Discurso durante a 195ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da ratificação, pelo Congresso Nacional, da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, aprovada em outubro de 2003, pela UNESCO.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Defesa da ratificação, pelo Congresso Nacional, da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, aprovada em outubro de 2003, pela UNESCO.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2005 - Página 38210
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • DEFESA, RATIFICAÇÃO, CONVENÇÃO, SALVAGUARDA, PATRIMONIO CULTURAL, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • COMENTARIO, HISTORIA, LEGISLAÇÃO, PRESERVAÇÃO, PATRIMONIO CULTURAL, BRASIL, ANALISE, IMPORTANCIA, PROTEÇÃO, INCENTIVO, CULTURA, PAIS.

           A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO.. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Unesco, em outubro de 2003, aprovou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da humanidade. Sua efetivação depende, contudo, da adesão a esse texto de, pelo menos, 35 países. O Brasil, como um dos mais ativos participantes elaboradores dessa convenção, deveria ser dos primeiros a ratificá-la. Para tanto, precisamos da aprovação do Congresso Nacional. O Senhor Presidente da República enviou mensagem à Câmara dos Deputados solicitando a apreciação do texto pelo Parlamento brasileiro. A matéria encontra-se, ainda, em tramitação naquela Casa, mas sob regime de urgência, o que deve favorecer sua aprovação em data próxima.

           Mesmo sabendo que a preservação do patrimônio ainda não foi elevada à condição efetiva de prioridade nacional, o Brasil tem se destacado nesse campo. A clarividência de alguns dos expoentes de nossa cultura tem servido para que - pelo menos do ponto de vista de proposições, de legislação e de iniciativas, mesmo que pontuais - tentemos, ainda que timidamente, preservar aquilo que de mais precioso uma sociedade pode ter: o registro de sua bagagem e de sua história cultural; de tudo aquilo que contribuiu e ainda contribui para formar a múltipla e complexa expressão cultural de um grupo social ou de toda uma Nação.

           De fato, Sr. Presidente, malgrado todas as vicissitudes históricas, avanços e recuos motivados pela dinâmica da cena política, o panorama da legislação cultural brasileira vem apresentando inegáveis progressos, tanto no que respeita a sua adequação às atuais demandas da sociedade quanto no que tange à ampliação das áreas de alcance e interesse.

           A Constituição de 1988, refletindo o tratamento conferido ao tema pelos textos constitucionais de alguns países do chamado Primeiro Mundo, promoveu, especialmente nos artigos 215 e 216, um significativo avanço em relação à definição, preservação e difusão do patrimônio cultural, garantindo e incentivando a produção e o acesso às fontes da cultura nacional.

           Srªs e Srs. Senadores, é inegável que o arcabouço jurídico, que aos poucos se consolida, oferece, atualmente, uma razoável sustentação às ações governamentais destinadas ao setor cultural. Mas nada é definitivo, Senhor Presidente. Os anseios da coletividade - cada vez mais conscientizada e engajada na preservação do seu patrimônio -, aliados à demanda dos setores que produzem cultura no País, provocam e provocarão revisões e aprimoramentos.

           Na verdade, desde o início do século XX, já havia brasileiros preocupados com a preservação de nossa memória cultural. A Constituição de 1934, por exemplo, em seu capítulo II, dedicado à educação e à cultura, definia a proteção e o apoio ao patrimônio histórico e artístico como dever do Estado. Esse importante preceito constitucional produziria efeito jurídico por ocasião do Governo Vargas. Sob a égide de Gustavo Capanema - Ministro da Educação de 1934 a 1945 -, com o concurso notável do escritor Mário de Andrade, um decreto organizou o então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, presidido, à época, por Rodrigo Melo Franco de Andrade. Estava, assim, pavimentado o caminho para uma verdadeira política de preservação e resgate do imenso patrimônio cultural da Nação brasileira.

           Registremos, também, Sr. Presidente, que, no Brasil, não é novo o reconhecimento das expressões e manifestações populares como indicadores da nossa identidade cultural. De fato, o registro dessas manifestações já fazia parte do histórico anteprojeto elaborado por Mário de Andrade, em 1936; anteprojeto que está na origem da ação do Estado em favor da proteção ao nosso patrimônio cultural, materializada no Decreto-Lei nº 25, de 1937. A partir desse texto pioneiro construiu-se, paulatinamente, uma interpretação sobre a identificação e a preservação dos bens culturais brasileiros.

           Décadas após, o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) - grupo interministerial criado na década de 1970, com o intuito de mapear e criar instrumentos de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, sob a liderança de Aloísio Magalhães - estabeleceu os passos pioneiros para a futura edição do Decreto nº. 3.551, de 2000.

