Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a defesa da dignidade, da cidadania e da vida.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexões sobre a defesa da dignidade, da cidadania e da vida.
Aparteantes
Mão Santa, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2005 - Página 38453
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • GRAVIDADE, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, BRASIL, FALTA, GARANTIA, SEGURANÇA PUBLICA, CRESCIMENTO, VIOLENCIA.
  • ANALISE, FALTA, EXPECTATIVA, POPULAÇÃO CARENTE, VITIMA, MISERIA, CRIME, EXPLORAÇÃO, CRITICA, TELEVISÃO, DESVALORIZAÇÃO, ETICA.
  • DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO, MULHER, CONDENAÇÃO, PRIORIDADE, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como integrante da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, eu gostaria de refletir a respeito dessa questão fundamental que diz diretamente respeito à defesa da dignidade, da cidadania e da vida.

Caminhamos os primeiros passos no século XXI. Mas ainda o Brasil está muito longe de cumprir - ainda que parcialmente - a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.

O contexto daquela histórica Declaração era o pós-guerra e a tentativa de estabelecer princípios universais que evitassem novas atrocidades contra a pessoa humana. Decorridos quase 57 anos, a guerra tornou-se rotina entre as Nações, com o agravante do advento do terrorismo, sobre o qual não se pode ter controle algum.

No Brasil, essa guerra não é reconhecida oficialmente, mas ela está todos os dias a atormentar os brasileiros que vivem o pânico das ruas de centros urbanos, com suas gangues e criminosos à solta: fazem o que bem querem e têm o medo geral da população como aliado. Se por acaso acabam presos, não demoram muito tempo atrás das grades. Aquele direito elementar à segurança pública e à proteção por parte do Estado - uma das pilastras da Declaração Universal - é, aqui em nosso País, simplesmente o mais desrespeitado.

Eu diria que, quando não se possui o direito primário da preservação da integridade física, então não se possui direito algum. Banaliza-se a vida no Brasil de uma maneira terrível, chocante, bárbara. Assaltantes de revólver em punho assassinam por míseros R$10,00, como aconteceu há pouco em Goiânia, minha cidade. Um simples descuido de trânsito, e quem se sentiu atingido pode sacar de uma arma e matar. Pais e mães de família perdem noites de sono quando seus filhos saem às festas para se divertir, porque não sabem se os terão de volta.

O desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana faz com que o brasileiro seja moldado num padrão psicológico dissociado da paz. A tensão e a incerteza sobre o dia seguinte nos tornam, a cada dia, mais tristes e deprimidos. E essa carga dobra de peso quando nos reportamos à multidão de desempregados ou trabalhadores que precisam se virar com os R$300,00 de salário mínimo. São vidas de sacrifício, vidas de dor, que somente não se entregam ao desânimo porque Deus, de fato, destinou aos brasileiros um ardente espírito de esperança que a tudo resiste. São famílias cujos membros se entregam ao alcoolismo; jovens sem perspectivas que, no entanto, encontram guarida nas drogas; adolescentes e até mesmo meninas que, ainda na flor da infância, se vendem ao primeiro dinheiro da prostituição; idosos que sofrem o abandono dos filhos e da própria sociedade.

Quando se instituiu o direito à solidariedade, com certeza pensava-se nesses homens e mulheres, crianças e jovens que, em gerações diferentes, se tornaram vítimas de um sistema opressor, um sistema cujas autoridades despreparadas, em momento algum, se preocuparam em difundir um conjunto positivo de valores que, pelo menos, amenizasse a propagação de tantos males que ferem a alma nacional.

Dessa forma, a televisão avançou poderosa e firme na difusão de coisas fúteis e sórdidas, coisas miúdas e banais, sentimentos que pareciam despretensiosos, mas que hoje se revelam fatais: a busca da fama a qualquer preço, o egoísmo, o desprezo aos valores familiares, a erotização das relações humanas, a sutil propaganda de vícios e a expressão mesmo de conteúdos vazios que desprezam a cultura, a educação, os valores espirituais e, sobretudo, se menospreza o saber.

A propaganda oficial de sucessivos Governos esforçou-se por apresentar o Brasil enquanto sinônimo de uma “democracia multirracial”, mas o que se vê na prática é a discriminação desmedida de afro-descendentes e pardos, que, além do desprezo social, são mantidos fora dos círculos do poder.

A verdade é que, em seu inconsciente, o Brasil, em nenhum momento, abdicou de um racismo estrutural profundo - cuja origem é a formação histórica e cultural.

Vítimas principais da violência urbana, os nossos afro-descendentes e pardos representam 44% da população brasileira e 77% da população nordestina. Mas a rara presença de integrantes destas comunidades nos centros de decisão do País é o claro indicador de que está na hora de mudar radicalmente as mentalidades e cumprir justamente o princípio número um da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que reza: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Na realidade, Sr. Presidente, a luta por uma sociedade mais justa e digna se choca com o imenso Brasil dos sem-teto, sem-água, sem-ensino, sem-trabalho, sem-terra, sem-comida, sem-saúde e, o que é pior, sem-amor.

A Constituição brasileira de 1988 é a mais ampla Carta de direitos de toda a nossa história, mas, na prática, os seus princípios não são aplicados. Em 1997, o Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, mas pergunto: qual é o peso dela nessa estrutura de poder, Senador Paulo Paim? Praticamente nenhum. V. Exª é o vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que consideramos a Comissão principal. Por isso, neste discurso, eu me reporto a esses princípios.

