Discurso durante a 204ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação com o erro de arbitragem no jogo de futebol entre Internacional e Corinthians. Satisfação com a aprovação pelo Senado, no último dia 9 do corrente, do Estatuto da Igualdade Racial. Regozijo com a inauguração da TV Gente.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Indignação com o erro de arbitragem no jogo de futebol entre Internacional e Corinthians. Satisfação com a aprovação pelo Senado, no último dia 9 do corrente, do Estatuto da Igualdade Racial. Regozijo com a inauguração da TV Gente.
Aparteantes
Alvaro Dias, Geraldo Mesquita Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2005 - Página 40503
Assunto
Outros > ESPORTE. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • PROTESTO, ERRO, ATUAÇÃO, ARBITRO, FUTEBOL, PREJUIZO, TIME, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COMPROMETIMENTO, CAMPEONATO NACIONAL, ANULAÇÃO, DISPUTA, SUGESTÃO, UTILIZAÇÃO, TELEVISÃO, AUXILIO, JUIZ.
  • ANUNCIO, MOBILIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, ENTIDADE, DEFESA, DIREITOS, NEGRO, REIVINDICAÇÃO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, INCENTIVO, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AMPLIAÇÃO, ACESSO, MERCADO DE TRABALHO, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DEMONSTRAÇÃO, DIFICULDADE, MULHER, NEGRO, ACESSO, MERCADO DE TRABALHO, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • AGRADECIMENTO, LIDERANÇA, SENADOR, APOIO, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, SENADO, CUMPRIMENTO, ENTIDADE, DEFESA, DIREITOS, NEGRO, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • REGISTRO, INAUGURAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, INCLUSÃO, PROGRAMAÇÃO, DEBATE, SITUAÇÃO, GRUPO ETNICO, NEGRO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi dia 20 de novembro...

Antes de falar sobre o tema que me traz à tribuna, faço aqui um registro, Sr. Presidente, não somente por ser gaúcho, mas também por acompanhar o futebol em nosso País. Assomei à tribuna algumas semanas atrás, defendendo exatamente o Tinga em um ato de racismo praticado contra ele lá no meu Estado; hoje, não tem como não comentar o quanto foi violento o ato cometido pelo juiz, ontem em São Paulo, que não marcou o pênalti do goleiro do Corinthians em cima do Tinga do Inter, não expulsou o goleiro do Corinthians que deveria ter sido expulso, porque fez aquilo que chamamos no futebol de “sola”, acima do joelho do Tinga - e as câmaras de televisão mostraram claramente -, e ainda expulsou o Tinga. Eu vi a agonia do Tinga. É claro! Na sua solidariedade aos companheiros, num jogo decisivo como aquele, ser expulso mais uma vez, sacrificado, quando todos sabemos, pelo ato em si, que ali ele era o inocente, ali era vítima. Se o juiz desse o pênalti e expulsasse o goleiro, o Inter ganharia o jogo, o que naturalmente mudaria o destino do campeonato brasileiro neste ano. Então, fica aqui nosso protesto.

Tenho certeza de que o Inter vai entrar na Justiça para questionar essa decisão.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Um aparte, Senador Paulo Paim.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não, Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Paulo Paim, V. Exª tem usado esta tribuna com tantos assuntos fundamentais para o País, e imagino que é um risco fazer a análise do desempenho de árbitros de futebol da tribuna do Senado Federal. Se, ontem, o árbitro pode ter alterado o rumo da competição, já poderia ter alterado no jogo anterior, quando outro árbitro validou um gol, em absoluto impedimento, do Internacional contra o time de Brasília, o Brasiliense. Portanto, Senador, penso que aqui não é o local para esse tipo de debate; vamos deixar os cronistas desportivos, as emissoras de televisão e de rádio tratarem esse assunto, e vamos discutir assuntos tão relevantes como V. Exª sempre o faz. V. Exª é um Senador brilhante, dedicado, estudioso, que aprofunda, sobretudo, as questões sociais; tem sido um baluarte na defesa das minorias nesta Casa do Congresso Nacional, travou uma luta competente pela reforma da Previdência. Enfim, eu teria de ficar aqui muito tempo destacando V. Exª. Confesso que sou seu admirador e sei que essa discussão apaixona. No entanto, há outro local, outras tribunas, outros meios de comunicação para que essa discussão possa estabelecer-se. De qualquer maneira, parabéns a V. Exª por sua brilhante atuação aqui no Senado Federal.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Alvaro Dias, claro que não era minha intenção travar aqui um debate sobre este tema, mas sou daqueles - e não é para imitar o nosso grande Che Guevara - que, diante de uma injustiça, demonstrada com clareza para todo o Brasil... Acho que todo o Brasil ficou indignado no dia de ontem. Todo o Brasil ficou indignado! Não tem como eu não registrar o fato. Eu fiquei tão indignado como o conjunto do povo brasileiro. Eu sempre digo que, se tiver uma única pessoa neste País injustiçada...