           Assim, Sr. Presidente, o Estado, a partir da edição do Decreto nº. 3.551, de 2000, passou a dispor de instrumento adequado ao registro de bens culturais de natureza imaterial. Completou-se, então, o ciclo iniciado em 1937, quando foi instituído o tombamento, voltado para a preservação de obras de arte, monumentos, sítios históricos, arqueológicos e ambientais, bem como outros bens materiais de valor histórico e artístico.

           A operacionalização do processo de registro, no caso de bens imateriais, ainda é objeto de deliberações do Governo. Entretanto, o grande passo do reconhecimento desse patrimônio já ostenta suas virtudes. Com base em experiências internacionais de reconhecimento das manifestações culturais imateriais, ficou evidenciado que as ações mais recomendadas para o trato desse patrimônio são justamente aquelas contempladas pelo decreto de 2000: o inventário, o registro, a documentação, assim como a definição de medidas de apoio, de difusão do conhecimento e de proteção à propriedade intelectual.

           Mais recentemente, essa louvável inovação recebeu, também, o aporte especializado da Unesco. Na verdade, desde 1933, tendo como referência o tratamento do tema por alguns países orientais, a Unesco passou a considerar o assunto como área de sua competência e estudo, o que tem gerado, inclusive, algum apoio financeiro aos detentores de saberes patrimoniais.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o valioso desfecho desse processo internacional foi a aprovação da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, em 17 de outubro de 2003, na Trigésima Segunda Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); e, com a relevante participação do Brasil, cujo Decreto nº 3.551, de 2000, serviu de importante referência na elaboração do texto aprovado.

           E entre nós? De que trata esse importante tema? Trata-se da proteção de importantíssimas formas de expressão cultural, tipicamente brasileiras, como a indígena ou os inúmeros festejos espalhados por todo o Brasil, como o bumba-meu-boi e tantos outros. Enfim, a lista é infindável, e a diversidade e riqueza ilimitadas. É da preservação e da perpetuação dessas manifestações que falamos.

           Assim, Sr. Presidente, não poderíamos adotar outra postura que não a de aprovar celeremente o texto que o Poder Executivo enviou ao Parlamento. Só assim o Brasil poderá se inscrever, definitivamente, no rol dos Estados Partes desse importantíssimo acordo internacional.

           Auguro que a tramitação na Câmara dos Deputados seja breve e que, ainda neste semestre, o Senado Federal se possa debruçar sobre esta auspiciosa iniciativa para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.

           Concluo registrando que, já no quadro das iniciativas de registro patrimonial, a Unesco criou a Proclamação das Obras-Primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, no âmbito da qual, a cada dois anos, a partir de 2001, selecionam-se, por júri internacional, espaços e expressões de excepcional importância, dentre candidaturas oferecidas pelos países. Em 2002, o Brasil apresentou sua primeira candidatura, preparada pelo Museu do Índio, retratando a cosmologia e a linguagem gráfica dos índios Wajãpi, do Amapá. E essa candidatura foi aprovada e inscrita no rol das obras-primas da humanidade.

           Em 2005, Srªs e Srs. Senadores, será a vez do Samba ser apreciado. O júri internacional da Unesco deveria ter se reunido em julho deste ano, para se pronunciar sobre se o samba pode ser considerado obra-prima do patrimônio imaterial da humanidade. Contudo, devido ao grande número de candidaturas apresentadas, totalizando 70, a Unesco decidiu reunir o júri, não mais em julho, mas de 21 a 24 de novembro, para fazer a proclamação das novas obras-primas da humanidade no dia 25 de novembro. Temos convicção de que nosso samba se tornará a segunda manifestação cultural brasileira a ser consagrada pela Unesco.

           Ressalto ainda, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional lançou, em setembro do corrente ano, o primeiro Edital Público do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial que fomentará projetos de pesquisa documental sobre o patrimônio cultural e imaterial que constituem referências culturais para grupos sociais no âmbito dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraíba, Rondônia e Roraima bem como projetos que visem à melhoria das condições de transmissão, produção e reprodução de bens culturais imateriais no Norte e Centro-Oeste do país. Qualquer instituição, pública ou privada, não vinculada à estrutura do Ministério da Cultura, e ligada à cultura, à pesquisa e ao patrimônio, nos termos do edital, poderá participar da seleção. Serão destinados oitocentos mil reais aos projetos selecionados.

           Eis, pois, Sr. Presidente, razões mais do que suficientes para que o Brasil se apresse em depositar junto à Unesco a sua ratificação à convenção dos bens culturais imateriais. Assim procedendo, daremos um sinal claro à comunidade internacional de nosso zelo pela cultura brasileira. E daremos à nossa própria gente mais razões para se orgulhar do modo brasileiro de ser e fazer a vida e a cultura.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2005 - Página 38210