Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação de denúncia da revista Veja sobre a suposta doação de Cuba à campanha do PT em 2002.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • Avaliação de denúncia da revista Veja sobre a suposta doação de Cuba à campanha do PT em 2002.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2005 - Página 37707
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, PERIODICO, VEJA, ISTOE, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AMPLIAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESTADOS, PREVISÃO, AUMENTO, TRABALHO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ESPECIFICAÇÃO, GRAVIDADE, IRREGULARIDADE, RECURSOS, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, TESTEMUNHA, QUESTIONAMENTO, ORADOR, ATUAÇÃO, IMPRENSA.
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, OCORRENCIA, FALTA, RESPONSABILIDADE, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUSENCIA, COMPROVAÇÃO, DENUNCIA, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), LEITURA, DOCUMENTO, COMISSÃO MISTA, PUBLICAÇÃO, DIREITO DE RESPOSTA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), LEITURA, TRECHO, EXCESSO, DENUNCIA, PERDA, QUALIDADE, INVESTIGAÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, muito obrigada. Agradeço também ao Senador Mão Santa, inclusive pelos elogios a minha vestimenta do dia.

Sr. Presidente, trouxe à tribuna material de leitura do final de semana. E, Por esse material, vejo que o nosso trabalho vai aumentar muito aqui, no Congresso Nacional. Aumenta o trabalho e, infelizmente, aumenta também a temperatura, pelas capas das revistas, pelas matérias, Senador Paulo Paim.

Aliás, a capa da IstoÉ é “Acaba a trégua”. E, nas matérias internas: “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. E relata aqui um pouco o que tem sido o tiroteio dentro do Congresso Nacional. Aparece depois uma reportagem sobre a verdadeira lista do Marcos Valério, a qual teremos de, obviamente, aprofundar e discutir. Depois há uma outra matéria chamada “Cacau no bolso”, dizendo que “Grupo do peemedebista Geddel Vieira Lima acusa novo aliado de ACM Neto de pagar ‘mensalinho’ em Prefeitura baiana”. Provavelmente, também isso dará trabalho.

A Carta Capital tem na capa: “No tabuleiro da baiana tem: relatório do TCE da Bahia revela existência de conta fantasma de 101 milhões na Bahiatursa. Pagamentos irregulares e suspeitas de caixa 2”. E dentro há a matéria sobre o duto baiano. Vai até ao futebol na Bahia: “Dantas na terceirona” e tal. Têm matérias aqui para trabalharmos horrores.

A Época, que começa na capa com “Uma nova inteligência”, lá dentro, tem matérias para tudo quanto é gosto. Milhões de versões sobre a questão da superacareação, elementos, novas versões, novos fatos, novas insinuações. Depois, há uma reportagem grande também: “A moeda da discórdia. Acordo de 1 milhão e 300 mil entre caciques do Xingu, o Governo de Mato Grosso e a empresa de energia provoca racha histórica no parque indígena”. Até os índios. Aqui, também trata da história da Bahiatursa: “Deputados da Bahia querem CPI para investigar gastos ocultos de 109 milhões em estatal”.

Na Veja, há a matéria que trata da questão da possibilidade do Planalto: “Planalto atuou para ajudar o Banco Rural. Como o Banco Central sofreu pressões do Governo e do lobista Marcos Valério para financiar o banco mineiro e o PT”.

Porém, indiscutivelmente, a matéria das revistas que mais repercutiu e que está tendo um destaque é a da capa da Veja que diz: “Os dólares de Cuba para a campanha de Lula”. O título da matéria é: “Campanha de Lula recebeu dinheiro de Cuba”. Esta é a matéria na qual quero me deter um pouco mais, pela repercussão, pela gravidade e pelo que está sendo referido por diversas lideranças políticas e partidárias a respeito dela.

A matéria se embasa em declarações do Sr. Rogério Buratti e do Sr. Vladimir Poleto, que até vou até reproduzir, Senador Paulo Paim. Diz o Sr. Rogério Buratti: “Fui consultado por Ralf Barquete, a pedido do Palocci, sobre como fazer para trazer US$3 milhões de Cuba. Disse que poderia ser através de doleiros. Sei que o dinheiro veio, mas não sei como.” Ele sabe que o dinheiro... Mas não sabe como. E foi consultado por Ralf Barquete, diga-se de passagem, morto e enterrado. Portanto, Ralf Barquete não pode confirmar. A não ser que consigamos fazer uma conexão direta com o além, Ralf Barquete não pode confirmar o que diz o Sr. Rogério Buratti.

Declarações do Sr. Vladimir Poleto: “Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida. Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas. Quem me disse isso foi Ralf Barquete. O valor era US$1,4 milhão."

            De novo Ralf Barquete foi a testemunha - morto, volto a dizer, e enterrado. Ele também não sabia; veio a saber depois. O valor não era mais US$3 milhões; era US$1,4 milhão.

