Discurso durante a 202ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o debate econômico aprofundado ontem na Comissão de Assuntos Econômicos, com a presença do Ministro Palocci. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexão sobre o debate econômico aprofundado ontem na Comissão de Assuntos Econômicos, com a presença do Ministro Palocci. (como Líder)
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2005 - Página 39958
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, LIVRO, DIRETORIO ESTUDANTIL, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), COORDENAÇÃO, FILHO, ORADOR, DEBATE, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, DEBATE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, AVALIAÇÃO, EVOLUÇÃO, ECONOMIA, ELOGIO, QUALIDADE, DIALOGO, OPOSIÇÃO.
  • CRITICA, ENTREVISTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, RECONHECIMENTO, ERRO, GESTÃO, ESPECIFICAÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, COMPARAÇÃO, ORADOR, DADOS, ATUALIDADE.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero agradecer a menção de V. Exª. De fato, meu filho, Pedro, vai lançar um livro no dia 21 próximo, na USP, em São Paulo, onde ele estuda. Ele é um dos coordenadores do centro acadêmico, do qual também participei há 30 anos. Pelo centro acadêmico da USP, ele coordenou a elaboração de um livro que tem artigos de Delfim Netto, Carlos Lessa, José Roberto Mendonça de Barros e vários outros economistas; eu mesmo participei desse trabalho. É uma visão bastante plural sobre economia. Espero que ajude o debate sobre o desenvolvimento da economia brasileira.

Seguramente, faço questão de encaminhar a V. Exª um exemplar desse livro, pois V. Exª é um dos Senadores mais atentos à leitura. Sempre estamos trocando bibliografias. Espero que V. Exª goste. É o primeiro livro que meu filho lança. Ele está fazendo 20 anos de idade. Espero que ele siga esse caminho da reflexão intelectual, que é tão importante para o nosso País.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Conheço bem o pai de V. Exª, porque fiz curso na Escola Superior de Guerra com ele durante um ano. Conheço V. Exª pela convivência aqui. Agora, vendo o trabalho do seu filho, vejo que a genética se repete na perseverança, na inteligência, no discernimento. Parabéns para o seu filho, parabéns para V. Exª.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

De fato, V. Exª conviveu com meu pai na Escola Superior de Guerra, de que meu pai foi comandante. De qualquer forma, acho que não é pela genética. As pessoas, quando estudam, quando se dedicam e se empenham, podem crescer na vida. Espero que meus filhos, Mariana e Pedro, sigam esse caminho. Os dois estão concluindo seus cursos, ele na Universidade de São Paulo e ela na Pontifícia Universidade Católica. Que eles possam também contribuir para o engrandecimento do Brasil e deixar para seus filhos um país melhor do que o que herdamos de nossos pais.

Venho a esta tribuna, primeiro, para dizer que, ontem, na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, com a presença do Ministro Antonio Palocci, houve um debate econômico aprofundado. Lamento que a Oposição não tenha apresentado todas as questões que deveria.

O Ministro Palocci fez questão de responder a todas as perguntas e de apresentar, com transparência e disposição de dialogar, as realizações econômicas deste Governo. Foi um debate em que várias lideranças da Oposição reconheceram os avanços da política econômica. Uma coisa que aprendi desde cedo é que não devemos brigar com os fatos, sobretudo não devemos nos confrontar com os dados, especialmente quando se trata do debate econômico. Analisando a gestão recente da política econômica, veremos que, inegavelmente, houve evolução dos principais indicadores macroeconômicos, o que é muito positivo para o Brasil. Os analistas sérios reconhecem isso. Mesmo os Senadores da Oposição, os mais conceituados na área da economia, têm reconhecido isso publicamente no plenário, como o fizeram durante o debate de ontem.