O Brasil é a oitava economia mundial, é uma das maiores potências industriais, possui a quinta população do Planeta, é um país eminentemente urbano, com 77% dos moradores vivendo em cidades. Mas persistem crianças e adolescentes que amargam a dor na rua, como também em casa e na família, onde estão sujeitas à violência doméstica e sexual. E há o drama dos meninos e meninas, jovens em situação de rua que praticam pequenos furtos ou que acabam sendo usados pelo tráfico de drogas, quando não são mortos pelos grupos de extermínio. Neste Brasil real, de que vale o Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990?

Vejam, também, que a Constituição de 1988 que fez avançar a situação jurídica das mulheres no Brasil e reconheceu a igualdade com os homens. Mas o rendimento médio por hora trabalhada dos homens é 29,2% superior ao do segmento feminino. Como se não bastasse, Srªs. e Srs. Senadores, apenas 25% das mulheres que atuam nos lares têm carteira assinada. As outras 75% vivem à margem dos direitos trabalhistas e dos benefícios da Previdência. O sacrifício é ainda maior porque cerca de 30% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres que ganham pouco mais do que o salário mínimo, Senador Mão Santa, a quem concedo um aparte, com o maior prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Iris de Araújo, o País todo ouve V. Exª atentamente, encantado com sua presença na televisão e sua voz na Rádio Senado. V. Exª traduz, ainda, o surgimento de uma esperança na política, que está podre. Está tudo podre: o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas a mulher sempre representou a esperança, a mulher bíblica. No maior drama da humanidade, todos os homens falharam: Anás, Caifás, Pedro, José. Restaram apenas as mulheres: a de Pilatos, Verônica, as três Marias... Na política brasileira, uma mulher, em poucos instantes, escreveu a mais bela página que permitiu que Paulo Paim estivesse aqui como Senador. A Princesa Isabel, em poucos instantes, decretou a libertação dos escravos. Meu Partido errou. V. Exª foi candidata a vice-Presidente da República, em 1994. Deveria ter sido candidata a Presidente. V. Exª, com sua inteligência, beleza e pureza, com certeza, teria vencido as eleições. Mas há uma esperança, a ressurreição das virtudes das mulheres, que vai salvar esta política porca e imunda que se instalou no Brasil.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Respondendo pelas mulheres, com um passo de cada vez, chegaremos lá, Senador Mão Santa.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Iris de Araújo?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Pois não, Senador Paulo Paim, com o maior prazer.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Iris de Araújo, em primeiro lugar, cumprimento o Senador Papaléo Paes pela tolerância que teve comigo, na tribuna, e pelo compromisso de S. Exª também com a questão social. Senadora, eu falava de um tema semelhante ao que V. Exª aborda. Eu a cumprimento porque, como mulher, creio que, mais do que ninguém, V. Exª tem autoridade para vir à tribuna do Senado da República e falar dos preconceitos. V. Exª abordou rapidamente a situação dos afro-descendentes, de nossas crianças, tão maltratadas, tão humilhadas, tão machucadas, e falou da discriminação contra as mulheres. Confesso a V. Exª que, quando fui candidato ao Senado, diziam-me que eu tinha que vir para cá a fim de defender os interesses econômicos do Estado. Disse que assim o faria, assim como todos, mas não abri mão de vir para cá com o viés no social. Entendo que essa também é a sua linha de atuação. Por isso, gostaria de cumprimentá-la.

(Interrupção do som.)

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Cumprimento V. Exª, que, como ninguém, consegue trazer sensibilidade à tribuna do Senado da República. Ou seja, o social tem que estar em primeiro lugar. E o combate às discriminações é uma maneira inteligente e competente de melhorar a qualidade de vida de todo o nosso povo. Meus cumprimentos e parabéns a V.Exª.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço ao nobre Senador a oportunidade do aparte, que engrandece o meu discurso. Ao mesmo tempo, Senador Paulo Paim, gostaria de colocar - se me permite o Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, penso que já extrapolei um pouquinho - que V. Exª, em sua fala, disse que veio ao Senado para defender os interesses econômicos de seu Estado. Concordo com toda essa política econômica, traduzida em números que são demonstrados à população, que, na sua grande maioria, muitas vezes não entende exatamente o significado dessa política que diz respeito ao combate às discriminações, à pobreza, ao problema social que o País vive. Se não existissem esses problemas sociais tão latentes, tão conflitantes, que fragilizam a Nação, certamente precisaríamos menos dos economistas. Portanto, uma situação diz respeito a outra. Elas estão interligadas e se completam.

            Ao concluir, gostaria de dizer que é claro que já passou da hora de reagir, mas ainda há tempo de remediar, soltar o grito contra a opressão e iniciar de fato um novo conceito de sociedade, que tenha por princípios o respeito à sua dignidade.

(Interrupção do som.)

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PDMB - GO) - Sr. Presidente, peço mais um tempo a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Concedo-lhe mais uns minutos.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Obrigada, Senador.

Penso que a Comissão mais importante do Congresso Nacional deveria ser justamente a que trata dos Direitos Humanos. Por que, então, não torná-la assim e começar uma grande maratona, Senador Paulo Paim - em certa ocasião, tive a oportunidade de trocar idéias com V. Exª a esse respeito -, para proteger a tantos que se sentem agredidos e discriminados?

Essa deveria ser a nossa luta e o nosso esforço central, mas somos engolidos pelo mensalão, pelos dólares de Cuba, e ainda temos de debater a visita do Presidente Bush, com seus desafetos, Chávez e Maradona. Enquanto isso, os brasileiros permanecem contidos na sua dor. Só esperamos que, um dia, toda essa carga não resulte em explosões incontidas, como as que se verificam agora na selvageria das ruas da então romântica Paris.

É hora de planejar a verdadeira paz. Tudo começa pela defesa irrestrita e inegociável dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada, Sr. Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2005 - Página 38453