            A própria reportagem diz, lá pelas tantas, porque ela é bem interessante: “Um petista que pediu para que sua identidade não fosse revelada contou à Veja que, da parte do governo de Cuba, quem tomou conta da operação foi Sérgio Cervantes”. Ou seja, envolve uma pessoa vinculada a outro país, Sr. Sérgio Cervantes, mas não revela quem é a fonte. Um está morto e enterrado, e a outra fonte não se pode confrontar.

Depois, mais adiante, na reportagem, lê-se:

Vladimir Poleto, depois de dizer tudo o que disse à Veja, mudou de idéia. Ele despachou um e-mail para a revista pedindo para que não se fizesse uso do conteúdo da conversa. Ali sugere que não autorizou a gravação do diálogo e dá a entender que, diante de “diversos copos de chope”, pode ter caído involuntariamente no “exacerbamento de posicionamentos”.

E assim segue a matéria. Fonte que não pode ser explicitada, copos de chope, quem pode provar está morto e enterrado, todos os dois se referem a alguém que não pode confirmar aquilo que eles estão alegando. E assim vai a matéria, que se estende por várias páginas.

E aí a repercussão na imprensa é de vários tipos. Eu trouxe aqui a matéria do Nelson de Sá, na Folha de S.Paulo. “Mesmo sem provas, a revista supõe.” Esse é o título da matéria de Nelson de Sá, que faz análise da atitude da mídia a respeito da reportagem.

Eu trouxe tudo isso aqui que temos para investigar, e fiz questão de trazer todas as questões, sobrando para “a”, “b”, “c” e “d”, e até a última letra do alfabeto do que está nas matérias das revistas. Eu não poderia deixar de trazer essa matérias com relação à questão dos dólares, Senador Tião, algo que eu considero muito grave. Em relação a esse tipo de reportagem, na qual quem pode provar está morto e a fonte não pode ser explicitada, há contradição no que eles dizem e, ainda por cima, houve até copo de chope no meio da entrevista para sair a declaração.

Além disso, eu não poderia deixar de trazer à tribuna um episódio que considero lamentável e que se reporta também à revista Veja. A referida revista, na sua edição 1.896, do dia 16 de março de 2005, estampou na capa - creio que o Presidente se lembra - “Tentáculo das Farcs no Brasil: Espiões da Abin gravaram o representante da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de cinco milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002.” E aí vem a reportagem da Veja mais ou menos no mesmo estilo, parecidinha. Afirma que “os documentos estavam no arquivo, mas não era bem assim”. Tinha lá os documentos, mas, sob a condição de não reproduzi-los nas páginas da revista, a Veja teve acesso a seis documentos e, desses, três fazem menção explícita à doação, mas depois não é bem assim, nada se comprova. E assim vai a reportagem no mesmo estilo.

O Senado da República, tendo à frente o Senador Cristovam Buarque - só estou trazendo à tribuna depois de ter conversado com ele -, por meio de requerimento do Senador Demóstenes Torres, fez com que a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência apreciasse essa denúncia. Vou ler aqui o texto que foi publicado no Diário do Senado, no dia 27 de agosto, nº 134:

Durante cerca de seis meses, compareceram a esta comissão, em audiências públicas e secretas, o Ministro-Chefe do Gabinete da Segurança Institucional, General Jorge Armando Félix; o Diretor-Geral da Abin, Marco Marcelo de Lima e Silva; o informante Coronel da Polícia Militar Eduardo Ferreira, bem como todas as pessoas por estas citadas entre servidores, ex-servidores, diretores e ex-diretores do órgão.

Ouvidos os depoimentos e analisados os documentos apresentados, esta Comissão considerou que já dispõe de informações suficientes para pronunciar-se sobre o caso:

a) Quanto ao fato de a Abin ter gerado documentos sobre doações de campanha das Farc ao PT, um único informe foi produzido pelo Departamento de Operações e Inteligência, o qual, segundo autoridades da Abin que compareceram à Comissão após processo de análise da informação, de acordo com a metodologia de Inteligência, foi desconsiderado;

b) Não foram apresentadas provas de produção de outros documentos de inteligência, nem de gravação sobre o tema.

Assim, a denúncia da investigação da Abin sobre doação de dinheiro da narcoguerrilha para a campanha do PT de 2002 e a eventual omissão das autoridades do Governo Federal em divulgar o fato não foram comprovadas.

Sala das Sessões, 10 de agosto de 2005.

Esse documento foi assinado por todos os membros da Comissão Mista de Controle das Atividades e Inteligência. Tudo isso conforme me disse o Senador Cristovam Buarque e até o próprio autor do requerimento, Senador Demóstenes Torres.

Agora, pergunto o seguinte, Senador Paulo Paim: depois de seis meses de trabalho do Congresso Nacional, depois de serem ouvidas todas as testemunhas, de tudo ter sido esmiuçado, investigado, averiguado, deu capa da Veja? Saiu em algum jornal? V. Exª tem conhecimento de alguma matéria desmentindo isso que nos tomou tempo, que ocupou o Congresso?(Pausa.)