No entanto, vejo agora uma entrevista do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que me chama a atenção por dois aspectos. Primeiro, por haver certo sectarismo na discussão. O Ministro Palocci, ontem, teve a gentileza de reconhecer aquilo que de meritório foi feito no passado. Falou, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do regime de metas de inflação e reconheceu que no Plano Real especialmente a forma de desindexação da economia por meio da URV foi uma contribuição importante ao País. Porém, o ex-Presidente não. Ele faz um ataque frontal ao Governo, à política econômica e diz: “Será preciso dizer, francamente, como escapar dessa armadilha econômica”, que ele diagnostica como “a relação entre taxa de câmbio, dívida interna elevada, taxa de juros altos e controle da inflação que nos condena a taxas de crescimento medíocres e desemprego estabilizado em níveis elevados”.

Pergunto se, de fato, essa é uma reflexão sincera, uma reflexão despojada, uma reflexão de quem realmente quer entender o que ocorreu na História recente do País e buscar um debate e um diálogo, com a generosidade e o reconhecimento que o Ministro Palocci ontem apresentou em relação ao passado. Acredito que não. Não apenas pelo sectarismo, mas principalmente por não reconhecer que quem governou o País por oito anos construiu uma armadilha para a taxa de câmbio, que foi a âncora cambial, nos primeiros quatro anos de Governo; armadilha que impôs uma deterioração sem precedentes nas contas externas. Quando o Governo de Fernando Henrique Cardoso se iniciou, havia um superávit comercial de US$10,5 bilhões. Houve, a partir de então, déficits sucessivos. Chegou a haver déficits comerciais de US$8,5 bilhões em 1998.

O financiamento da deterioração das contas externas foi sendo feito por meio das privatizações, da desnacionalização da economia e do financiamento do balanço de pagamento com juros elevadíssimos, que tiveram papel fundamental no crescimento da dívida interna, no crescimento da dívida pública.

Ora, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu uma dívida pública de R$67 bilhões em 1994 e entregou o País com uma dívida pública de R$670 bilhões oito anos depois. Portanto, o constrangimento da dívida interna, da taxa de câmbio e da taxa de juros tem origem especialmente neste período. Não só. É verdade que havia esqueletos financeiros e fiscais no Estado brasileiro que contribuíram para esse problema do endividamento, mas foi, sobretudo, a armadilha do câmbio e dos juros que impôs uma deterioração nas contas externas e nas contas públicas. O ex-Presidente disse que isso condena o País a taxas medíocres de crescimento. É verdade, mas ocorreu especialmente no período anterior, porque, no ano passado, houve a melhor taxa de crescimento do PIB dos últimos 10 anos - 4,9%. Neste ano, a taxa de crescimento está em torno de 3,5% do PIB e penso que o último trimestre do ano será muito bom, bem acima do que foi a média do Governo anterior, que foi 2,2%.

Portanto, essa armadilha veio, sobretudo, no primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso. Quando houve o ataque especulativo e a desvalorização do real, o balanço de pagamento começou a ser corrigido. Ontem eu disse que em oito anos do governo anterior o superávit comercial foi de quinhentos milhões de dólares. Em dois anos e dez meses, nosso superávit comercial foi de noventa e oito bilhões e meio de dólares.

Não tenho vindo a esta tribuna para ficar fazendo comparação. Tenho reconhecido aquilo que foi feito e bem feito no passado, como fez o Ministro Palocci ontem. Esse tipo de intervenção não tem o espírito de quem quer construir nem de quem quer dialogar; tem a marca do sectarismo, do rancor que, às vezes, não ajuda o diálogo na vida pública.

Em seguida ele diz “com a mesma franqueza, devemos alertar a sociedade para a crise fiscal que está sendo semeada pelo atual Governo”.

A crise fiscal está sendo semeada pelo atual Governo? A dívida pública que está aí não foi herdada por uma política cambial e monetária pela ancora cambial dos primeiros quatro anos e por uma política monetária de juros elevadíssimos que, como disse, aumentou a dívida pública mobiliária federal de R$67 bilhões para R$670 bilhões?

