Discurso durante a 204ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto contra o fim melancólico dos trabalhos da CPMI da Compra de Votos.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.:
  • Protesto contra o fim melancólico dos trabalhos da CPMI da Compra de Votos.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2005 - Página 40533
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.
Indexação
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUSENCIA, APROVAÇÃO, PRORROGAÇÃO, PRAZO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, PAGAMENTO, MESADA, CONGRESSISTA, IMPEDIMENTO, CONCLUSÃO, TRABALHO, INVESTIGAÇÃO, DESTINATARIO, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS.
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, INSUCESSO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRIVATIZAÇÃO, PERIODO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE, QUEBRA DE SIGILO, SIGILO BANCARIO, COMPROMETIMENTO, ANDAMENTO, TRABALHO.
  • REGISTRO, HISTORIA, DEMOCRACIA, VALORIZAÇÃO, REPUTAÇÃO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, COMPROMISSO, INTERESSE PUBLICO, DEMONSTRAÇÃO, DECISÃO, IMPEDIMENTO, ANDAMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA, DESVALORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OPINIÃO PUBLICA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, inicialmente quero dizer a V. Exª que falo também na condição de Líder do PMDB. Portanto, meu tempo deve ser devidamente anotado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para deixar registrado o meu protesto, a minha indignação, sobre - não vou chamar de fim melancólico, não - o sepultamento forçado da CPMI da Compra de Votos. É inconcebível o que aconteceu no Congresso Nacional. A CPI, na forma do art. 58 § 3º da Constituição Federal, é a comissão parlamentar de inquérito investida de poderes jurisdicionais. A comissão parlamentar mista de inquérito, como diz o nome, é uma delegação do Congresso Nacional, ou seja, de ambas as Casas. Os seus representantes encarnam as aspirações das duas Casas do Congresso Nacional. Nessa delegação, estão implícitos o dever e o direito de investigar e mostrar a verdade à Nação. A Nação tem o direito à verdade, sim. A Nação quer a verdade. A Nação exige a verdade. A esse dever nenhum Parlamentar pode se furtar, independentemente de partido.

É claro que a CPI guarda a composição parlamentar da representação partidária nas duas Casas. É evidente que o elemento partidário é intrínseco à representação parlamentar. Todavia, investido de poderes jurisdicionais, cada Parlamentar é alçado à condição de juiz e, como tal, deve buscar, ao menos conscientemente, uma postura compatível com a dignidade jurisdicional.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alguns projetos dão certo, outros não. Eu poderia dizer que, se dependesse do Presidente, a CPMI da Compra de Votos teria chegado ao seu fim com êxito. Havíamos já demarcado o objeto. Os fatos estavam identificados. Era necessário apenas dar alguns passos lógicos na investigação para desvendar, ao menos, a quem foram destinados os recursos que constavam da conta da Guaranhuns; a quem foram destinados os recursos que constavam da conta da Bônus-Banval. Apenas uma segunda ou terceira geração de quebra de sigilo e poder-se-ia chegar aos destinatários, já que a Comissão estava incumbida de definir o destino dos recursos, ao menos na linha das operações realizadas com o Banco Rural e o BMG.

Isso seria fácil. Os depoimentos foram explícitos; os documentos trazidos às Comissões, inclusive à do Mensalão, como foi apelidada, propiciavam a identificação lógica necessária e por que não dizer plausível, realizável, do destino desses recursos. Poderiam alcançar alguns Parlamentares, outras autoridades, quem quer que fosse. É evidente que não me antecipo ao resultado das investigações, mas seria muito fácil chegar lá.

O Sr. Delúbio deu todas as pistas: dos R$55 milhões, R$30 milhões foram para o PT e R$25 milhões para quatro partidos, quais sejam, o PL, PP, PTB e até o PMDB.

Por que não investigar? Por que deixar os fatos calados, sem voz, sem resposta? É uma indagação que temos de deixar na consciência de cada um daqueles que não levaram até à última conseqüência a representação popular. Sabemos que o Congresso Nacional é o povo em assembléia e que cada um deve guardar uma identidade e, sobretudo, uma conseqüência necessária daquilo que é a representação. Todo o poder emana do povo e, em seu nome, será exercido, como diz a Constituição. Exatamente esse poder emanado do povo, essa representação de que cada um é depositário deveria, aqui, em nome do povo, esclarecer esses fatos, porque assim a Nação exige e é um imperativo da consciência nacional.

Sabemos, como eu disse, que alguns projetos dão certo e outros, não. Somente os deuses são imunes ao fracasso. Sr. Presidente, tive oportunidade de relatar uma das comissões importantes do Congresso Nacional que foi a que se denominou CPI do PC - na verdade CPMI do PC, já que era uma comissão mista. Por outro lado, em seguida, colhi um fracasso - para mim, silencioso, porque a imprensa não publicou uma nota, uma linha - que foi a investigação sobre o processo de privatização. Como Relator, não consegui quebrar nem sequer o sigilo bancário das pessoas envolvidas no processo, sobre as quais pesavam vantagens ilícitas na execução daquele programa. Nada, absolutamente nada foi possível investigar, a não ser oitivas e depoimentos que trouxeram a lume a trama do processo de privatização. Mas tudo foi sepultado sob uma muralha de silêncio.