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Paulo Paim, se V. Exª trouxer a injustiça de cada erro de arbitragem no futebol, não fará outra coisa toda a semana, da tribuna do Senado Federal. Em todos os fins de semana, ou mesmo durante os jogos no meio da semana, há erros de arbitragem que consubstanciam injustiças flagrantes. Embora V. Exª esteja no seu legítimo direito de defender as cores do Internacional e de protestar contra essa injustiça - também entendo que houve um erro do árbitro -, este não é o local adequado para essa discussão, até porque, no jogo anterior, o erro do árbitro beneficiou o Internacional. Se ficarmos aqui discutindo isso, não conseguiremos falar de outro assunto.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Alvaro Dias, quem está fazendo o debate é V. Exª! Apenas fiz o registro de um fato, de uma agressão violenta, inclusive. Joguei futebol e, portanto, tenho experiência para dizer que o que fez o goleiro do Corinthians ontem é inaceitável. Ele poderia ter quebrado a perna do Tinga, que ainda foi punido com a expulsão, em vez de ao time ser concedido o pênalti, o que, naturalmente, vai repercutir em todo o Campeonato Nacional.

Não quero fazer disso um debate aqui na tribuna, mas, com certeza, sei que, no fundo - pelo sorriso de V. Exª, pelas palmas que recebi dos que estão sentados à minha esquerda e pelo aparte do Senador Geraldo Mesquita Júnior -, todos concordam que foi uma injustiça. E pior: o juiz reconhece isso. Foi à TV e disse: “Olha, eu queria encerrar bem minha carreira, mas reconheço que hoje errei, cometi uma grande injustiça”. As palavras são do juiz, não são minhas.

Concedo o aparte ao Senador Geraldo Mesquita Júnior.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (Sem Partido - AC) - Senador Paulo Paim, era exatamente isso que eu queria aduzir. Creio que o Senador Alvaro Dias está correto quando diz que aqui não é o local correto para se estabelecer esse debate, mas V. Exª também está correto ao fazer o registro do fato, tendo em vista o reconhecimento expresso do juiz, de que errou - pediu desculpas, inclusive. Ele errou e, ao errar, talvez tenha influído decisivamente no principal torneio esportivo do País. Então, em relação à postura do juiz, nesse caso específico, penso, sim, que V. Exª deveria fazer o registro. Talvez, a partir desse registro, possamos imaginar formas de superar tais dificuldades. Ainda que modestamente, o Senado Federal poderia dar uma contribuição, porque, nesse caso, houve um erro terrível que pode influir na decisão de um campeonato que se prolonga por meses e meses. Houve o reconhecimento do erro, com pedido de desculpas, por parte do próprio juiz. V. Exª, portanto, tem razão ao fazer o registro, e V. Exª, Senador Alvaro Dias, também tem razão ao afirmar que aqui talvez não seja o foro adequado para um debate profundo da questão.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senadores Geraldo Mesquita Júnior e Alvaro Dias, com o avanço tecnológico, com o avanço do poder da televisão, no futuro, quando um erro for constatado, quando for comprovado, e o juiz admiti-lo, poderemos ter uma solução. No caso em questão, talvez o correto seria, já que o placar foi de 1x1, anular o jogo e realizar outra partida. Quem sabe uma legislação própria não poderia prever situações como essa, em que todos admitem que houve erro! O time do Corinthians o admite, a torcida do Corinthians o admite, o Estado de São Paulo o admite, o Brasil o admite. Por que, então, permitirmos que um erro acabe beneficiando aquele que cometeu o ato, no caso, de agressão ao jogador do Inter? É algo a pensar, inclusive em matéria de legislação.

Sr. Presidente, ontem foi dia 20 de novembro, hoje é dia 21, amanhã é dia 22. Amanhã, em Brasília, haverá mais uma marcha organizada pela comunidade negra, cujo eixo é a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, agora na Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, podemos festejar este 20 de novembro graças ao Senado da República. Quero aqui cumprimentar todos os Senadores pela aprovação, por unanimidade, do Estatuto da Igualdade Racial no dia 9 de novembro próximo passado.

Sr. Presidente, nesses 310 anos da morte de Zumbi dos Palmares, era comum a pergunta: “O que vocês têm a festejar no Dia da Consciência Negra?”. A resposta sempre era: “Nada, nada”. Dizíamos isso até o dia 9 de novembro passado. Dizíamos: “É um dia de protesto”. Agora, há uma luz no horizonte. Por isso, festejamos, sim, nesse dia 20 de novembro, a chegada do Estatuto da Igualdade Racial.

Vida longa à igualdade racial! Que esse sonho se torne realidade, Sr. Presidente! Queremos que negros e brancos assumam a responsabilidade de fazer valer a lei, que será aprovada na Câmara e sancionada, com certeza, ainda este ano - espero eu que ainda no mês de novembro. É preciso, Senador Mão Santa, que todos incorporem o Estatuto e dele se apropriem, pois é obra não somente do Senado, mas da sociedade brasileira.

