Discurso durante a 207ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o relatório apresentado ontem pelo Deputado João Alfredo, como relator da CPMI da Terra. Justificação de requerimento que irá encaminhar sugerindo a extinção da UDR.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Comentários sobre o relatório apresentado ontem pelo Deputado João Alfredo, como relator da CPMI da Terra. Justificação de requerimento que irá encaminhar sugerindo a extinção da UDR.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2005 - Página 40737
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, DEPUTADO FEDERAL, RELATOR, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, TERRAS, EFICACIA, DIAGNOSTICO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, MOVIMENTAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, TRABALHADOR, PROPRIETARIO, PROPRIEDADE RURAL, IDENTIFICAÇÃO, FORMA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SISTEMA FUNDIARIO, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, CONDUTA, IMPRENSA, PRIORIDADE, DIVULGAÇÃO, SUPERIORIDADE, RECURSOS, REPASSE, ENTIDADE, VINCULAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, DISCRIMINAÇÃO, OBJETIVO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), AVALIAÇÃO, PROBLEMA, BUSCA, SOLUÇÃO, MELHORIA, SISTEMA FUNDIARIO, PAIS, OMISSÃO, EXCESSO, VERBA, DESTINAÇÃO, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, VIOLENCIA, IMPUNIDADE, REGIÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), OCORRENCIA, HOMICIDIO, SINDICALISTA, MUNICIPIO, MARABA (PA).
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, EXTINÇÃO, UNIÃO DEMOCRATICA RURALISTA (UDR).
  • COBRANÇA, GOVERNO FEDERAL, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, SIMULTANEIDADE, SOLICITAÇÃO, ENTIDADE, REPRESENTANTE, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO, CONTRIBUIÇÃO, EXTINÇÃO, VIOLENCIA.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje tivemos um dia de várias homenagens, mas eu assomo a esta tribuna para fazer comentários sobre o parecer apresentado ontem pelo Deputado João Alfredo, Relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Terra.

A CPI teve como objetivo realizar um amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária urbana, os movimentos sociais de trabalhadores e de proprietários de terra, e a identificação dos caminhos para a solução dos problemas que envolvem o tema.

O relatório - quero apenas dar uma idéia - possui quase 800 páginas, precisamente 758 páginas. É bastante denso. Foram dois anos de trabalho, e esta CPMI terá final no dia 30 de novembro.

Os trabalhos foram prorrogados por três vezes. Esse longo período de duração foi marcado por calorosos debates, motivados por diferentes visões de como se pode desenvolver o campo brasileiro e também por diferentes questões ideológicas, colocando, de um lado, aqueles que representam os grandes produtores e proprietários de terra e, de outro lado, os que representam os pequenos trabalhadores, os agricultores familiares e os trabalhadores sem terra neste País.

Apesar disso, o Relator foi capaz de condensar, em seu relatório, um amplo diagnóstico do problema, abordando a questão com a devida profundidade e apontando soluções que estão expressas especialmente nas recomendações dirigidas ao Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, tanto no âmbito federal quanto no estadual.

Foram 43 reuniões e dez viagens, em que se visitaram nove Estados. Ouviram-se mais de uma centena de pessoas, entre trabalhadores rurais, proprietários, pesquisadores, representantes do Governo e da sociedade civil. Analisaram-se cerca de 75 mil páginas de documentos entre relatórios, inquéritos policiais, processos judiciais e outros. Quebraram-se sigilos bancários e fiscais de 21 pessoas físicas e jurídicas.

Senador Sibá Machado, fiquei procurando bastante hoje - recebemos a mídia impressa - um destaque que não era o da CPI, que realmente deveria avaliar os problemas deste tema, apontar soluções. Mas a imprensa, durante todo esse tempo, pelo menos parte dela, deu destaque muito grande, porque os representantes dos grandes proprietários deram um espaço muito grande sobre o repasse de recursos para entidades ligadas aos trabalhadores. O Relator, o Deputado João Alfredo, foi correto, apesar de que esse não era o tema da CPMI, Senador Paulo Paim, ao colocar essa questão, pois fez uma análise absolutamente criteriosa, apresentando inclusive o volume de recursos e esclarecendo informações indevidas, ou desinformações, ou calúnias, divulgadas como verdadeiras, sobre a questão do relatório do Tribunal de Contas da União, que é apenas um relatório preliminar que analisa convênios feitos com entidades ligadas aos trabalhadores rurais, onde apontam irregularidades. E o Relator, corretamente, propõe que se continuem as investigações, que se aprofundem as investigações, porque isso é apenas um relatório preliminar.

