇÃO, TRATADO, ASSINATURA, JAPÃO, REDUÇÃO, POLUIÇÃO, PLANETA TERRA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PREJUIZO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, POLITICA EXTERNA, AMERICA.

           O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, caro Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, trago um breve comentário sobre o significado do encontro de Cúpula das Américas que está ocorrendo em Mar del Plata e que conta com a presença do Presidente dos Estados Unidos. Trata-se de um encontro que prevê o debate de 34 presidentes de Estados americanos e tem como ponto central as relações multilaterais e as relações bilaterais que se têm firmado nas Américas.

           A propósito, solicito à Mesa que insira em meu pronunciamento um dos mais lúcidos artigos que nós temos sobre esse encontro de Cúpula, de autoria do Presidente José Sarney e publicado hoje na Folha de S.Paulo sob o título: “Bush e o pato canadense”. O artigo é de uma lucidez ímpar e faz um retrato da evolução histórica até se chegar ao chamado encontro de Cúpula das Américas. O Presidente Sarney, de maneira muito feliz, faz um comentário crítico e coloca o que significa o momento atual nas relações multilaterais nas Américas e, ao mesmo tempo, no mundo; comenta a figura de George Bush e o que está ocorrendo em todo o nosso Planeta.

           Lamento profundamente ver um Senado Federal esvaziado no momento em que se realiza um encontro entre os países americanos, com 34 Chefes de Estado tomando parte de um debate que, necessariamente, exige um posicionamento de todos nós, dos partidos políticos aos mais diversos setores da sociedade. Estamos diante do país mais influente do mundo junto com os povos americanos, tomando decisões comerciais e exercendo influências políticas que afetam o nosso destino. O Parlamento deveria estar repleto e um grande debate deveria estar em curso, com a manifestação de convicções quanto às relações multilaterais, às relações bilaterais, aos blocos regionais, ao papel da OMC hoje, ao papel da Alca para nós, quanto ao que representa para o nosso País esse tipo de política externa americana e o significado dela para o mundo inteiro. Parece, porém, que a política comezinha nos vai engolindo - é o processo de uma crise civilizatória que nos envolve.

           Nós podíamos ter, num momento como este, sem dúvida alguma, uma belíssima manifestação de mais de um milhão de jovens brasileiros saindo das escolas e das universidades para dizer o que o Brasil pensa do mundo hoje para o maior Chefe de Estado do Planeta em termos de poder, o senhor das guerras. Infelizmente, porém, a política comezinha nos absorve, fica a troca de denúncias e a grande política fica relegada ao segundo plano.

           O Presidente Sarney diz hoje, em seu artigo:

           É a famosa Cúpula das Américas [é o quarto encontro de Cúpula, na verdade], que foi criada para que os americanos pudessem participar desses fóruns regionais que tinham sido começados por mim, por Miguel de la Madrid, por Alfonsín e por Sanguinetti - o pioneiro Grupo dos Oito -, reunião restrita então aos interesses da América Latina.

           Mais adiante, quanto aos comentários atuais, o Presidente Sarney diz o seguinte:

           Já o ex-presidente Jimmy Carter acusa o governo de seu país de “sabotar as referências morais em que se baseia a política externa americana” e também acusa Bush de provocar uma “mudança profunda e radical nos valores morais dos Estados Unidos”.

           Esse é um comentário da maior importância e deve nos impor uma reflexão, já que é o pensamento de um ex-presidente dos Estados Unidos, alguém que tem dedicado sua vida atualmente a acompanhar a política de direitos humanos no plano internacional.

           No mesmo artigo, há referência ao comportamento que tem a Central de Inteligência Americana, a CIA, nos países hoje no que diz respeito à transgressão da política de direitos humanos: torturas, práticas de desaparecimento de pessoas, de forjamento de documentos até o financiamento público com o chamado caixa dois no Estado do Texas, área de influência de dirigentes republicanos ligados ao Presidente George W. Bush. Por tudo isso, entendo que este artigo deve fazer parte dos Anais do Senado Federal e provocar um grande debate.

           Espero, Sr. Presidente, que nós possamos ter, por parte dos representantes políticos brasileiros, manifestações formais, documentais, memoriais sobre o que está acontecendo hoje. Eu não consigo imaginar que possa passar impune pela crítica da sociedade brasileira a posição americana em relação a Kyoto, à omissão do governo americano no que diz respeito ao mais importante tratado multilateral de redução de gases tóxicos, de luta contra o aquecimento global, que busca a qualidade de vida dos povos, que busca uma redefinição de valores e a convivência entre tecnologia, energia e qualidade de vida das sociedades.

