Discurso durante a 200ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a ausência de recursos orçamentários em 2005 para ações do Ministério da Educação e sobre a incompetência do governo federal na gestão da segurança pública.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a ausência de recursos orçamentários em 2005 para ações do Ministério da Educação e sobre a incompetência do governo federal na gestão da segurança pública.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2005 - Página 39443
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, ATUAÇÃO, EXECUTIVO, OBSTACULO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, CONGRESSO NACIONAL, REFERENCIA, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, DESCUMPRIMENTO, ORÇAMENTO.
  • REGISTRO, DIA, ALFABETIZAÇÃO, IMPORTANCIA, DEBATE, REITERAÇÃO, CRITICA, GASTOS PUBLICOS, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PRIORIDADE, PUBLICIDADE, ABANDONO, EDUCAÇÃO, ADULTO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, VINCULAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, GRAVIDADE, OCORRENCIA, HOMICIDIO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ACUSAÇÃO, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, SEGURANÇA PUBLICA, EXPECTATIVA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO, PROPOSTA, ALTERNATIVA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante vários dias, nos últimos quinze dias, além de tratar, quando necessário, evidentemente, a cada dia, de uma nova patifaria das denúncias de corrupção, tenho tratado de temas diretamente relacionados a uma das razões de existir do Congresso Nacional. Sabemos todos nós que a razão de existir do Congresso Nacional não está vinculada a esse amontoado de rituais cínicos, mentirosos e esnobes e às poses que alguns senadores e deputados fazem, porque sabemos que aqui há muita pose e pouca estatura moral.

Não se trata disso. Sabemos todos nós as razões de o Congresso Nacional existir. A do Senado, especialmente, é representar a Federação, coisa que nós também, efetivamente, com raríssimas exceções, fazemos. Além de legislar, o que temos dificuldade de fazer, porque o Governo adota a “legis pirataria” como conduta normal, pois são editadas medidas provisórias sem urgência e relevância, temos o dever de representar e fiscalizar.

Essa nobre tarefa de fiscalizar é algo que os governos fazem qualquer coisa para aniquilar. O Governo Fernando Henrique fazia, os anteriores a ele faziam e faz também o Governo Lula. Falo do Governo Fernando Henrique porque eu estava na liderança da Oposição ao seu governo. Fazem qualquer coisa para aniquilar a capacidade de o Congresso Nacional cumprir a sua tarefa nobre de fiscalizar os atos do Executivo.

Essa aniquilação começa por construir as chamadas “bases de bajulação” em nome da governabilidade, que de governabilidade nada tem, pois nada mais é do que patrocinar o triunfo de liquidar a capacidade de fiscalização do Congresso Nacional em duas áreas.

Uma delas é impedir que o Congresso Nacional fiscalize os atos do Poder Executivo naquilo que estão relacionados aos crimes contra a Administração Pública. Tudo que está no Código Penal - tráfico de influência, intermediação de interesse privado, exploração de prestígio, corrupção ativa e passiva - e que, no palavreado popular, significa vigarice política, demagogia eleitoralista, roubalheira, corrupção grosseira, caberia ao Congresso Nacional fiscalizar, como tarefa nobre, impedindo, assim, tais crimes contra a Administração Pública, garantindo que se cumprisse ao menos aquilo que foi encaminhado pelo Executivo, acordado e votado pelo Congresso Nacional.

É uma aberração. Hoje é o Dia da Alfabetização. Os “dias” são criados para se possibilitar o debate, para se analisar as políticas públicas que estão sendo viabilizadas, para se analisar se aquilo que foi conquistado na legislação está sendo cumprido, não por concessão das elites políticas e econômicas, não por concessão dos Legislativos ou dos Executivos, mas por uma conquista da sociedade. Então, esses “dias” criados são importantes para que possamos analisar o que vai sendo viabilizado.

O que é catastrófico é que, se analisarmos, por exemplo, o que o MEC gastou em relação ao dinheiro destinado à publicidade, veremos, para se ter uma idéia, que gastou 67% com publicidade e não desembolsou nenhum centavo no apoio à distribuição de material didático para o ensino de jovens e adultos. Ou seja, o Ministério da Educação não desembolsou nenhum centavo, nenhum real do que estava previsto no Orçamento, que o próprio Governo encaminhou e que o Congresso aprovou, para a distribuição de material didático para o ensino de jovens e adultos.