Ontem, dizia-se que o TCU já tinha determinado a devolução de recursos. Meu Deus, quanta má-fé, quanta mentira! O TCU não determinou devolução de recursos. Apenas o relatório preliminar diz que, se não houver uma justificativa daquelas irregularidades, como acontece em milhares de municípios, aí, sim, terão que devolver os recursos. É lógico. Tenho certeza de que as entidades encaminharão essa justificativa, mas, independentemente do resultado, não se pode prejulgar. Por isso o Relator faz a recomendação.

Mas o que me espantou, Senador Paulo Paim, foi o destaque dado ao repasse de recursos para as entidades ligadas aos trabalhadores rurais. Isso mostra o quanto este País é preconceituoso em relação à organização dos trabalhadores rurais, aos sindicatos dos trabalhadores rurais, aos movimentos dos sem-terra.

Veja bem, Senador Paim, V. Exª sabe, em 10 anos, o quanto foi repassado para as entidades ligadas aos trabalhadores rurais? À Anca, Concrab e Iterra? Foi pouco mais de R$41 milhões, em dez anos! Mas V. Exª sabe e viu na imprensa, com destaque, o que foi repassado no mesmo período para as entidades ligadas aos grandes produtores, aos grandes latifundiários? V. Exª conhece, Senador Paim? V. Exª viu com destaque na imprensa esse número?

Senador Paim, o que foi repassado para as entidades de trabalhadores não chega nem a 5% do que foi repassado para os ruralistas, que receberam R$1,052 bilhão no mesmo período de dez anos. Vou repetir: foram repassados, entre 1995 e 2005, para entidades ligadas aos trabalhadores rurais, para cursos, capacitação, assistência técnica - Anca, Concrab e Iterra -, pouco mais de R$41 milhões; mas, para OCB, Sescoop, CNA, Senar, SRB, foi repassado R$1,052 bilhão. Só os R$52 milhões é um valor maior do que o que foi repassado, em dez anos, para as entidades de trabalhadores rurais. É uma vergonha que neste País, infelizmente, se tente incriminar os trabalhadores! Tenta-se justificar a violência ou que os recursos públicos estão sendo mal utilizados pelas entidades de trabalhadores.

Hoje eu conversava com um competentíssimo advogado da área trabalhista, e ele me dizia: “Senadora, uma investigação mais séria sobre esses recursos vai demonstrar quanto de desvio de recurso público foi feito por essas entidades; quanta gente enriqueceu; quanta campanha foi irrigada, Senadora; e, o que é pior, quanto isso financiou a violência contra os trabalhadores rurais.” Para mim, isso é o pior.

Eu falo com indignação, Senador Paulo Paim, e V. Exª sabe que este tema sempre me emociona, porque é no meu Estado que está o maior número de vítimas da violência no campo.

Infelizmente, tenho que registrar mais uma morte no campo...

(Interrupção do som.)

            A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Tenho direito a mais dois minutos, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - V. Exª terá direito aos dois minutos e mais dois, se necessário.

            A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Com certeza.

            Em Marabá, a vítima é um sindicalista conhecido como Pedrão. Seu nome constava de uma lista de 127 pessoas marcadas para morrer no Pará. Ele era membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. É interessante observar que ele estava participando de um encontro sobre direitos humanos na cidade de Marabá e, nesse encontro, ele deu um depoimento dizendo que estava ameaçado de morte. Pois bem, ele saiu do encontro por volta das 17 horas e às 19 horas e 30 minutos foi assassinado.

Amanhã será votado este relatório. O Estado do Pará merece um capítulo especial. Ressaltarei pontos fundamentais do relatório.

Concentração fundiária.

A questão agrária brasileira é marcada pela concentração fundiária, pelos conflitos coletivos por terra e pela violência contra trabalhadores rurais. Dados oficiais revelam que 1,6% dos proprietários com imóveis acima de mil hectares detêm 46,8% do total da área cadastrada pelo Incra no País. Por outro lado, mais de 4 milhões de famílias de trabalhadores rurais procuram um pedaço de chão.

Senador Sibá Machado, o Governo Lula - ontem fiz este registro aqui quando votamos e aprovamos a MP do Bem - permitirá a regularização fundiária, somente na nossa região, na Amazônia, de mais de 90% dos proprietários cadastrados no Incra. Essas famílias, que trabalham a terra, têm até 500 hectares e vão receber seu título de propriedade. Isso mostra que a grande maioria não é de grandes proprietários. Isso só reforça esse dado.

A concentração fundiária é a principal responsável pelos conflitos ocorridos em todas as regiões do Brasil e pelos altos índices de violência no meio rural. Infelizmente, o Estado do Pará continua com o triste título de campeão de violência e também de campeão da impunidade. É a total falência da segurança pública, ou melhor, é a insegurança pública no Estado do Pará, infelizmente, porque tem deixado as famílias reféns da violência.

