Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Herbert de Souza, o Betinho, que faria 70 anos no dia 3 de novembro passado.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Herbert de Souza, o Betinho, que faria 70 anos no dia 3 de novembro passado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2005 - Página 39150
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, PROFESSOR, FUNDAÇÃO, ENTIDADE, APOIO, PROGRAMA DE GOVERNO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTICIPAÇÃO, RESISTENCIA, DITADURA, REGIME MILITAR, SIMBOLO, ANISTIA, RETORNO, EXILIO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • CUMPRIMENTO, PROGRAMA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, HISTORIA, VIDA PUBLICA, SOCIOLOGO, PORTADOR, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), FUNDADOR, ENTIDADE, DEFESA, DIREITOS, PESSOAS, VITIMA, DOENÇA.
  • REGISTRO, HISTORIA, ATUAÇÃO, SOCIOLOGO, ARTICULAÇÃO, ENTIDADE, NATUREZA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, CAMPANHA, CIDADANIA, COMBATE, MISERIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidenta, Senadora Ana Júlia Carepa, Srs. Senadores, se estivesse vivo, teria feito setenta anos na semana passada, no dia 3. Estou falando de Herbet José de Souza, o Betinho, o grande brasileiro que tinha na solidariedade a sua marca. Mesmo assim, esta é uma data que marca apenas o tempo físico, pois Betinho estará presente em todos os momentos da vida brasileira. Já faz parte da nossa história.

Ontem mesmo, a Globonews dedicou o Programa “Arquivo N“ ao Betinho e à sua trajetória de vida. Parabenizo os editores do programa, que mostraram a histórica volta de Betinho ao Brasil, com a anistia de 1979, depois de anos de exílio. O Brasil que, naquela época, sonhava “com a volta do irmão do Henfil e tanta gente que partiu num rabo de foguete”, como diz a música de João Bosco, ficava mais alegre.

Betinho havia se tornado a figura-símbolo da anistia, que permitia a volta dos exilados e a liberdade dos presos políticos. O genial irmão Henfil resumiu assim aquele dia: “Ele voltou para comer o feijão-com-arroz e torresmim. E para lutar para que todo mundo tenha pelo menos o feijão-com-arroz e a misturim”.

Foi o que ele fez, confirmando todo o seu passado dedicado a melhorar a condição humana - dos brasileiros e dos outros povos que o acolheram no exílio. Betinho nunca parou.

Filho de uma família grande, com oito irmãos, aprendeu desde cedo a dividir o que tinha. Formado em Sociologia e Política e também em Administração Pública pela Universidade de Minas Gerais, em 1962, Betinho logo colocou em prática o que aprendeu. Foi coordenador e assessor do Ministério da Educação e Cultura e também da Superintendência da Reforma Agrária. Ao mesmo tempo, liderava a juventude católica, com todo o desejo de reforma social. Sempre se referia às decisões do Segundo Concílio Vaticano e seguia as orientações do Papa João XXIII. Na sua biografia, o escritor Otto Lara Rezende, outro mineiro, diz que “Betinho pedia tudo o que os comunistas pediam - e mais o céu também”.

Ainda em 1962, junto com o então Presidente da UNE, Duarte Pereira, com o Padre Alípio e o Padre Vaz, entre outros, Betinho fundou a Ação Popular, organização que defendia as reformas de base e apoiava o Governo João Goulart. Nessa época, também ajudou a fundar o Jornal Brasil Urgente, editado até o golpe militar de 1964.

Betinho não parou de querer o melhor para o Brasil. Atuou na resistência à ditadura do jeito que pôde. No início, “na legalidade” e, quando passou a ser perseguido pelos órgãos de repressão, na clandestinidade. Aí, foi para São Paulo, mais precisamente para a região do ABC, em São Bernardo, indo trabalhar nas fábricas com os operários. Nessa nova condição, além do trabalho político contra a ditadura, Betinho ainda encontrava tempo para dar aulas aos companheiros, ensinando-lhes a fazer jornais, a denunciar as injustiças e a refletir sobre sua vida de “peão”.

Era o professor. Mais tarde, declarou que a experiência lhe valeu muito, mas que os intelectuais tinham outro papel a desempenhar na resistência à ditadura, além de trabalhar junto aos operários nas fábricas. Ao mesmo tempo, passou a defender, junto com sua organização, a luta armada revolucionária como forma de combater a ditadura. Seu papel era o de pensador.

Em 1970, foi para o exílio. Inicialmente no Chile, após a eleição de Salvador Allende, de quem foi assessor. Deu também aulas na Faculdade de Ciências Sociais. Com o golpe do Chile e a derrubada de Allende, Betinho se asilou na Embaixada do Panamá. De lá seguiu para o México e para o Canadá. Exerceu inúmeras funções, entre as quais a de consultor para a FAO, organismo da ONU que cuida do direito à alimentação dos povos, além de professor na Universidade do México. No Canadá, dirigiu o Brazilian Studies, compilando dados sobre a realidade brasileira. Betinho não conseguia desligar-se do Brasil, principalmente dos brasileiros.

Mas o destino nem sempre é bom com os bons. Betinho, como seus irmãos Henfil e o Compositor Chico Mário, era hemofílico e passou a sofrer de Aids, adquirida numa das inúmeras transfusões de sangue que fazia para combater a hemofilia.

Como sabia transformar as adversidades em propostas positivas, Betinho fundou a ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids - em 1986, em defesa dos direitos das pessoas portadoras do vírus HIV. “O direito pleno à saúde é a defesa da dignidade humana”, dizia.

Com tantos problemas, que considerava desafios, Betinho era ainda o Coordenador Geral do Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas.

Nos movimentos sociais, articulou a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, em 1983; organizou o movimento Terra e Democracia, em 1990, e liderou, com outras personalidades, o Movimento pela Ética na Política, que culminou com o afastamento do Presidente Collor de Mello, em 1992.

Depois disso, ainda em 1992, passou a se dedicar à Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida. Lançou a campanha “Natal sem Fome”, que mobilizou todo o País e que ainda perdura. Transformou a campanha em movimento permanente, já que é preciso combater a fome todos os dias. Em 1993, uma pesquisa do Ibope deu-lhe a maior aprovação da sociedade que alguém já teve na história do Brasil: 95% dos brasileiros concordavam com suas ações. Betinho foi a personificação da luta pela vida, pelos valores morais da fraternidade e solidariedade. Reinventou, com isso, a palavra bondade, colocando-a na prática.

O Presidente Lula, hoje com os seus Programas Fome Zero e Bolsa Família, está na verdade procurando colocar em prática os instrumentos que correspondiam aos anseios de Betinho.

É preciso, claro, fazer muito mais. Em setembro de 1997, Betinho não resistiu. Ainda teve tempo de apresentar a candidatura do Rio para os jogos olímpicos de 2004 - que, infelizmente, não deu certo. Um ano antes de sua partida, participou do que considerava a maior homenagem a um brasileiro: foi a personagem central do enredo da escola de samba Império Serrano. O tema era “Verás que um filho teu não foge à luta”.

E quando alguém chamar por seu nome: Betinho!

Devemos todos responder: Betinho, você está presente. Estará sempre entre nós.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2005 - Página 39150