Discurso durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Carência de investimentos governamentais em pesquisa e desenvolvimento. Defesa da aplicação de 3% do PIB brasileiro em pesquisa.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Carência de investimentos governamentais em pesquisa e desenvolvimento. Defesa da aplicação de 3% do PIB brasileiro em pesquisa.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2005 - Página 40299
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, NEGLIGENCIA, GOVERNO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, PESQUISA, TECNOLOGIA, PERDA, OPORTUNIDADE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANISMO INTERNACIONAL, INVESTIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, REGISTRO, DADOS, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, PESQUISADOR, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, INFERIORIDADE, REMUNERAÇÃO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, IMPORTANCIA, PRIORIDADE, GOVERNO, VALORIZAÇÃO, SETOR, AUMENTO, PERCENTAGEM, INVESTIMENTO PUBLICO.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho repetido nesta Casa que a falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil afeta gerações atuais e causará prejuízos imensuráveis às futuras gerações. A política oficial brasileira vem ignorando a importância dos gastos em educação, pesquisa e desenvolvimento. Diga-se de passagem que esse vezo não é um privilegio do atual Governo: todos, sem exceção, desde muito, vêm agindo assim. Ignoram que a relação custo/benefício desses investimentos reverte em bens e serviços mais competitivos, mais elaborados e com alto valor agregado, beneficiando a população brasileira e inserindo o País no concerto das nações mais desenvolvidas.

Em nível internacional o setor privado encabeça os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), dos quais depende a competitividade dos produtos, a sua aceitação em novos mercados e a taxa de lucro das empresas.

Defendo a tese de que o Governo brasileiro deve estimular o desenvolvimento de novas tecnologias. Não podemos ficar eternamente à espera de que as empresas transnacionais transfiram o conhecimento humano e tecnológico acumulado em suas matrizes para os produtos que aqui industrializam e exportam.

Recente relatório da Confederação das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), comentado pela Gazeta Mercantil em 16 de novembro último, mostra que as empresas transnacionais estão aumentando seus investimentos em P&D em ritmo mais acentuado, direcionados a países em desenvolvimento, particularmente na Ásia, visando a criação de novas tecnologias orientadas paras as exportações. Anteriormente, Srª Presidente, tais tecnologias objetivavam a adaptar produtos e processos ao mercado local.

Empresas transnacionais investem mais em pesquisa e desenvolvimento em países onde há uma combinação de alto contingente de profissionais bem treinados e mão-de-obra barata. Por exemplo, a maioria dos investimentos em P&D pelas transnacionais americanas, que representam 42,3% das corporações estudas pela UNCTAD, que eram normalmente aplicados localmente, estão agora se dirigindo para os países em desenvolvimento, notadamente os asiáticos. Em 2002, 10% dos investimentos em P&D por empresas americanas foram para a Ásia, contra apenas 3,4% em 1994. O Brasil, apesar de ainda ser um dos principais acolhedores de empresas americanas, teve tal participação reduzida de modestos 2%, em 1994, para ínfimos 1,4%, em 2002.

Srªs e Srs. Senadores, os gastos com pesquisa e desenvolvimento pelas empresas transnacionais são maiores que os de muitos países. Empresas como a Ford, Siemens, Toyota, General Motors, por exemplo, aplicaram em P&D, apenas em 2003, mais de US$5 bilhões cada uma, quantia esta superada apenas por alguns países em desenvolvimento, notadamente a China, Coréia, Taiwan e Brasil.

A mudança de estratégia dessas corporações deve-se à crescente concorrência internacional, à demanda por produtos de alta tecnologia e de menores custos. O capital humano, atualmente, requer não apenas o conhecimento intelectual, a capacidade de desenvolver tecnologias e criar novos produtos, mas compete em grandeza crescente em um mundo globalizado.

O hiato tecnológico entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é crescente, e também entre estes últimos. A escassez de investimentos em recursos humanos, em educação básica e superior, em infra-estrutura física e equipamentos laboratoriais e de pesquisa, debilita e restringe o avanço de um país. Um dos obstáculos ao crescimento do valor agregado aos produtos manufaturados no Brasil é a falta de recursos aplicados em ciência e tecnologia.

O crescimento das exportações brasileiras de produtos que agregam valor de alto conhecimento tecnológico vem-se reduzindo. Por exemplo, a participação de produtos manufaturados com alta intensidade tecnológica na pauta das exportações recuou, entre 2000 e 2004, de 18% para apenas 12%.

Repito que as lições de políticas técnico-científicas a serem aprendidas por nosso País são muitas. Enquanto nos Estados Unidos, os pesquisadores se concentram na iniciativa privada; no Brasil, as universidades públicas geram mais de 90% da capacidade tecnológica, intelectual e científica. Nessas mesmas universidades, Srª Presidente, o desestímulo tem sido crescente nos últimos vinte anos, pela baixa remuneração relativa, pelos parcos investimentos em instalações, em laboratórios e equipamentos.

O Estado brasileiro e a sociedade não podem se omitir quanto à prioridade de ser dada à qualidade na educação em todos os níveis.

