Discurso durante a 204ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a relatório referente a documentos da CEF de resposta a requerimento de informações sobre as transações bancárias realizadas com o BMG.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • Comentários a relatório referente a documentos da CEF de resposta a requerimento de informações sobre as transações bancárias realizadas com o BMG.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2005 - Página 40883
Assunto
Outros > CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, RELATORIO, CONSULTORIA, SENADO, DEMONSTRAÇÃO, INDICIO, IRREGULARIDADE, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), OPERAÇÃO, BANCO PARTICULAR, EMPRESTIMO EM CONSIGNAÇÃO, APOSENTADO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), PROTESTO, ATUAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, CONCESSÃO, PRIVILEGIO, PAGAMENTO A VISTA, AUSENCIA, ANALISE, VIABILIDADE.
  • LEITURA, TRECHO, NOTA OFICIAL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), AUSENCIA, ESCLARECIMENTOS, OPERAÇÃO, SUSPEIÇÃO, TENTATIVA, OCULTAÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • ENCAMINHAMENTO, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), REALIZAÇÃO, AUDITORIA, INVESTIGAÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).

************************************************************************************************

DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR ALVARO DIAS NA SESSÃO DO DIA 21 DE NOVEMBRO, DE 2005, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

************************************************************************************************

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última semana, apresentamos estudos realizados pela Consultoria Legislativa do Senado relativamente a documentos da Caixa Econômica Federal repassados à Mesa do Senado em atendimento a um pedido de informações que apresentamos. E esse relatório da Consultoria técnica demonstra que a Caixa Econômica Federal realizou operações temerárias com o Banco de Minas Gerais.

A Caixa Econômica Federal adquiriu parte da carteira de consignação do BMG, dos seus empréstimos consignados, perfazendo uma transação da ordem de R$1 bilhão - mais precisamente de R$1,094 bilhão. Mas é bom antes relembrar que, em função de uma medida provisória editada pelo Presidente Lula, o Governo concedeu ao BMG o privilégio de, durante três meses, com exclusividade, manter a carteira de crédito consignado dos aposentados do INSS.

É evidente que isso fez com que o BMG saltasse à frente dos seus concorrentes com uma carteira significativa de valores expressivos. Logo adiante, o Banco de Minas Gerais vende à Caixa Econômica Federal parte dessa carteira, no valor de R$1,094 bilhão, com um ágio de R$159 milhões, obtendo um lucro à vista de R$209 milhões.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Caixa Econômica Federal, sem a necessária prudência, sem a cautela indispensável, sem a análise técnica que correspondesse à importância do negócio celebrado, oferece um privilégio de um lucro fantástico de R$209 milhões à vista ao BMG. Inicialmente, os valores deveriam ser saldados em 12 vezes. No entanto, uma alteração proporcionou ao BMG receber à vista, com um ágio, também sem a necessária justificativa, de R$159 milhões.

Pois bem; depois que anunciamos que a Caixa Econômica Federal realizava um negócio beneficiando uma instituição financeira privada em detrimento do povo do País, porque a Caixa Econômica é um patrimônio da população... Não afirmei em nenhum momento, como conclusão desse trabalho técnico da Consultoria do Senado, auxiliada também por auditores do Tribunal de Contas da União, que a Caixa Econômica estava tomando um prejuízo, mas concluímos que a Caixa Econômica estava deixando de ganhar, em três anos, cerca de R$350 milhões. Uma instituição financeira do povo do País deixa de lucrar para que uma instituição financeira privada possa lucrar e obter, sem risco algum, à vista, esse lucro de R$209 milhões.

A Caixa Econômica Federal, por intermédio da sua assessoria de imprensa, emite uma nota-resposta no mínimo arrogante. A nota não justifica, mas agride. Diz o seguinte, em determinado trecho:

Na verdade, [a denúncia] é um “factóide”, irresponsável e calunioso. Ele ofende a honra de todos os empregados da Caixa Econômica Federal em diversas instâncias (...)

