Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a entrevista do presidente Lula ao programa "Roda Viva". Considerações sobre as investigações em curso nas CPMIs.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Comentários sobre a entrevista do presidente Lula ao programa "Roda Viva". Considerações sobre as investigações em curso nas CPMIs.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2005 - Página 38458
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • ELOGIO, ENTREVISTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EXPOSIÇÃO, DIFICULDADE, GOVERNO FEDERAL, COMPROMISSO, APOIO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL.
  • DEFESA, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PREVENÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • REGISTRO, CORRUPÇÃO, EMPRESA DE PUBLICIDADE, ANTERIORIDADE, GOVERNO, EXPECTATIVA, COMPLEMENTAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), ORIGEM, RECURSOS, BANCO DO BRASIL, COMENTARIO, NOTA OFICIAL, ESCLARECIMENTOS, BANCO OFICIAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Senador Romeu Tuma, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar, a entrevista do Presidente da República no milésimo programa do Roda Viva foi, efetivamente, muito positiva. Talvez, por isso, a reação de determinadas personalidades seja a que terminamos de apreciar. O Presidente foi firme, respondeu a todas as questões, assumiu suas responsabilidades, assumiu as dificuldades que tem ao governar um país com a complexidade do Brasil, e, como tive oportunidade de dizer a algumas pessoas que me perguntaram sobre minha avaliação, quando o Presidente da República se dispõe a falar de alma aberta, é de que ele passa exatamente este sentimento de alguém que tem uma alma exposta, explícita e disposta, colocada à disposição para todos os que queiram avaliar. Ele é uma das pessoas que eu identifico como tendo a alma no rosto. De todas as questões feitas - inclusive foram apertadas e espremidas em alguns momentos da entrevista -, o próprio Presidente deixa entrever, de forma muito concreta, as dificuldades que são muito antigas e que, infelizmente, impregnam a máquina pública brasileira há muitas décadas - e eu diria até há séculos. Portanto, eu acho que é dentro deste contexto que nós temos que avaliar a entrevista do Presidente: como ele respondeu, como ele se comportou e a importância que tem, neste momento político, o Presidente estar nessa disposição de se colocar a público, da forma como o fez.

Espremido sobre várias questões, o Presidente apresentou algo muito pronto e muito firme: só as investigações podem, efetivamente, comprovar o que quer que esteja sendo levantado, anunciado, denunciado e que, portanto, a responsabilidade dele, como Presidente, é a responsabilidade de colocar todos os instrumentos à disposição, para que as investigações possam fluir, e tomar as providências, como ele mesmo anunciou, com o afastamento de aproximadamente cinqüenta funcionários públicos, inclusive Ministros do seu Governo, e só das provas, efetivamente, possamos ter as conclusões e os julgamentos e as condenações.

Eu gostaria até de complementar um pouco. Além da responsabilidade da investigação, não somente o Presidente da República, mas principalmente nós, Parlamento brasileiro, temos também a responsabilidade de fazer alterações profundas nos mecanismos de fiscalização, na legislação e buscarmos, desta crise toda, alterar a estrutura da máquina púbica visando exatamente tampar os buracos, impedir esse ralo da corrupção, que vai mudando: quando se tampa um, aparece o outro. Aliás, quanto a essa história de tampa um, aparece o outro, foi bastante elucidativa a coluna da Tereza Cruvinel de ontem, que abordou a questão da mudança, da maneira de agir dos corruptores, ou seja, da busca incessante de desviar recursos públicos que, no primeiro momento, tinham nas empreiteiras uma das grandes fontes do exercício da corrupção e do desvio. Depois, vem se desenhando, já no último período, as empresas de publicidade como as substitutas das empreiteiras.

Eu, que estou participando da CPI, posso perceber essa mudança da maneira de operar, os indícios fortes de que as empresas de publicidade podem estar efetivamente, sim, se prestando a ser esse novo canal dentro das relações do público e do privado, nesta relação promíscua de desvio entre esses dois setores.

