Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a entrevista concedida pelo presidente Lula ao programa Roda Viva, da TV Cultura.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a entrevista concedida pelo presidente Lula ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2005 - Página 39160
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, NEGLIGENCIA, CRISE, POLITICA NACIONAL, TENTATIVA, OCULTAÇÃO, CORRUPÇÃO, MEMBROS, GOVERNO, DESRESPEITO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA.
  • QUALIDADE, PRESIDENTE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BINGO, DECLARAÇÃO, GRAVIDADE, DOCUMENTO, COMPROVAÇÃO, CORRUPÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, OBSTACULO, INVESTIGAÇÃO, MORTE, EX PREFEITO, MUNICIPIO, SANTO ANDRE (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GRAVIDADE, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, FINANCIAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CAMPANHA ELEITORAL, BRASIL, AUSENCIA, ESCLARECIMENTOS, GOVERNO, ACUSAÇÃO, DESVIO, RECURSOS, BANCO DO BRASIL.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero iniciar este meu pronunciamento confessando que hesitei em abordar o tema que hoje aqui trago.

            E hesitei menos pelo tema em si e mais pela circunstância de já ter sido ontem minuciosamente analisado por lideranças de peso nesta Casa, como os Senadores Arthur Virgílio, Antonio Carlos Magalhães, José Agripino, José Jorge (meu líder), Alvaro Dias e Mão Santa.

Trata-se, ainda, da entrevista do Presidente Lula ao programa Roda Viva, que foi ao ar anteontem pela TV Cultura.

Acabei me decidindo por insistir no tema pela relevância que tem e pela perplexidade que causou à nação. Confesso-me ainda chocado com o que ouvi e me vejo freqüentemente a indagar a mim mesmo: será que ouvi mesmo o que penso ter ouvido?

Será que, depois de cinco meses de crise institucional, em que nada menos que três CPI’s e o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados recebem - e divulgam - volumes e volumes de relatórios e dossiês com denúncias diversas de corrupção envolvendo figuras de proa dos partidos da base governista, e dezenas e dezenas de testemunhas e acusados prestam depoimentos, confirmando a maior parte do que foi denunciado, será que faz sentido dizer que não há provas de corrupção contra o governo e a cúpula de seu partido?

Será que a renúncia de tantos parlamentares da base governista, acusados de envolvimento direto com o Mensalão, e a confirmação por parte do próprio Palácio do Planalto de que o Presidente Lula foi informado pelo menos cinco vezes da existência daquela prática, autorizam o Presidente da República a afirmar, com o maior descaro, perante seus entrevistadores e perante a nação, que o mensalão “é um folclore”.

Considero isso um ato lesivo à credibilidade da instituição Presidência da República. Um ato lesivo à credibilidade das instituições políticas do país.

Quer dizer, então, que a crise política é uma ficção inventada pela imprensa? Por que, então, aqueles parlamentares governistas renunciaram?

Se assim é, o Presidente deve chamá-los de volta e informá-los de que tudo não passou de um equívoco. Deve informar ao Conselho de Ética que os 16 parlamentares que lá estão sendo processados devem ser liberados, já que não há crise, não há mensalão, e tudo não passa de um delírio da imprensa e da oposição.

Deve renomear o deputado José Dirceu, ex-capitão de seu time, para a chefia da Casa Civil. Deve questionar judicialmente o funcionamento das três CPIs, já que não há o que investigar e tudo não passa de folclore.

            Eu mesmo, que presido a CPI dos Bingos, sinto-me impulsionado a consultar um psiquiatra, já que os documentos que recebi, os depoimentos que ouvi, insistem em mostrar um mar de lama, como jamais se viu na história deste país.

Leio uma revista como a Veja mostrar a rota do financiamento eleitoral de Cuba, detalhando informações, cruzando depoimentos, e fornecendo indícios gravíssimos de um delito eleitoral de alta magnitude - e a resposta do governo é simplesmente dizer que é mentira. E só.

O presidente diz que Cuba é um país pobre, que hoje recebe financiamentos do próprio governo brasileiro.

Não estaria aí outra evidência do financiamento denunciado? Não seria esse financiamento brasileiro um gesto de compensação ao apoio cubano?

O Brasil, afinal, é também um país pobre que não consegue financiar nem a si mesmo - e financia Cuba.

O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, que foi escolhido pela própria base do governo para exercer essa função, faz uma denúncia gravíssima, amplamente documentada, mostrando a rota de um desvio de verba no Banco do Brasil.

O deputado é um homem sério, ponderado. Não é um agitador ou um panfletário - e muito menos um oposicionista. Seu partido, o PMDB, integra a base governista. Portanto, uma denúncia sua está acima de qualquer suspeita - sobretudo uma denúncia documentada.

Diante dela, o Banco do Brasil limitou-se a dizer que não era verdadeira. Mas não explicou por que não era. Não disse por que antecipou o pagamento de R$35 milhões - vejam bem: não são R$35 mil; são R$35 milhões! - à empresa de Marcos Valério, a DNA Propaganda, por serviços não prestados.

Sabemos que a regra, a tradição, no serviço público brasileiro é atrasar pagamentos, não antecipá-los - muito menos em se tratando de quantia de tamanho vulto.

Pois bem, o então diretor de Marketing do Banco do Brasil, Dr. Henrique Pizzolato, ali posto pela cúpula do PT, autorizou a antecipação daquela cifra vultuosa, cujos serviços até o dia de hoje não foram prestados. O dinheiro vai para os cofres de Marcos Valério que dele retira a soma de R$10 milhões e a aplica no BMG.