Não é verdade. Esse Governo avançou na reforma previdenciária, apresentou o projeto de reforma tributária, que o Senado ajudou a aperfeiçoar e que está paralisado na Câmara dos Deputados e basicamente a próxima etapa é a unificação do ICMS. É a simplificação, a desburocratização. Portanto, o superávit primário...

Ele diz ainda “por baixo dos superávits primários para impressionar o mercado financeiro”. O superávit primário não é para impressionar o mercado financeiro; o superávit primário - ontem, vários Senadores se manifestaram e elogiaram a necessidade de manutenção do superávit primário - é para diminuir o ritmo do endividamento que tínhamos e a dívida pública em relação ao produto interno bruto, que passou de 23% do PIB para 58% do PIB e agora caiu para 51,5% do PIB.

Estamos desendividando o Estado brasileiro. Para isso, é necessário austeridade e responsabilidade fiscal. Elogiamos algumas medidas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal - eu mesmo critiquei em vários aspectos quando foi promulgada -, mas reconheci sua necessidade, e hoje ela é indispensável à austeridade fiscal do País. Mas dizer que o superávit primário é para impressionar o mercado...? Quem governou por oito anos o País sabe que não podemos continuar nos endividando com a velocidade com que vínhamos nos endividando. A taxa de juros, quando ele terminou o governo, era de 27,5%. Hoje ainda é alta, mas já é de 18%. Estamos reduzindo os juros e o endividamento do Estado, mas o superávit primário é que permite esse movimento, é quem sustenta a redução da taxa de juros, é quem aprimora a qualidade do crédito público e quem reduz o endividamento interno. Portanto, eu não consigo aceitar essa manifestação. Eu acho que ela é irresponsável e não é sincera.

E mais: o ex-Presidente diz “custo da ultra-ortodoxia na política econômica”. Custo da ultra-ortodoxia? Ele fala em taxa de crescimento medíocre e ultra-ortodoxia. Mas como, se as taxas de crescimento são maiores que as do governo anterior? Fala de manutenção do desemprego alto, mas a taxa de desemprego está caindo e nós tivemos três milhões e seiscentos mil novos empregos neste Governo, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Houve uma mudança metodológica em 2002, é verdade. Mas, independente disso, o Caged apresenta uma taxa desemprego de 750 mil empregos durante os oito anos anteriores, e os indicadores mostram que não só houve uma retomada do crescimento, a melhor taxa de crescimento dos últimos dez anos, como também, mais do que isso, melhorou o nível de investimento da economia, o padrão de investimento da economia; e não só o emprego, como há uma recuperação do salário real. Demos um reajuste para o salário mínimo de 15% e uma correção da inflação de apenas 5,3%, que é o que temos acumulado nos últimos doze meses, provavelmente um índice de inflação de 5,5%. Isso é ganho real do salário.

A deflação da cesta básica em cinco meses é ganho real de salário. Oitenta e nove por cento das categorias tiveram seus salários reajustados acima da inflação, e isso não acontecia há nove anos.

Pergunto, portanto: Por que colocar dessa forma? Por que não procurar um diálogo mais construtivo, como fez o Ministro Palocci ontem? O diálogo de quem consegue reconhecer os avanços, de quem consegue reconhecer que meta de inflação, superávit primário, como diz o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, não é para impressionar o mercado financeiro. Superávit primário é uma exigência da crise das finanças públicas. Como dizer da armadilha da dívida interna, sem reconhecer o problema do endividamento do passado, a responsabilidade que teve sobre isso?

Eu sempre defendi o direito do ex-Presidente se manifestar. Acho que é democrático, é legítimo, mas também é democrático criticar essas manifestações. É legítimo e necessário, especialmente quando leio hoje esse tipo de manifestação, que não condiz com o espírito que o Ministro Palocci ontem, no depoimento na CAE, expressou: um espírito de reconhecimento de tudo que vem sendo construído no passado, inclusive no governo anterior, que ajudou a aprimorar a política econômica; o espírito de quem reconhece as dificuldades estruturais do Estado brasileiro como a crise da dívida pública e, evidentemente, busca soluções. O superávit primário é uma exigência para desendividar o Estado brasileiro.