A capacitação de professores e a gestão do programa tiveram, até o atual mês, Senador Paulo Paim, execução zero. Zero! Não houve absolutamente nada! O repasse a projetos municipais voltados às crianças de até seis anos teve zero de execução orçamentária! A capacitação de profissionais que monitoram as políticas educacionais teve, até o momento, zero de execução orçamentária! E os projetos municipais voltados a crianças de até seis anos também tiveram zero de execução orçamentária!

Por que estou falando sobre isso? Sr. Presidente, Srs. Senadores, tive a oportunidade, nas últimas quatro sessões, de tratar da questão. Há mais de quinze dias venho tratando do orçamento na área da educação, na área da saúde, na área da assistência social, sendo que nos últimos cinco dias vinha tratando, nesta Casa, sempre da área da segurança pública.

Há uma vinculação direta com essas questões. Sei que não apenas em Maceió, mas em todos os Estados brasileiros a violência bate à nossa porta, de forma covarde e abominável; sei que os filhos da pobreza estão sendo assassinados todos os dias nas periferias de Maceió, do interior de Alagoas, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul ou de qualquer outro lugar deste País. Sei que as nossas crianças de seis anos de idade, até porque os governos não têm políticas para as crianças pequenininhas, acabam sendo tragadas pelo narcotráfico como último refúgio. Não é à toa que hoje as crianças escolhidas, justamente porque se escondem com mais facilidade, para se tornarem “olheiros” do narcotráfico, são justamente as crianças de 5, 6, 7, 8 anos de idade.

Há várias histórias de dor e sofrimento da juventude excluída, que passa a ser tragada pela marginalidade e pelo narcotráfico como último refúgio, matando jovens inocentes, que não são vinculados à violência.

Houve um caso muito grave em Maceió. Muitos que nos ouvem neste momento dirão que esses casos ocorrem todos os dias, envolvendo os filhos da pobreza e os filhos da classe média que estão sendo assassinados pela violência cotidiana.

O caso a que me refiro é do Guilherme, filho de dois queridos professores nossos da Universidade Federal de Alagoas: a professora Belmira, que dedica a sua história recente a discutir ações concretas para impedir a violência contra a mulher; e o nosso querido Otávio, cuja tese de doutorado, Senador Paim, foi justamente sobre a Tragédia da Modernidade e a Violência Vinculada à Pobreza e ao Capitalismo. Foram justamente essas duas pessoas, que dedicaram tantos anos da sua vivência na sociedade e na universidade buscando alternativa para combater a violência, buscando alternativa para minimizar a miséria e a pobreza, que são fonte maldita para a violência, que tiveram o seu filho mais novo, Guilherme, assassinado covardemente depois de uma tentativa de assalto. O menino Guilherme, filho mais novo desse casal, foi assassinado covardemente por um outro jovem cuja vida tirou tudo o que ele tinha. Friamente, esse jovem disse na televisão que matou porque fora impedido de realizar o assalto.

O Otávio e a Belmira, que dedicaram todos os anos da vida, como muitos de nós o fazemos - muitos de nós -, porque sabemos exatamente qual é a dor no nosso coração quando se põe em risco a vida de nosso filho. Se observo em qualquer lugar da rua uma criança pobre sendo agredida, sendo vítima da violência, já fico profundamente indignada, imaginem quando aquilo ocorre diretamente com o nosso filho. Se nós já sentimos a dor, no nosso coração de mãe, quando são os filhos da humanidade, os filhos da pobreza submetidos à violência, imagine quando ocorre na nossa própria casa.

Anteontem, sei que o Governador de Alagoas, a quem faço oposição, tentou fazer tudo para buscar as ações concretas em relação ao caso. Conversamos com representantes do Ministério da Justiça, que disponibilizou a Polícia Federal. O problema é que, quando estávamos todos envolvidos em encontrar o Guilherme, que até então entendíamos ter sido vítima de um seqüestro, ele já estava morto, covardemente assassinado, num quadro dramático. Quando lembramos o sorriso do menino e vemos a angústia dos seus pais, percebemos algo absolutamente lastimável, ficamos nos perguntando por quê.