            Ora, Sr. Presidente, essa denúncia teve origem exatamente em funcionários da Caixa Econômica Federal. A denúncia chegou até nós por intermédio de funcionários da Caixa Econômica Federal. Ao contrário de agredir funcionários da Caixa Econômica Federal, estamos agindo exatamente em sua defesa, dos funcionários exemplares que certamente não compactuam com determinadas operações que privilegiam determinadas instituições, sobretudo neste caso, quando há uma investigação de um esquema de corrupção, e uma das justificativas para o abastecimento do caixa desse esquema de corrupção é exatamente a realização de empréstimos por essa instituição financeira, empréstimos de R$29 milhões que, segundo o Sr. Marcos Valério, foram repassados ao Partido dos Trabalhadores. A nosso ver, foram empréstimos fictícios, operações contábeis para justificar o repasse de recursos de origem duvidosa, certamente recursos de origem pública. E a razão da denúncia que se fez é exatamente a tentativa de identificar as fontes de custeio desse esquema de corrupção.

A nota da Caixa Econômica Federal apenas informa que os créditos negociados junto a instituições financeiras são referentes a desconto em folha de pagamento. De acordo com a nota, não se sabe se os bancos ficaram com a carteira, bem como não se informam as condições nas quais os bancos privados fecharam negócios com o BMG. A nota faz referência a outras operações similares com bancos privados. Apenas como exemplo, no caso do acordo fechado com o Banco Itaú, o BMG se comprometia a comercializar produtos do Itaú, inclusive fundos de investimentos de previdência privada, seguros e fundos.

Apenas para se ter uma idéia da maneira como foi celebrado o acordo entre o Itaú e o BMG, o acordo entre as partes continha mais de 350 folhas. O contrato do Banco Itaú foi auditado pela KPMG, uma das maiores empresas de auditoria do mundo, que ficou encarregada de analisar trimestralmente a exatidão das informações fornecidas pelo BMG.

Por sua vez, a Caixa Econômica Federal não encaminhou a cópia do contrato com o BMG, mas apenas uma resolução de duas folhas que autoriza a celebração com base em um parecer de seis folhas. Não consta no processo da Caixa a realização de nenhum tipo de auditoria externa. Existe apenas um relatório de due diligence elaborado por técnicos da própria Caixa, no qual a análise é feita com extrema superficialidade, como pode ser observado no processo.

Além disso, não consta nenhum relatório de acompanhamento do contrato, bem como nenhum estudo que demonstre a evolução real do negócio.

Contudo, ainda que os bancos privados tenham negociado cessão de créditos de pensionistas do INSS com o BMG, é necessário salientar que o fato de o BMG ter feito acordos com o setor privado não justifica a postura da Caixa de fechar um contrato de alto risco operacional, no valor de mais de R$1 bilhão, sem que se comprovasse a viabilidade econômica e financeira da transação.

É importante frisar que, no processo, não consta nenhum fluxo financeiro que dê fundamento aos lucros apresentados na nota divulgada pela Caixa. De acordo com a documentação que respaldou a assinatura do contrato, a Caixa Econômica nunca chegou a fazer um estudo da evolução real do negócio, de modo a demonstrar efetivamente a viabilidade, embora venha negociando tranches ao longo de 2005. Além disso, a Caixa, como instituição pública, tem o dever de demonstrar a viabilidade do negócio.

Portanto, a intenção da Caixa de justificar o fechamento do acordo com base no simples argumento de que bancos privados também fizeram acordos similares nos parece uma pífia tentativa de confundir a opinião pública.

A Caixa, na sua nota, diz que:

O acordo do BMG com a Caixa Econômica Federal não fugiu desse escopo. Foram duas cessões de crédito no valor de R$500 milhões e estabelecimento de Acordo Operacional para aquisições futuras, durante 24 meses, de até R$100 milhões/mês, das quais já se concretizaram sete aquisições no valor de R$966 milhões.