A Nação, a toda hora, reclama desse capítulo obscuro, negro e, por que não dizer, lesivo aos interesses nacionais, que ninguém teve coragem de levar adiante. Eu o fiz: tomei assinatura, como Relator, nas duas Casas, para instalar uma comissão parlamentar mista de inquérito. Contudo, criada que foi, em seguida, foi abafada, sepultada, e dela ninguém mais fala. A não ser agora, quando o processo de privatização mostrou a sua face oculta e perversa, fala-se na necessidade de rever esse capítulo. É tarde demais, é muito tarde. O tempo passou, os fatos estão consumados. Não se revolve a história, não se restaura o passado. A vida é um ato contínuo, a história é um devir permanente. É exatamente esse movimento da história que nos deixa a todos impossibilitados de verificar o que aconteceu há tanto tempo.

É por isso, Sr. Presidente, que quando vemos uma cena como essa, em que a minoria, um terço do Congresso Nacional... E, sobretudo, quero dizer da Câmara, não do Senado, pois aqui obtivemos o apoio, tanto da Oposição quanto da Situação, como de todos os Líderes, tivemos as assinaturas necessárias para a prorrogação dessa CPI. Todavia, a Câmara dos Deputados nos negou um terço de seu apoio. As partes envolvidas estavam em cena, é verdade, mas tinham que ter a dignidade e a insuspeição de proceder a uma investigação em nome do povo, em nome do Congresso Nacional. E o que se verifica é que, quando se perdem esses conceitos fundamentais, que dão a urdidura e, por que não dizer, a unidade e a estruturação do Estado Democrático e da sociedade, temos que repensar o destino de Nação livre e de democracia.

Realmente, gostaria de lembrar o mito de Protágoras, um pensador grego. Protágoras imaginou que Zeus, preocupado com o destino da sociedade, que estava num estado de beligerância - numa visão de Robbins, certamente, onde o homem é o lobo para o homem -, tinha que dotar a humanidade de dois conceitos básicos: aidos e dike. Aidos, nada mais do que o sentimento de vergonha, o sentimento de reputação, de imagem pública que obriga as pessoas a se conduzirem de forma a serem julgados de maneira correta e aceitável pelos outros membros da sociedade. É exatamente esse conceito de imagem pública tão fundamental para a vida em sociedade. Por outro lado, a dike, nada mais que o sentimento de justiça, o sentimento do direito, o sentimento de respeito pelo outro e pelo direito alheio. Porque o direto de cada um vai até onde começa o direito do outro.

Exatamente esses dois elementos que Zeus encarregou Hermes de distribuir à humanidade. E de forma? Aqui está o conceito básico e talvez a primeira fábula da democracia: que fosse distribuído a todos por igual, que cada um tivesse o seu quinhão da arte cívica, para que os cidadãos pudessem conviver em sociedade.

Talvez aqui, sobretudo, Sr. Presidente, faltou um pouco de aidos para a Comissão e para o Congresso Nacional - o sentido de vergonha, o sentido, sobretudo, de reputação e de respeito da imagem pública. Repito: não apenas da Comissão, mas do próprio Congresso. Um terço do Congresso negou a continuidade dos trabalhos, e a Comissão foi sepultada viva. Foi sepultada porque as forças políticas que compõem o Congresso não quiseram cortar na própria carne. Sei que é difícil investigar a nós mesmos, mas, se é doloroso para quem investiga, certamente é temeroso para quem é investigado. Mas, quem não deve não teme. É por isso que o Congresso, na sua maioria, cuja inocência absoluta pode aqui ser declarada, tinha de ter a coragem de esclarecer, de expor o tumor, verificar o que está por baixo do fogo de monturo e ver se o que arde ali é o ilícito ou a inocência.