É claro que existem os casos de agravos à saúde mental, existem os casos de violência relacionados à saúde mental que podem acometer todas as pessoas que passam a ser instrumentos da brutalidade. Mas, quando começamos a analisar quem foram esses jovens, quem são esses jovens excluídos que estão matando os outros jovens de bem, de bom coração, vemos que são jovens dos quais essa sociedade tirou tudo. Essa sociedade não deu o carinho, porque as famílias já estavam completamente desestruturadas; a sociedade capitalista, opressora, maldita, que não dá sequer uma possibilidade a criancinha de até seis anos. Como mostrei na execução orçamentária, ela não tem nada: não tem a creche, não tem o cuidado da pré-escola, é jogada na marginalidade, no banditismo, no narcotráfico como último refúgio; passa a vivenciar uma sociedade consumista em que só pode ser aceita diante do que tem. Então, ela perde tudo. A sociedade tirou tudo do jovem excluído, que vai para a marginalidade como último refúgio: a ternura do seu coração, a capacidade de se sensibilizar quando outro jovem inocente, de bom coração, pede piedade para que não seja assassinado. É esse o nosso tipo de sociedade.

Este Governo é imoral, tal qual o Governo anterior, mas não se podem justificar a corrupção, a incompetência e a insensibilidade do passado com a desonestidade, a incompetência e a insensibilidade do presente.

Senadora Iris de Araújo, V. Exª, inclusive, já falou do tema da violência. Eu já disse aqui, mas vou falar novamente - vou ficar falando todos os dias - da irresponsabilidade, da incompetência e da insensibilidade do Governo com a área de segurança pública não apenas porque mataram, infelizmente, mais um daqueles pobres meninos de bom coração, filho de dois professores de universidade, mas porque se matam todos os dias, em vários lugares do País.

Num país de dimensões continentais como o Brasil, o Governo estabelece, para o combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, como previsão orçamentária, apenas R$16 milhões, enquanto destina R$170 bilhões para “encher a pança” dos banqueiros e R$87 bilhões aumentar o superávit e também “encher a pança” dos banqueiros. Dos R$16 milhões que estavam previstos para o combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, executaram até este mês R$48 mil. Para o apoio à implantação de projetos de prevenção da violência no Brasil, que é essencial num País de dimensões continentais como o Brasil, estavam previstos na porcaria do Orçamento R$54 milhões. O Governo, até este mês, liberou zero - nem R$1,00 foi liberado.

Realmente, fica muito difícil ter paciência, ter serenidade com essas coisas. Fica muito difícil, porque a Belmira e o Otávio não são omissos, nunca foram omissos - volto a repetir. A Belmira, professora da Universidade Federal de Alagoas, dedicou a história recente da sua vida a propor alternativas concretas para o combate à violência contra a mulher; e o Otávio dedicou a sua tese de doutorado para tratar da tragédia da modernidade e da violência. Foi justamente seu filho que acabou sendo covardemente assassinado por um outro jovem, de quem a vida já havia tirado tudo. Quando ele respondia friamente na televisão o que fez com o pobre Guilherme, imaginei isto: um jovem excluído, filho da pobreza, de quem a sociedade tirou tudo - a sociedade não deu o carinho da infância, não deu a família, não deu a escola, não deu o lazer, não deu o emprego, não deu nada, tirou tudo. Quando se tira tudo de um jovem filho da pobreza, o que fica é apenas aquela possibilidade de ser tragado pela marginalidade, pelo narcotráfico como último refúgio.

Sei que o caso do Guilherme não é único. É por isso que, muitas vezes, quando vemos nossos filhos ameaçados de morte, viramos onça mesmo. É muito fácil quando é o filho do outro, é muito fácil quando quem está sendo assassinado é o filho do outro, distante, na televisão, é o filho da pobreza, na favela, é o filho da classe média, em um sinal, vítima de um assalto, alguém que foi seqüestrado e assassinado covardemente.