Ora, Sr. Presidente, essa justificativa desmente o argumento apresentado para assinatura do primeiro acordo entre a Caixa e o Banco. O motivo alegado pelo BMG para negociar o primeiro tranche de créditos seria a falta de liquidez no mercado, em razão do processo de intervenção no Banco Santos. Contudo, novos tranches foram negociados em período que vai muito além da crise provocada pela insolvência do Banco. Portanto, essa justificativa não tem sentido. E vai além: “Para não se analisar de maneira leviana a operação, há a necessidade de conhecimento de certos conceitos técnicos”. E afirma que não houve ágio. Ora, Sr. Presidente, como não houve ágio? O próprio contrato assinado pelo Presidente da Caixa refere-se, em determinado item, a ágio. Isso beira ao ridículo. O ágio é da ordem de R$159 milhões. Diz a Caixa:

Quando se fala de ágio, significa a diferença entre o valor presente líquido pago pela Caixa pela carteira e o saldo devedor dos contratos na data da aquisição. O ágio serve para cobrir todas as despesas da originação dos contratos e também representa o ganho do BMG na venda dos créditos.

Pois bem, é exatamente isso que se questiona, o ganho do Banco, sem que houvesse nenhum estudo que definisse o justo valor. Na verdade, o Banco ganhou excessivamente. Há alguma razão para isso. Há a não-retribuição de algum favor oferecido pelo Banco. É exatamente isso que se investiga. Esse lucro bruto, segundo a Caixa, é base de incidência tributária. A Caixa desconsidera, ao fazer essa assertiva, que, ao receber os recursos líquidos, o Banco pode aplicar em outras coisas e ganhar mais.

“A receita da Caixa [esta é a explicação da Caixa] é a diferença entre o valor total do fluxo futuro dos contratos e o valor pago, a Caixa comprou com deságio. Este valor representa o ganho da Caixa [...].”

Primeiramente, é de se estranhar que um banco calcule o seu lucro com base em uma fórmula que compara valor presente pago com valor futuro de receita prevista para o negócio, o que seria o mesmo que comparar laranjas com bananas.

Lamentavelmente, o Banco perde a oportunidade de justificar os indícios de irregularidade e procura confundir a opinião pública ao informar que o risco de crédito é pequeno. De fato, o risco de crédito é pequeno, pois são créditos consignados em folha. Contudo, o Banco ignora os altos riscos operacionais presentes nesse tipo de transação, o que valeu, inclusive, diversas ressalvas nos pareceres emitidos pelos órgãos técnicos da Caixa, que alertavam para o risco do negócio. O Banco finge que esses riscos não existem, o que é um grande absurdo.

A Caixa afirma que “não deixou de emprestar (e ganhar) por ter feito essa aquisição de carteira. Obteve um ganho em relação à oportunidade de ter o mesmo valor aplicado em tesouraria. Além disso, adquiriu uma base de clientes devedores do outro banco”.

Ora, é subestimar a inteligência da população afirmar que o dinheiro ficaria na tesouraria da Caixa. Na pior das hipóteses, seria aplicado em títulos do Tesouro, com remuneração atrelada à taxa selic.

Além disso, a Caixa não adquiriu a base de clientes do outro Banco, porque o BMG não lhe repassou o cadastro.

Por fim, a CEF se esquivou de explicar por que não concedeu diretamente os empréstimos, investindo na captação de clientes, visto que ela já operava esse tipo de crédito antes do BMG entrar no mercado. Cabe lembrar que foi demonstrado que a estatal lucraria muito mais, caso optasse por emprestar diretamente o dinheiro. Ganharia cerca de R$350 milhões a mais se agisse dessa forma.