Dias depois, o mesmo BMG transfere ao PT os mesmos R$10 milhões, em empréstimo sem lastro, inteiramente fora das normas bancárias. Ficou claro aí que havia uma conexão criminosa, que as CPIs já haviam detectado. O que faltava apurar - e a denúncia de Serraglio apurou - era exatamente a fonte do dinheiro.

E era uma estatal - no caso, o Banco do Brasil, confirmando mais uma das pistas fornecidas pelo ex-deputado Roberto Jefferson, em sua célebre entrevista à Folha de S.Paulo.

Diante da denúncia de Serraglio - documentada, repito -, o Banco do Brasil limitou-se a desmenti-la e a providenciar (vejam só a coincidência) o processo judicial para cobrar da DNA Propaganda a prestação do serviço pago antecipadamente.

Se isso não é confissão explícita de culpa, então eu não sou Senador.

Posto pelos seus entrevistadores diante dessa questão, o Presidente Lula, na entrevista ao Roda Viva, disse apenas: “O que temos aí são duas versões: a do relator e a do Banco do Brasil”. Engano, Sr. Presidente: não há versão alguma.

Há uma denúncia - consistente e documentada - do relator e uma defesa vazia da parte do Banco do Brasil, baseada apenas em negar, negar e negar. Uma defesa bem ao estilo Paulo Maluf, que nega tanto que chega a se convencer de que não praticou o delito. Pior: que o delito nem sequer existe. É um delírio dos acusadores.

Foi mais ou menos isso que as declarações do Presidente Lula passaram ao público: que a crise que aí está é um delírio da imprensa e da oposição.

Vejam só o que ele diz a respeito do assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André: que foi um crime comum e que todas as suspeitas levantadas não passam de perversa mistificação da imprensa e da oposição. Vejam só: já morreram nada menos que sete testemunhas em condições absolutamente suspeitas. Mortes em série, que reduzem as chances investigativas, configurando aquilo que, na linguagem dos criminosos, se chama de “queima de arquivo”.

Trata-se de pessoas cujo depoimento desmanchava a versão de “crime comum” e dava nitidez à conclusão de que a morte do prefeito tinha por trás a preservação de todo um esquema criminoso de arrecadação de recursos eleitorais para o PT.

Na CPI que presido, a dos Bingos, tivemos a oportunidade de ouvir os irmãos do prefeito Celso Daniel. Trata-se de pessoas sérias, respeitadas em seu ambiente profissional e familiar. Eles não se furtaram a uma acareação dolorosa com o secretário particular do Presidente Lula, o Sr. Gilberto Carvalho, confirmando e sustentando todas as acusações que fizeram desde o início, de que havia um esquema de corrupção na prefeitura, promovido pelo PT, para gerar o Caixa 2 eleitoral. E que Celso Daniel foi sacrificado em nome da preservação daquele esquema.

Penso que eles merecem ao menos o benefício da dúvida, que não se nega nem aos criminosos. Mas o Presidente Lula vem a público desqualificar os dois irmãos do prefeito e colocar em dúvida até a relação de amizade deles com o falecido prefeito. E o argumento usado - e repetido algumas vezes na entrevista - é dos mais inconsistentes.

Lula disse que conhecia Celso Daniel há mais de 20 anos e que jamais havia visto os irmãos com ele - o que provaria, segundo o seu raciocínio, que eles não eram próximos.

Ora, os irmãos do prefeito Celso Daniel não são políticos. Não participavam das atividades partidárias, que eram o ambiente em que Lula e Celso Daniel conviviam.

Quantos políticos e pessoas envolvidas no ambiente político com quem convivo há décadas não conhecem meus irmãos, ou meus pais, ou meus filhos? Muitos, asseguro. Nem por isso significa que não estou próximo desses meus familiares. Portanto, esse é um argumento absolutamente vazio.

É claro que o presidente sabe disso. É um homem inteligente. Por que, então, depreciar a família do prefeito assassinado; por que depreciar seus irmãos, homens de bem, íntegros e sofridos com a tragédia do irmão?

Percebe-se aí uma tentativa desesperada de encobrir um ato que deixa mal o seu partido, o PT, e gente influente de seu staff.

Outro gesto de pouca grandeza é a tentativa de reduzir as denúncias a um gesto tresloucado do tesoureiro petista Delúbio Soares, quando se sabe que Delúbio foi ali colocado pelo próprio Lula. E que nada mais era que um fiel cumpridor de ordens.

Foi o próprio José Dirceu quem disse - e a imprensa publicou - que Delúbio não era criatura dele, Dirceu, mas do próprio Lula.

A propósito, circulou durante algum tempo na Internet uma foto curiosa, tirada no início do governo Lula, em que aparece o presidente, numa cerimônia pública, presidindo uma mesa de trabalho.

Enquanto outro integrante da mesa faz uso da palavra, a foto mostra Delúbio Soares, de cócoras, debaixo da mesa, segurando um cigarro acesso para o presidente dar umas tragadas longe do olhar do público.

Ora, jamais o presidente se permitiria uma cena dessas - que é mais que íntima: é promíscua - se não tivesse naquele personagem, Delúbio Soares, a mais alta confiança e proximidade.

Pois bem, é esse abnegado personagem que hoje, em silêncio, absorve a culpa ampla, geral e irrestrita por todos os males revelados pelas CPIs. Quem quiser que acredite. Eu não tenho condições de fazê-lo.

Se o fizesse, estaria traindo o mandato de Senador que a Paraíba me conferiu.

Encerro, Sr. Presidente, dizendo que teria muito mais a falar, mas, infelizmente, o tempo me impede. Deixo, porém, aqui minhas impressões, que certamente serão aprofundadas por outras lideranças.

            Perplexidade, tristeza e preocupação - sobretudo preocupação, S|r. Presidente -, resumem o sentimento que a entrevista me causou.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2005 - Página 39160