O problema da nossa sociedade é a banalização. Segundo Hannah Arendt, grande filósofa judia: a banalização do mal. O problema da nossa sociedade é a banalização da patifaria, da corrupção, da vigarice política, em que o banditismo político passa a ser tratado com uma normalidade abominável, “vomitável”. E a violência, todos os dias, tira a vida dos filhos da pobreza, atirando-os na marginalidade, como último refúgio. E eles, por sua vez, tiram a vida de outros jovens, de bom coração, que nada têm a ver; e acabam sendo duas vítimas da mesma sociedade perversa.

E não posso deixar de analisar a situação. Por que o Governo faz isso? O Governo Lula faz pelo mesmo motivo que o Governo Fernando Henrique fazia, porque é um faz-de-conta o Congresso Nacional, é uma belíssima estrutura arquitetônica, mas muitos rituais mentirosos, esnobes, cínicos, dissimulados.

Nesta segunda-feira, porque é véspera de feriado, podemos ver meia dúzia de Senadores aqui - os de sempre, os que vêm nas segundas e sextas-feiras -, porque ninguém está nem aí. Certamente estão por aí, nas praias, em viagens internacionais. Não estão nem aí para nada! E como o Governo sabe disso, e sabe também que conta com o esquecimento da sociedade, os Parlamentares sabem que contam com a dinheirama no processo eleitoral e que, portanto, conseguirão esconder também as omissões, as cumplicidades, comprarão páginas da imprensa e serão apresentados como se tivessem feito algo que efetivamente não fizeram. Não estão nem aí com a situação de dor, de sofrimento e de miséria por que passa a grande maioria da população.

Espero que seja instalada imediatamente a comissão destinada a propor alternativas concretas para a área de segurança pública, conforme aprovado na quinta-feira, para que, em 30 dias, o Senado possa apresentar à sociedade uma proposta concreta, ágil e eficaz, a ser inserida já na proposta orçamentária, a fim de que possamos tratar tanto dos temas que significam mudanças estruturais profundas para acolher as crianças pobres desde o início, evitando que se transformem em assassinas potenciais em conseqüência da exclusão social e da marginalidade e para que possamos, de fato, construir uma sociedade justa, igualitária, fraterna e solidária.

Sei que muitas vezes as palavras ficam só no protesto. Depois, nada acontece. E quando se aproxima o final do ano, começa a vigarice política. O Governo monta o balcão de negócios. Não estão nem aí. Nesta semana, o que o Governo fez foi uma pouca-vergonha. É por isso que o povo odeia político, Senadora Iris de Araújo e Senador Paulo Paim. É tanta vigarice política, tanta demagogia “eleitoralista”, e depois não acontece absolutamente nada. Nesta semana, o Governo está liberando dinheiro do mesmo jeito, uma nova forma de mensalão, um novo balcão de negócios sujos, por meio do qual distribui cargos, prestígio, liberação de emendas e poder para que as mercadorias parlamentares - Senadores ou Deputados - retirem seus nomes dos requerimentos de prorrogação de CPIs. E isso acontece como se fosse algo absolutamente normal. É a tragédia de uma sociedade que se quer moderna, que se quer civilizada, essa sociedade não pode aceitar a banalização da corrupção, da violência, da vigarice política como algo absolutamente inalterado na história do País.

Portanto, todos os dias, tratarei da questão da violência pública, como venho fazendo nos últimos dias, exigindo providências do Governo. Que o Governo, que libera bilhões para encher a pança dos banqueiros, para viabilizar os interesses dos parasitas sem pátria e dos gigolôs do Fundo Monetário Internacional, que libera dinheiro e implanta no Congresso Nacional um balcão de negócios sujos para distribuir cargos, prestígio e poder para os Senadores e Deputados, que aceitam que o Governo coloque uma etiqueta na testa dizendo qual é seu preço, que também libere recursos para as áreas essenciais a fim de minimizar a dor, a miséria, a pobreza e o sofrimento de milhões de pessoas espalhadas pelo nosso País.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2005 - Página 39443