A Caixa diz que a motivação, assim como a de outros grandes bancos - inclusive, conforme anunciado nesta semana, o Citibank -, foi aproveitar a oportunidade de mercado, argumento inconsistente, pois, nesse mercado, a Caixa já era líder, identificando possibilidades de negócios para aumentar sua carteira de crédito e melhorar a rentabilidade de seu ativo, comparativamente a seu custo de oportunidade.

Preliminarmente, a Caixa projeta um ganho bruto de R$905 milhões, significando um ganho acima de aplicação em tesouraria, de aproximadamente R$242 milhões.

Ora, se era uma política pública, a Caixa não necessitaria abrir a bancos como o BMG para este revender depois à CEF, o que é irracional. Ou seja, o Governo abre para o mercado, oferece o privilégio da exclusividade a um banco privado e depois um banco público, a Caixa Econômica Federal, uma instituição pública, adquire R$1,094 bilhão da carteira que ofereceu ao banco privado. Aliás, os pareceres alertavam para erros na operação.

Sr. Presidente, creio que eu teria de ter mais tempo, mas vou direto para a conclusão. Em determinado momento, a Caixa Econômica Federal informa o seguinte:

Portanto, qualquer ilação política retirada de uma operação típica de mercado, semelhante a que outros grandes bancos realizaram, trata-se de oportunismo político, buscando produzir mais uma denúncia vazia sem comprovação de fatos. Caso a Caixa tivesse algo a ocultar, não forneceria ao Senador [...]

Ora, Sr. Presidente, é a Constituição que obriga o Ministério da Fazenda a responder os requerimentos de informações que têm origem nesta Casa do Congresso Nacional. Cumpriu um dever constitucional e quando afirma que se tivesse algo a ocultar não forneceria ao Senador, passo a suspeitar que ocultou, porque cerca de cinqüenta folhas foram retiradas do processado; o processado chegou sem 50 folhas. Portanto, a nota da Caixa Econômica Federal me leva a concluir que tem algo a ocultar e que, por isso, retirou 50 folhas do processado.

Concluindo, Sr. Presidente, causa espécie o desinteresse também do BMG em tocar diretamente a concessão dos créditos consignados. Afinal, se o negócio era tão bom assim, por que o Banco optou por vender sua vasta carteira de clientes, mesmo após encerrado o clima de instabilidade no mercado causado pela intervenção do Banco Santos, conforme alegará ao negociar o primeiro tranche de créditos com a Caixa.

É importante ressaltar que o Banco não faz parte da rede de bancos que pagam benefício do INSS. Na primeira versão do empréstimo consignado, apenas os bancos que pagassem o benefício poderiam operar com essa modalidade de crédito. A regra depois foi alterada, e o BMG também obteve o direito de comercializar esse tipo de crédito, em mais uma demonstração de favorecimento ao banco mineiro, que já ajudou muito o PT e as empresas do Sr. Marcos Valério.

Por essa razão, Sr. Presidente, vou concluir - peço apenas que dê como lido o restante do meu discurso -, afirmando que estamos encaminhando ao Tribunal de Contas da União esse relatório com todo o processado que tem origem na Caixa Econômica Federal, para que o TCU realize auditoria. Aliás, soube hoje, Sr. Presidente, que já há uma representação, junto ao Ministério Público, do TCU exatamente nesses termos. Estamos apenas reforçando, pedindo essas auditorias, para, enfim, esclarecermos a opinião pública do País sobre esse tipo de procedimento da Caixa Econômica Federal.

Estou encaminhando-o também à CPMI dos Correios para investigações. Certamente, há de se investigar em profundidade para se verificar se não se trata de mais uma fonte de recursos para abastecimento do caixa da corrupção, nesse esquema complexo e sofisticado que se instituiu em Brasília no Governo Lula.

 

************************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ALVARO DIAS EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

************************************************************************************************

Matéria referida:

“Nota para imprensa a respeito da aquisição de parte da carteira de consignação do BMG.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2005 - Página 40883