O que queremos dizer, Srª e Srs. Senadores, é que, em um País em vias de desenvolvimento como o Brasil, não se pode esperar que a iniciativa privada tenha essa responsabilidade espontânea de investir em pesquisa e desenvolvimento, por várias razões: primeiro, porque as indústrias de ponta, no Brasil, são inteiramente de capitais estrangeiros e elas recebem de suas matrizes pesquisas já elaboradas e prontas; segundo, porque as empresas brasileiras não têm a cultura do investimento em pesquisas e desenvolvimento. E, note-se: já estão pagando um preço por isso tudo. Exemplos disso são as estatísticas que já citei, em que a participação de empresas com alta tecnologia nas exportações é cada vez menor.

Por isso, avulta a importância de que essa pesquisa seja feita de forma massiva pelo Governo, pelo Poder Público, por intermédio das universidades públicas e privadas - e, neste caso, desde que o Poder Público lhe conceda incentivos especiais para isso - ou dos institutos de pesquisas como a Embrapa e outros institutos públicos que temos no Brasil. E não devemos nunca esperar que a iniciativa privada trate, exclusivamente ela, dessa responsabilidade, Senadora Heloísa Helena.

O que se dá no Brasil - e isso vem de governos anteriores - é que a universidade vem sendo sucateada; a universidade pública no Brasil passa por um processo doloroso de desmonte, que vai desde a desvalorização do professor, que é mal remunerado, até o desinteresse das instituições universitárias, das instituições de terceiro grau na área de pesquisa aplicada à ciência e à tecnologia. E o Brasil já está pagando por isso. Este ano foi um ano anestésico para a opinião brasileira, em função de um eventual crescimento da produção de grãos e de uma conjuntura favorável nos mercados internacionais.

Vi, aqui mesmo desta tribuna, muitos Senadores do Governo e da Oposição tecendo loas à política agrícola nacional, porque fizemos uma exportação recorde de grãos, especialmente de soja.

Mas contemplei, Srª Presidente, esse cenário com muita tristeza, porque eu já vi este filme acontecer muitas vezes no cenário da economia nacional: produtos agrícolas que outrora garantiram divisas no balanço cambial do Brasil depois caíram inteiramente em desgraça e perderam importância na pauta das exportações brasileiras. Eu vi esse mesmo filme, que temo ocorra logo mais com a soja, acontecer com o algodão, com o sisal da minha querida Paraíba, com o cacau, com o café e com muitos produtos brasileiros. Alguns ainda se sustentam graças à política de incentivos que, cada vez mais, encontra adversários aqui e, sobretudo, fora daqui.

O Estado brasileiro e a sociedade não se podem omitir quanto à prioridade a ser dada à qualidade na educação em todos os níveis. Acrescente-se que os países desenvolvidos não mais detêm o semi-monopólio de cientistas e engenheiros. Nos anos 2000 e 2001, por exemplo, um terço de todos os estudantes universitários do mundo se concentravam na China, na Índia e na Rússia, conjuntamente.

Não é de admirar que 69% das maiores empresas transnacionais, em resposta à pesquisa da UNCTAD, planejam aumentar a participação de seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento no exterior, sendo a China, os Estados Unidos, a Índia e o Japão os destinos preferidos. Coréia, Cingapura, Taiwan, Tailândia e Vietnam são outros potenciais candidatos a atraírem tais investimentos.

O Brasil, no meu entender, deve investir pelo menos 3% do PIB, anualmente, em ciência e tecnologia, se quisermos reduzir as distâncias que se abrem entre nós e outros países. O pagamento de juros dos serviços das dívidas interna e externa absorve, a cada ano, mais recursos orçamentários. Somos generosos ao perdoar dívidas de outras nações. Entretanto, relegamos o futuro de nossa população ao atraso tecnológico.

O desenvolvimento de recursos humanos é prioridade indelegável do Estado. Temos as experiências positivas da Petrobras, da Embraer, da Embrapa, três empresas públicas. A Embraer, no passado, buscou a qualidade de seus quadros de projetistas que hoje garantem ao Brasil admiração do mundo inteiro como produtor de produtos aeronáuticos.

Vale ressaltar que, entre as 700 empresas pesquisadas pela UNCTAD, destacam-se no Brasil apenas a Petrobras, no 317º lugar - posição muito humilhante para um País do tamanho e da economia do Brasil -, e a Embraer, em 349º lugar. A Coréia, por exemplo, tem 10 empresas; Taiwan, 8; China e Hong Kong, 3, cada.

Sr. Presidente, os investimentos estrangeiros em pesquisa e desenvolvimento podem contribuir para o desenvolvimento dos países hóspedes. Entretanto, o conhecimento acumulado localmente pelos recursos humanos e institucionais é condicionante para o aproveitamento de qualquer inovação. Carecemos, nobre Senador Ney Suassuna - V. Exª tem-se preocupado muito com esses aspectos do desenvolvimento nacional -, de uma política coesa e coerente de investimentos em ciência e tecnologia, sob pena de inibirmos e postergarmos o crescimento do País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era o que eu tinha a dizer neste dia, em que todos estão muito mais preocupados com as questões políticas referentes a uma medida provisória polêmica, mas de alto significado para o País, do que propriamente com outros assuntos, como o que eu trouxe ao conhecimento e à consideração dos Srs. Senadores.

De qualquer forma, sou grato pela atenção e pela forma como fui entendido pela Srª Presidente Serys Slhessarenko, que me concedeu vênia, prorrogando o meu tempo para pronunciar este modesto discurso.

Muito obrigado, Srª Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2005 - Página 40299