Eu queria até trazer alguns elementos que considero importantes para termos esse aprofundamento. Tive oportunidade, no depoimento do Sr. Cristiano Melo Paz, sócio das empresas do Sr. Marcos Valério, de fazer alguns levantamentos. Já tivemos acesso aos documentos de um processo que o Ministério Público Federal abriu no ano de 2002. Depois, uma ação foi encaminhada pela própria Fundacentro, no ano de 2001, a respeito de licitação na Fundacentro, de 1996. Estão colocadas todas as questões que estamos avaliando, esta maneira promíscua de trabalhar das agências de publicidade que vem se desenhando como um dos possíveis ralos entre o público e o privado.

A aço civil pública foi feita pelo Ministério Público Federal contra o Srs. Cristiano de Melo Paes, sócio do Marcos Valério; a SMPB de São Paulo; a Quality Comunicação; o Sr. José Carlos Castilla Crozera, que foi assessor de comunicação da Fundacentro; o Sr. Marco Antonio Seabra, que também foi diretor administrativo e financeiro da Fundacentro; e o Sr. Humberto Carlos Parro, que foi presidente da Fundacentro, exatamente no período em que ocorreu essa licitação, esse contrato e essa execução.

As coisas são gravíssimas. A acusação é de improbidade administrativa, enriquecimento ilícito, lesão ao Erário, atentado contra os princípios da administração pública. Os valores são assustadores, tanto que a causa tem um valor de R$25 milhões. Vão desde superfaturamento, procedimentos de execução de trabalhos muito além do que estava previsto, até falsificação de documentos, falsificação de notas. Ou seja, todos os procedimentos que estão aqui expostos vão fazer com que, aprofundando-se a investigação na CPMI dos Correios, que está investigando o “valerioduto”, tenhamos muitos elementos para averiguar os procedimentos das empresas do Marcos Valério, a partir do estudo aprofundado, inclusive, da convocação desses atores e da quebra de sigilo desses documentos.

Na mesma linha, a revista Carta Capital publicou, na semana passada, uma reportagem, que tive a oportunidade de citar aqui, tratando também de algo assemelhado, ocorrido em uma empresa na Bahia, a Bahiatursa, em que o Sr. Pedro Lino, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, levanta procedimentos também muito assemelhados, muito próximos, como o fato de colocar a maior parte dos recursos, R$101 milhões, dos quais R$48 milhões foram destinados a uma única empresa de publicidade, a Propeg. O próprio relatório indica que, em outras formas de procedimento, como repasses para oficina de artes, relacionamento com ONGs, também houve irregularidades, causando prejuízos inexplicáveis. Estão aqui os elementos.

Agora, na CPMI dos Correios, estamos tratando também de algo que teve muita polêmica e veio a público, como a descoberta da fonte do “valerioduto”. Eu acho que temos que aprofundar essa investigação. Inclusive estou lamentando que não tenhamos tido reunião administrativa, porque eu queria apresentar uma série de procedimentos para aprofundar a investigação sobre essa questão, que foi apresentada na semana passada.

Há contradições, inclusive a respeito de como foi apresentada essa vinculação, meio linear: Visanet, uma empresa privada, da qual participam várias instituições, como o Banco do Brasil, o Bradesco, o ABN-Amro e outras empresas; dinheiro da Visanet saindo para a DNA; depois, aplicação financeira; depois, por coincidência de data, um empréstimo da empresa do Sr. Tolentino que iria para o PT. Fizeram uma ligação linear e a conclusão foi que o recurso era do Banco do Brasil.

            Então, precisamos aprofundar essa investigação, cotejando-a com as investigações dos outros tipos de procedimento que eu trouxe aqui, dessa nova modalidade que as empresas de publicidade estão apresentando no cenário da questão da corrupção.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

E queria levantar, Senador Tuma, se V. Exª me permitisse um pouquinho, que a nota do Banco do Brasil é muito esclarecedora sob alguns aspectos. Sob outros, ela abre espaço para que possamos aprofundar a discussão.