Quero também registrar, Sr. Presidente, fato importante acontecido ontem: a inauguração da TV da Gente, a primeira emissora de tevê, um canal aberto, a incluir uma abordagem étnico-racial. Na coordenação do projeto da TV da Gente, está uma liderança da comunidade negra: José de Paula Neto, meu amigo, que esteve no Rio Grande do Sul comigo em duas oportunidades. Netinho de Paula envolve nessa programação artistas e ativistas reconhecidos em âmbito nacional e internacional na luta contra o preconceito. A TV da Gente não será somente uma emissora nacional, mas também terá, em cadeia, a participação de outros apresentadores que debatem a situação de brancos e negros, essa questão tão importante como o preconceito, em outros continentes. Parabéns, Netinho!

Sr. Presidente, com certeza, temos ainda muito por fazer, mas estamos avançando. A aprovação do Estatuto é considerada um marco na conquista da igualdade e do respeito ao povo negro. Essa lei trará aos afro-brasileiros os direitos e as garantias que não foram assegurados, infelizmente, pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. A Lei Áurea, quando aprovada, só dizia: “Os negros estão libertos. Promulgue-se esta lei”. O Estatuto é um avanço importante no caminho de uma realidade mais justa para a integração entre raças, no combate à discriminação, na busca de uma política de igualdade entre brancos e negros.

Gostaria de reforçar a firmeza e a importância desse debate. Trata-se de tema que envolve grande parte da população brasileira - eu teria a ousadia de dizer que envolve toda a população brasileira -, que é o acesso e a inclusão no mercado de trabalho, a freqüência e a permanência dos negros no campo da educação.

Sr. Presidente, o Estatuto é uma realidade. Alguns dados de pesquisa da Unesco sobre a juventude, divulgados pela agência ONU, dizem que 17% dos jovens entre 15 e 17 anos estão fora das escolas e, sendo assim, não completarão o ensino médio, requisito exigido há mais de uma década na busca de um emprego.

Estudos apresentados também pelo Pnud apontam que 64,1% dos pobres brasileiros são negros. O aumento da escolaridade entre as crianças negras é de 2% menor em relação às brancas. E este dado ainda é mais marcante: em 2003, 67,9% das crianças brancas freqüentavam as escolas; quanto às crianças negras, esse índice é de 32,1% - menos do que a metade.

De acordo com o Ipea, a situação das mulheres negras é ainda pior, pois são discriminadas no mercado de trabalho. Este dado, para mim, é forte: em 2003, 22,4% das negras eram empregadas domésticas, enquanto que as empregadas domésticas não-negras eram 13%. E mais: o desemprego entre as mulheres negras correspondia a 16,6%, duas vezes mais do que entre as mulheres que não são negras.

É comum ouvirmos falar que no Brasil não existe discriminação. Não é verdade. Lamentavelmente, não é verdade! Dados nos revelam que a nossa sociedade exibe um crescente aumento das diferenças sociais, culturais, religiosas, raciais, enfim, diferenças muitas vezes impostas pela discriminação arraigada em nossa própria história.

No último dia 16, participei aqui em Brasília da Marcha Zumbi + 10, que teve como um dos objetivos a aprovação do estatuto e a lembrança do Dia da Consciência Negra. Sr. Presidente, essas reivindicações continuam. Amanhã, dia 22, haverá outra marcha dos afro-brasileiros, com a mesma finalidade: aprovar na Câmara dos Deputados o estatuto e outras políticas afirmativas. O nome da marcha que se realizará amanhã também é Marcha Zumbi + 10.

Sr. Presidente, com a aprovação do estatuto no Senado Federal, estamos abrindo caminhos para que o negro brasileiro possa ocupar o espaço que é seu de direito na sociedade brasileira. Estou certo de que o Estatuto da Igualdade Racial será aprovado na Câmara e sancionado pelo Presidente da República.

O Brasil também tem a cor e o rosto dos negros. Somos a segunda maior população negra do planeta. Temos orgulho da negritude do povo brasileiro, como temos orgulho também daqueles que não são negros e que compõem esta grande Nação, o Brasil.

Não podemos mais adiar a aprovação desse estatuto. Por isso, estou muito confiante de que ele será aprovado ainda este mês na Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Senador Tião Viana, se eu pudesse, gostaria de citar todos os Senadores, de todos os partidos, e todas as Lideranças. Como tive de viajar ao Sul, encontrei o Senador Eduardo Azeredo no aeroporto e pedi a S. Exª que fizesse contato também com V. Exª, Senador Arthur Virgílio - acredito que S. Exª tenha lhe ligado. Disse-me S. Exª: “Paim, não precisa nem fazer contato porque o Senador Arthur Virgílio há de colaborar”. Como foi assim. Também os Senadores Aloizio Mercadante, Ideli Salvatti, Heloísa Helena, Delcídio Amaral, enfim, todos os Líderes deixaram claro que eram a favor, tanto que assinaram - e, se for preciso, darão o seu apoio inclusive em plenário. Com a Mesa, há um documento com a assinatura de todos os Líderes, da Oposição à Liderança do Governo, pedindo a aprovação imediata do Estatuto da Igualdade Racial.

Termino, Sr. Presidente, cumprimentando as delegações que estão chegando a Brasília hoje para a marcha de amanhã. Dou meu abraço gauchesco à delegação do Rio Grande, que vem com cerca de dez ônibus.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2005 - Página 40503