Ouço o aparte do Senador Paulo Paim, porque a indignação vai beirando o extremo limite que todos temos de ter.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Ideli Salvatti, falarei rapidamente. Primeiro quero cumprimentar a sua coragem e firmeza ao trazer este tema à tribuna. Hoje pela manhã, também chegando a Brasília, pois vim de um encontro no Estado do Pará para debater sindicalismo, lei trabalhista, a primeira coisa que me perguntaram foi isso. Eu disse que estamos muito acostumados a que, em todo fim de semana, apareçam mais denúncias sobre “a”, “b”, “c”, Pedro, Paulo, João, Partidos Políticos, figuras públicas, mas, na verdade, provas concretas nunca aparecem. Eu disse que, se quiserem apresentar cinco, dez, vinte, trinta, cinqüenta CPIs, o que acabará desmoralizando o instituto da CPI, estou assinando tudo! Bom, se é para - desculpem-me o termo - avacalhar o instituto importante que é a CPI, eu começarei a assinar, embora discorde da forma como as coisas estão sendo encaminhadas. Depois, disse também ser incrível - conforme é o eixo de seu pronunciamento - que o ônus da prova não é mais de quem acusa, mas de quem é acusado.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - De quem é acusado...

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Então, em um dia desses, qualquer um de nós será denunciado por esse ou aquele motivo, e o ônus da prova, o de mostrar que eu não tenho nada a ver com aquilo, não é mais do Deputado, do Senador ou desse ou daquele Partido. É brincadeira! As pessoas acusam, e o ônus da prova é daquele que é acusado. Então, quem é acusado, seja entidade, seja pessoa pública ou não, vai ter que demonstrar que não tem nada a ver com aquilo que se ouve por parte daquele que é o acusador. Por isso mesmo, cumprimento V. Exª. É mais uma denúncia, como tantas outras. São tantas que chego a dizer que tem de haver mais responsabilidade por parte de quem acusa. Caso contrário, amanhã ou depois, serão eles tachados de irresponsáveis pela forma como encaminham essas denúncias. Parabéns a V. Exª.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Paulo Paim.

Quero solicitar, Sr. Presidente, que sejam consideramos como lidos na íntegra dois artigos. Um foi publicado no jornal Valor, hoje, de Fernando Luiz Abrucio, intitulado “O Poder desmedido das paixões políticas”, e trata um pouco desse clima exacerbado de denúncias. Faço questão, Senador Paulo Paim, para corroborar com o seu aparte, de ler um trecho:

O problema é que as acusações aumentam e se expandem para todos os lados, mas as investigações perdem cada vez mais qualidade.

Obviamente que esta enxurrada de denúncias deve ser investigada. Mas fica cada vez mais evidente a dificuldades para o Congresso realizar um processo investigatório minimamente isento de brigas políticas.

O outro artigo que peço que seja transcrito na íntegra é de Mauro Santayana. Foi publicado no Jornal do Brasil de hoje e é intitulado “Harry Potter em Havana”. Menciona fatos muito contundentes. Vou ler alguns trechos que considerei mais relevantes.

Apurar todos os fatos, investigar tanto o PT quanto o PFL (outra revista levanta suspeitas de corrupção grossa na Bahia), tanto o PL quanto o PSDB, e levar os culpados aos tribunais é dever do Ministério Público e do Congresso, como é urgente acabar com o financiamento privado das eleições. Mas agravar ainda mais a crise política é um alto risco para todos, e não só para os que se encontram sitiados no governo. Os radicais do PFL e do PSDB (e alguns radicais do PT também, que estão perdendo o prumo da serenidade) não têm noção do que pode vir a ocorrer no país. Essa orquestração - que já vimos em 1950,1954, 1955, 1961 e 1964 - só nós trouxe descalabros, além de 21 anos de regime militar e de atraso político. Não conseguimos, ainda, recuperar o senso do governo civil, que nos manda corrigir, com os votos de hoje, os votos equivocados de ontem. Esse senso de governo civil é aquele que identifica o que é necessário e o que é possível, e que - sem prejuízo das divergências criadoras, nem do confronto ácido das idéias - procura manter a disputa pelo poder dentro das normas do respeito ético. A experiência demonstra que todos os que atearam incêndios em nosso passado político não tiveram lucro com as cinzas.

Para terminar, Sr. Presidente, eu só queria dizer o seguinte: é óbvio que o clima da eleição já está posto. Isso aqui é clima eleitoral antecipado de 2006. Agora, se é clima eleitoral antecipado, vamos todos cumprir com o nosso dever e investigar tudo o que for necessário com a devida seriedade.

Entretanto, há algo que nenhum de nós tem o direito de fazer: tirar do povo o direito de escolher quem vai governá-lo a partir de janeiro de 2007. E o povo vai decidir isso na urna, em outubro de 2006. Portanto, não queiram tirar do povo um direito inalienável, inclusive se decidir reeleger o Presidente Lula, caso Sua Excelência se candidate à reeleição. É ao povo que cabe essa decisão.

Portanto, Sr. Presidente, gostaria de, mais uma vez, solicitar que sejam dados como lidos na íntegra os dois artigos, que considerei extremamente pertinentes para o momento aguçado da crise política que voltamos a viver no Senado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2005 - Página 37707