A primeira questão é a dos adiantamentos. Uma das questões levantadas é que o adiantamento para a Visanet fazer os procedimentos era algo ilegal e incomum. A nota do Banco do Brasil diz que a prática de adiantamento dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet ocorre desde 2001, quando esse fundo foi criado. Portanto, desde que começou a funcionar, a prática de antecipar já acontecia, e não como foi divulgado, ou seja, a partir de 2003.

Entretanto, a auditoria interna realizada em 2004 constatou que tal prática poderia propiciar falhas processuais e vulnerabilidade de controle. Daí a razão para que essas transferências fossem interrompidas a partir de setembro de 2004, muito antes do escândalo que estamos investigando agora. Ou seja, um procedimento que já vinha acontecendo desde 2001 foi interrompido, por uma auditoria, em setembro de 2004, para que essas transferências, essas antecipações, não fossem mais feitas.

Agora, na nota do Banco do Brasil, há algo, porque foi vinculada à história dos 10 milhões. Houve 10 milhões de empréstimo na linha final do arrazoado apresentado pelo Relator Osmar Serraglio e corroborada pelo Deputado Eduardo Paes, no sentido de que havia 9,2 milhões - valor equivalente praticamente ao tal do dito empréstimo que estão tentando vincular - que não estão justificados, não estão apresentados. E a nota do Banco do Brasil especifica que, desses 9,2 milhões, apenas 1,3 milhão, como saldo do adiantamento, está sem destinação, porque 4,9 milhões são de serviços executados com notas fiscais emitidas e cuja conciliação bancária não pôde ser feita, porque a documentação da DNA foi apreendida pela Polícia Federal. E há 2,8 milhões relativos à realização de 66 ações que ainda estão pendentes de pagamento ou de acerto, ou seja, que estão em andamento. Portanto, o que está em aberto, para ser efetivamente justificado dos 9,2 milhões, é 1,3 milhão.

Então, como não tivemos a reunião administrativa, eu ia propor ao sub-Relator, Deputado Fruet, que pudéssemos, já que a documentação pelo menos desses 4,9 milhões está apreendida pela Polícia Federal, fazer a diligência para que pudéssemos verificar se essas notas fiscais justificando o pagamento de 4,9 milhões, que é mais da metade do tal dos recursos ainda não justificados, pudessem justificá-los até para que não paire nenhuma dúvida de que essa situação tenha qualquer indício de irregularidade e para que, se houver irregularidade, possamos punir.

Por isso, Sr. Presidente, acho que todo esse debate que temos feito atualmente no sentido de investigar, de apurar, tem que ser feito com toda responsabilidade. O próprio Presidente levantou ontem de forma muito firme na entrevista: que se investigue, que se apure, que se puna. Agora, isso só pode ser feito a partir de provas concretas.

É por isso que nenhuma ilação pode ser exarada antes da conclusão da investigação. Nos casos da Visanet, Banco do Brasil, DNA, empréstimo do PT, antes de fazer a investigação desses recursos cujas notas fiscais podem existir efetivamente, não podemos tirar nenhum conclusão.

Gostaria de concluir, Sr. Presidente, pedindo desculpas por ter passado da hora, dizendo que, além de toda essa investigação e punição, Senador Mozarildo, temos que pensar seriamente como é que vamos inibir esse cenário que começa a se desenhar por várias situações, algumas em fase de processo, como é o caso da Fundacentro e da SMP&B, em São Paulo; como é o caso da Bahiatursa, do Tribunal de Contas do Estado; como é agora a questão que estamos investigando das empresas de publicidade do Marcos Valério na CPI dos Correios. O que vamos fazer em termos de mudança na legislação e na estrutura de controle do Estado para impedir que esse tipo de situação se repita à exaustão, com tanto prejuízo para os cofres públicos?

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2005 - Página 38458