O ex-Presidente ainda diz mais: “Por baixo do superávit primário para impressionar o mercado financeiro...”. É evidente que o superávit primário não é para impressionar o mercado financeiro. Ele é indispensável para reorganizar as finanças públicas do País. Ele diz: “... deixa o déficit da Previdência explodir”. Não é verdade!

Nós fizemos a reforma da Previdência pactuada entre todos os Partidos. O PSDB contribuiu para essa reforma previdenciária. O Senado Federal ajudou a aprimorá-la, para reduzir o déficit da Previdência, especialmente do setor público, para dar sustentabilidade. O próprio projeto da Integração das Receitas Federais era para tentar combater fraude na arrecadação da Previdência Social. É uma Medida Provisória para ser votada amanhã. É o esforço para melhorar a capacidade de fiscalização, para melhorar a sustentabilidade das finanças, especialmente da Previdência.

Mas não acho que possamos debater dessa forma as nossas divergências. Não pode! Quer dizer, colocar que o custo da ultra-ortodoxia, que o superávit é para impressionar o mercado, que nós estamos presos numa armadilha de baixo crescimento e responsabilizar o atual Governo? Não! Eu acho que o debate que nós fizemos ontem foi muito mais generoso, muito mais construtivo, muito mais verdadeiro, muito mais positivo do que essa reflexão, do que está sendo publicado hoje. Não vejo que essa intervenção seja para verdadeiramente identificar...

É evidente que o Estado brasileiro enfrenta, hoje, uma grave restrição fiscal e financeira. É evidente que ele enfrenta uma grave restrição fiscal e financeira, mas é uma restrição que já vem de um passado, eu diria, antigo, de uma história econômica antiga, mas que foi agravado no governo anterior. Agravado. As taxas de juros e o problema do câmbio foram muito mais graves no período anterior. Nós chegamos a ter taxas de juros de 45%. Tivemos âncora cambial por quatro anos.

Então eu quero conclui, parabenizando o Ministro Palocci pela humildade que demonstrou ontem, pela disposição de diálogo. Quero dizer também que as intervenções dos Senadores desta Casa, ontem, inclusive da Oposição, foram muito ponderadas e construtivas no debate econômico; eles apresentaram críticas e reconhecimentos. O Ministro Palocci assim o fez em relação ao passado.

Agora, acho que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, com suas colocações, expressa na realidade um rancor, um sectarismo que não ajuda o debate econômico, não ajuda a reflexão política, não ajuda o debate democrático. Sobretudo, não é correto colocar dessa forma quem sabe das responsabilidades de ser governo, quem governou por oito anos e tem uma responsabilidade, portanto, para tantas dificuldades que estão presentes atualmente em nossa economia. E deveria reconhecer os esforços, a positividade do que está sendo construído e os resultados que estamos alcançando na balança de pagamentos.

As exportações passaram de US$60 bilhões para US$100 bilhões; o superávit comercial é de US$42 bilhões; as reservas cambiais passaram de US$14 bilhões para US$40 bilhões; tiramos o País do Fundo Monetário Internacional; pré-pagamos a dívida do Fundo Monetário Internacional; reduzimos a relação dívida/PIB. Estamos, agora, devolvendo parte da carga tributária com a MP 255, que é parte dessa conquista do esforço fiscal. O superávit primário é fundamental para isso e para a redução sustentável da taxa de juros, como está acontecendo. A taxa de juros real e nominal caiu - dez pontos a taxa nominal -; a inflação é a terceira menor da história econômica.

Por isso, espero que reponhamos o debate no clima de diálogo e de construção que tivemos ontem. Porque, ontem, houve um debate qualificado, aprofundado na área econômica, construtivo, e essa manifestação não condiz, eu diria, com o espírito, com a grandeza e até com a humildade com que o Ministro Palocci se manifestou sobre os desafios do País e sobre o reconhecimento do passado naquilo que ele tem de meritório.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2005 - Página 39958