           Não é possível imaginar isso, não é possível que nós não possamos manifestar o que estamos fazendo em relação a isso. Não é possível imaginar que a Alca passe despercebida dos grandes debates do Parlamento brasileiro numa hora como esta. Por que o Chile foca a relação bilateral? Por que outros países da América Latina se expõem a uma relação bilateral em detrimento de uma relação multilateral, de uma relação em bloco? Será que os interesses individuais de povos vão se sobrepor a um pacto da comunidade sul-americana de nações, como o Presidente Lula tem defendido, a uma concepção de bloco regional para que nós possamos levantar a cabeça no grande debate dos subsídios agrícolas que amordaça, que impõe restrições violentíssimas à capacidade de política externa e política de exportação e balança comercial dos nossos povos? Será que nós não podemos olhar para o cenário internacional de maneira mais elevada e fazer cobranças? Do jeito que se está pondo, fica transferida para a OMC toda e qualquer mediação e relacionamento de ajustamento das práticas bilaterais de comércio externo e fica a Alca congelada para um avanço no que sejam os moldes de uma nova relação multilateral que se está criando.

           No fundo, no entanto, estamos dizendo para que se engesse o sentimento de direito internacional na política comercial dos povos latino-americanos e deixe que a OMC continue a mediar essas relações da maneira como vem fazendo, com subsídios agrícolas sendo a grande exposição da violência praticada contra os países em desenvolvimento, contra os países pobres.

           Em relação aos nossos irmãos africanos, é dito por todos os analistas das políticas sociais globais que, se tivéssemos os países comprando três vezes mais, cada um gastando menos de 1% das suas riquezas para comprar legitimamente dos irmãos africanos, não teríamos 35 mil mortes diárias neste planeta por doenças que poderiam ser evitadas e pela fome, como vem ocorrendo no mundo e, de maneira muito mais concentrada, com os irmãos africanos.

           Então, que modo de política externa que estamos consolidando para a nossa América Latina, para a América do Sul, para as nossas Américas, para essa relação com o chamado “Senhor das Guerras”? É uma grande oportunidade que está posta, mas, lamentavelmente, a nossa juventude prefere ficar nas escolas, nas suas aulas formais. Os universitários preferem ficar acanhados diante de uma greve que se arrasta sem uma solução definitiva, e o pensamento intelectual brasileiro não se une para um amplo movimento de massa em um dos mais oportunos momentos de crítica da sociedade brasileira contemporânea, esse modus vivendi global que estamos atravessando.

           Lamento também que o Senado e o Congresso estejam acanhados neste momento. Penso que o artigo de hoje da Folha de S.Paulo, do Senador José Sarney, é um dos melhores documentos do momento atual, do significado dessa visita.

           Sei que o Presidente Lula, como Chefe de Estado, tem responsabilidade em manter formais e positivas as agendas com o governo americano, com o Presidente dos Estados Unidos. Sei das inquietações que afetam Sua Excelência neste momento, o seu debate e a sua peregrinação contra a fome, solidário aos povos do planeta inteiro. Não tenho a menor dúvida que temos uma oportunidade ímpar de manter a legitimidade dos protestos, das inquietações, das indignações justas contra a política externa americana hoje e o respeito à formalidade das relações bilaterais ou multilaterais com as quais o nosso País também tem que estar envolvido.

           Mas é possível conciliar tudo isso. O Senador Mão Santa lembra muito o Abraham Lincoln, mas é de George Washington a tese de que os americanos não têm amigos, têm interesses quando o assunto é política externa. E temos que ter essa clareza, essa compreensão fria de realidade para podermos estabelecer os nossos direitos no cenário internacional e no cenário americano hoje.

           O meu entendimento é que o Brasil, nesta hora, deveria estar efervescente em protestos, em análises e em debates. Os que são a favor, a favor; os que são contra, contra; mas, nessa visita, deveríamos deixar uma marca para o mundo inteiro do que pensa a sociedade brasileira, de modo muito claro, o intelectual brasileiro, a vanguarda universitária brasileira, as organizações não-governamentais e a juventude brasileira, sobre que mundo é este, que mundo queremos construir, se é ou não possível pensar em outro mundo para viver e para construir aquilo que achamos legítimo para o nosso povo e para os povos dos países americanos.

           Era o que eu tinha a dizer.

 

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           DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

           (Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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           Matéria referida:

           “Bush e o pato canadense”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2005 - Página 38173