Não, Sr. Presidente, não se fez nada! É deplorável que isso tenha acontecido. Mas eu não tenho dúvidas de que existem outras Comissões de Inquérito que poderão, perfeitamente, suprir essa deficiência: esse tempo que não foi conferido à Comissão. Saí mendigando assinaturas, percorrendo todas as Lideranças e, na Câmara dos Deputados, sobretudo na Liderança do Governo, as minhas esperanças foram, por definitivo, desiludidas e sepultadas.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Permita-me um aparte, Excelência.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Concedo um aparte a V. Exª, nobre Senador Garibaldi Alves.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador Amir Lando, na qualidade de participante de uma das CPIs do Senado - e a nossa CPI é apenas do Senado -, eu conheço, de perto, as dificuldades que todos nós estamos encontrando, principalmente aqueles que estão na direção das ditas Comissões, para levar o seu trabalho à frente. Mas eu queria dizer a V. Exª que há, na opinião pública, uma certeza, uma convicção: que V. Exª fez tudo para que a CPI tivesse, realmente, a trajetória esperada. O que aconteceu não se deu por omissão de V. Exª nem do Relator, mas, simplesmente, aconteceu por falta, como V. Exª diz nesta hora, Senador Amir Lando, da harmonia do conjunto das forças políticas que não deram aquele necessário apoio para a CPI continuar os seus trabalhos. Foi uma CPI que desenvolveu uma sistemática, que ouviu depoimentos importantes, como o do Sr. Daniel Dantas, do Banco Opportunity, como o de José Genoino e de tantos outros, e que avançou nos trabalhos, mas, infelizmente, tropeçou na sua conclusão. Todavia, resta ao Senador Amir Lando a certeza de que é meritório o trabalho que desenvolveu na CPI do PC Farias e que vem desenvolvendo, de fiscalização, e que merece de nossa parte e da parte da opinião pública os aplausos que são necessários. Agradeço a V. Exª pela oportunidade do aparte.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Garibaldi Alves Filho, que muito me conforta. Devo dizer que tenho a consciência tranqüila, porque agi com isenção, procurei fazer da minha ação a vontade do Regimento, das leis e da Constituição.

Por outro lado, tentei, por todos os meios, que a CPI não parasse as suas atividades. Infelizmente, as forças políticas do Congresso Nacional assim o quiseram, e eu me rendo, porque aqui sequer a Minoria teve a oportunidade de determinar a continuidade dos trabalhos.

Todavia, certamente a História haverá de cobrar. Como eu disse, ficou um fogo de monturo; todavia, há outras comissões atuando. Se quiserem concluir essa tarefa, está muito fácil, pois os caminhos já estão apontados; basta percorrê-los com determinação e com compromisso com o interesse público.

Sr. Presidente, eu não poderia deixar de fazer este relato. Poderia citar - e vou concluir - que quebramos sigilos, como a CPMI dos Correios também o fez. Infelizmente, grande parte desses documentos continua intocada, inútil; poucos são aqueles que vão à busca dos elementos lá escondidos - poucos -, porque a maioria deixa as coisas acontecerem. Quando se falou de buscar um software para fazer os cruzamentos - isso eu falei desde o início -, não se cruzou nada. Caixas estão fechadas; sequer foram abertas. Muitas respostas não vieram. Muitos documentos solicitados ainda não chegaram à CPI. É um desrespeito ao Congresso Nacional e, sobretudo, é um desrespeito à cidadania, que exige uma resposta clara e verdadeira.

Mas, antes de concluir, concedo a palavra ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Amir Lando, o País todo aplaude a conduta de V. Exª. Sem dúvida, mais difícil do que essa foi aquela em que V. Exª foi Relator, que acabou afastando o ex-presidente Collor. V. Exª teve dificuldade de presidir esta porque é da compra de votos, do mensalão, que realmente atinge muita gente. O povo do Brasil aplaude o trabalho de V. Exª e confia nele. Mas, acontece que, óbvio e ululante, feriria e atingiria muita gente o que viria à tona ainda. Mas V. Exª, sem dúvida nenhuma, continua a ter o respeito e a confiança de toda a Nação. Não interessa a quantidade de dias. V. Exª assumiu a presidência da CPMI da Compra de Votos, apelidada por mensalão, e encontrou essas dificuldades, mas, só com o gesto de V. Exª, o País viu e acreditou que este Congresso deve passar a limpo... Devemos perseguir a busca das virtudes, a busca da seriedade. E a presença de V. Exª nessa tribuna traduz esta insatisfação de V. Exª, vamos dizer, de não ter tido êxito total. Mas, sem dúvida nenhuma, V. Exª mostrou - e o País está conscientizado - que o Poder Executivo tem problemas aqui, assim como o Judiciário. V. Exª, com trabalho, inteligência e com a busca pela justiça, conscientizou este País em busca da verdade, da virtude, da honradez. Então, nossos aplausos a V. Exª. Por onde andamos, ouvimos a voz rouca das ruas, e o nome de V. Exª continua no coração do povo do Brasil, em que o bem vai vencer o mal.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Agradeço as palavras generosas de V. Exª. A mão da amizade sempre estende nas palavras gestos de conforto. Muito obrigado a V. Exª.

Para concluir, Sr. Presidente, serei breve.

Devo dizer aos escudeiros do ilícito, aos escudeiros que não quiserem contar a verdade para punir os titulares do crime, a eles deixo a sentença de Anaximandro, que assim se referiu: “De onde as coisas têm seu nascimento, para lá também devem afundar-se na perdição, segundo a necessidade, pois elas devem expiar e ser julgadas pelas suas injustiças, segundo a ordem do tempo”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2005 - Página 40533