Não terei tempo, pois amanhã vamos discutir o relatório da CPMI, mas eu queria fazer aqui uma ressalva: creio que o relatório ainda precisa, sim, de ajustes. Estou apresentando, para que possamos aprovar amanhã, na CPMI da Terra, um requerimento ao Ministério Público indicando a extinção da UDR, entidade que apenas tem contribuído para a violência na terra e para financiar, inclusive, essa violência.

(Interrupção no som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Infelizmente, não consigo ver, nas páginas da imprensa, nem no pronunciamento de alguns Parlamentares, a abissal diferença entre o repasse de recursos para as entidades de trabalhadores tão criticadas, os R$ 41 milhões; e nenhuma palavra, omissão total, sobre o repasse de R$ 1,052 bilhão às entidades dos latifundiários, proprietários de terra. Não quero dizer aqui que todos os proprietários de terra, grandes proprietários, contribuam com a violência, façam parte de consórcio. De forma alguma. Tenho plena certeza de que a maioria não faz parte.

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Mas, infelizmente, não se consegue discutir e votar uma PEC que simplesmente propõe a expropriação da terra daqueles que praticam o trabalho escravo neste País, em pleno Século XXI - infelizmente, também no Estado no Pará, foi encontrado o maior índice de incidência de trabalho análogo ao de escravo. Há dois anos, essa PEC está na Câmara dos Deputados e não é votada. E todos dizem que são contra quem pratica trabalho escravo. Todos são contra, mas não conseguem votar algo que possa combater, de forma mais precisa, essa violência contra toda a sociedade brasileira, que é ainda a existência do trabalho escravo.

Parabenizo o Deputado João Alfredo e digo que ainda vou fazer este requerimento para que solicitemos ao Ministério Público a extinção da UDR, onde ela ainda existe, inclusive em âmbito nacional. E lamento que setores da imprensa só dêem guarida, só dêem espaço para tentar incriminar as organizações dos trabalhadores rurais.

Cobremos do Poder Executivo Federal; cobremos do Governo Lula que se realize a reforma agrária de forma mais acelerada, mesmo reconhecendo, sem dúvida alguma, os grandes avanços que já foram feitos. Por outro lado, não se pode deixar de cobrar, neste País, que as entidades representantes dos grandes produtores, entidades que receberam repasse de mais de R$ 1 bilhão, também contribuam com o fim da violência, Senador, porque, infelizmente, grande parte delas tem contribuído é com a ampliação da violência no nosso País.

A CPMI da Terra, para alguns, pode ter sido criada para incriminar os trabalhadores rurais, mas acredito que o Relator, Deputado João Alfredo, fez um amplo e preciso diagnóstico sobre a situação fundiária neste País e fez recomendações também precisas, que poderão não resolver o problema totalmente, mas, com certeza, Senador Sibá Machado, se adotadas, tanto pelo Poder Executivo, em nível federal e estadual, quanto pelo Poder Legislativo, também neste Congresso Nacional e Assembléias Legislativas Estaduais, como também pelo Poder Judiciário, vão contribuir para a paz no campo, que é o que todos queremos.

Os responsáveis pela violência não podem ser as vítimas, como se quer fazer. Basta ver os números, Senador. Quem morre com a violência na terra? Quantos proprietários morreram? Quantos assassinos foram condenados? Sabem quantos mandantes, de mais de mil assassinatos, foram condenados até hoje no Brasil? Quinze, Senador. Quinze! É ridículo! É pífio! E muitos, quando são presos, ainda fogem.

            Outro dia, aquele programa que passa às quintas-feiras, na Globo, o Linha Direta, mostrava a situação do Estado do Pará, de vários assassinatos e da impunidade, que infelizmente ainda grassa.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Senadora, concederei mais um minuto para V. Exª concluir, por gentileza.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - O nosso Estado é rico, tem um povo trabalhador, tem um povo pacífico, mas, infelizmente, é vítima de um modelo que, embora tenha feito do Pará o Estado com a maior quantidade de assentamentos, realizou muitos deles de forma irresponsável, inconseqüente, a 100, 200 quilômetros distantes de estradas. Era assim que o Governo Fernando Henrique dizia que fazia a maior reforma agrária do mundo. Ele não fez reforma agrária coisa nenhuma.

Aqui estão caminhos importantes.

Proponho que o Ministério Público peça a extinção desta entidade que só nos envergonha por ainda existir neste País: a UDR.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2005 - Página 40737