Pronunciamento de Antonio Carlos Magalhães em 23/11/2005
Discurso durante a 206ª Sessão Especial, no Senado Federal
Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.
- Autor
- Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
- Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/11/2005 - Página 40700
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, AFONSO ARINOS, EX SENADOR, PROFESSOR, PROMOTOR DE JUSTIÇA, EX MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), EX-DEPUTADO, PARTICIPAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ELABORAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PERIODO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DIREITOS, NEGRO, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL.
- LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, AFONSO ARINOS, EX SENADOR.
- REGISTRO, COLEÇÃO, DISCURSO, AFONSO ARINOS, EX SENADOR, EDIÇÃO, SENADO, ESPECIFICAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, PROTESTO, GOVERNO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros; Senador José Sarney; meu caro Senador Paulo Paim, permanentemente Secretário e Vice-Presidente; prezado amigo Affonso Arinos de Mello Franco Filho, Senador Marco Maciel, ex-Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, saúdo os embaixadores e os amigos presentes na figura de um grande amigo e amigo do Afonso Arinos e que com ele debatia as causas melhores do Brasil: o Padre Aleixo.
Meus irmãos afrodescendentes, sou da Bahia, e a Bahia é a terra de todos vocês. A Bahia tem muito orgulho de ser o maior contingente de afrodescendentes de todo o Brasil.
Sr. Presidente, senhoras e senhores, falo, neste momento, de Afonso Arinos de Melo Franco. Do jurista, do professor, do político, do historiador, do crítico, do ensaísta, do memorialista.
Descrever cada uma dessas facetas profissionais desse brasileiro eminente e que o Senado Federal, com muita justiça, homenageia no dia de hoje exigiria muito mais do que um pronunciamento, talvez um livro bem minucioso.
Afonso Arinos foi um daqueles homens predestinados, pois seu destino já estava traçado desde a ascendência.
O avô, Cesário Alvim, foi político destacado no Império e na República.
O pai, Afrânio de Melo Franco, pontuou na Primeira e Segunda Repúblicas.
Seus irmãos se destacaram na Revolução de 1930 e na redemocratização, em 1945.
Com Virgílio de Melo Franco cheguei a conviver. Uma figura notável de lutador, um homem talvez dos mais corajosos que conheci, cuja vida foi interrompida bruscamente e de forma trágica.
A essa herança cívica, Afonso Arinos juntou uma brilhante formação intelectual que, fortalecida por seu ilibado caráter, pavimentou o caminho para que se tornasse um dos maiores homens públicos do século passado no Brasil.
Afonso Arinos foi um vencedor em todas as atividades que abraçou durante sua longa vida.
Como professor, ensinou na Universidade do Distrito Federal, no Instituto Rio Branco na Universidade de Montevidéu, na Sorbonne, em Paris, no Rio de Janeiro, em Buenos Aires. Foi catedrático de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade do Brasil, hoje UFRJ.
Diplomado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, foi promotor de Justiça em Belo Horizonte.
No Poder Executivo, por duas vezes, em 1961 e 1963 - como disse aqui o Senador José Sarney -, Afonso Arinos foi Ministro das Relações Exteriores, fazendo uma política totalmente diferente da política dos seus antecessores.
Em 1985, nomeado pelo Presidente José Sarney, presidiu a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais - denominada Comissão Afonso Arinos, porque ele era a figura de maior projeção entre os membros dessa Comissão -, que preparou o anteprojeto da Constituição.
Mas, Sr. Presidente, foi como Parlamentar, atividade iniciada em 1947, quando foi eleito Deputado Federal por Minas Gerais, e que findou como Senador da República, após ter sido membro da Assembléia Constituinte nos anos de 1987 e 1988, que ele se destacou definitivamente como uma das maiores figuras, pelos seus pareceres e brilhantes intervenções.
Insisto que Afonso Arinos foi um vencedor em todas as carreiras por que passou. Mas, de fato, foi a política o seu ponto alto, e realmente era como político que ele gostava de aparecer, além de ser grande professor.
Foi no Legislativo, na Câmara, no Palácio Tiradentes e aqui, com a sua postura democrática, sua visão humanista e a independência com que defendeu seus princípios, que se transformou em verdadeira bússola dos homens públicos deste País. Até nos confrontos que tinha com seus amigos prevalecia sempre, ao final, o seu caminho.
O Senador Sarney falou, com propriedade, do “caminhão do povo”, que chamávamos também de “caminhão da liberdade”. Assistíamos, no Rio de Janeiro, a algo excepcional para aquela época: era um caminhão em que todos discursavam. Aparecia aquela figura diferente, com suspensório segurando as calças, com o verbo fluente e forte que dominou a capital do País àquela época. Afonso Arinos foi, sem dúvida, um grande orador e notável Parlamentar. (Palmas.)
Em 1999, eu era Presidente desta Casa e tive a honra de editar um livro reunindo cem discursos parlamentares seus. Acho que foi dos bons trabalhos que eu realizei aqui. Lembro-me que tive dificuldade, porque, pessoalmente, escolhi, entre tantos e tão bons pronunciamentos, “apenas” cem! Como dizia o Senador Sarney, deveriam ser, talvez, algumas centenas.
Uma leitura dos discursos de Afonso Arinos é uma viagem cultural por cinqüenta anos de história deste País. É a possibilidade de ver o País pelos olhos de um homem que jamais abdicou do senso crítico e da luta por justiça social.
Apesar de ser de uma família tradicional, a justiça social predominava em seus sentimentos pessoais e, sobretudo, em seus trabalhos parlamentares. Daí por que, hoje aqui, tantos estão presentes para aplaudir sua atuação, inclusive em benefício dos afrodescendentes.
Uma leitura desses discursos é uma viagem pelo próprio País. É a possibilidade de ver o País pelos olhos de um homem que jamais abdicou do senso crítico e da justiça social - faço questão de repetir a expressão.
Gostaria de ler um trecho do seu belíssimo livro Amor a Roma, que tanto me encantou e por ele me foi oferecido - também aí não quero competir com o Senador José Sarney - com bela dedicatória. O título do livro foi extraído do palíndromo do amigo Pedro Nava, e Afonso Arinos, ao cotejar suas lembranças da juventude com as convicções que possuía, então já aos quase 80 anos, registra:
Passou meio século sobre estas lembranças, e o jovem brasileiro de então, encanecido, continua a procurar o caminho do entendimento para o Brasil de hoje.
O mesmo caminho da razão e da liberdade, o mesmo caminho da recusa às imposições do poder e às ambições dos poderosos.
De fato.
Afonso Arinos foi um homem que pôde chegar ao fim da vida mantendo a profissão da fé na boa política e no entendimento residindo em sua alma permanentemente jovem, mas já aos oitenta anos.
Um homem que jamais se deixou levar pelas tentações da vitória fácil, da adesão ao poder de ocasião.
Srªs e Srs. Senadores, difícil, senão impossível, citar um único episódio da história deste País dos últimos 50 anos do século XX em que não tenha pontuado a figura de Arinos, senão como protagonista, certamente como crítico observador dos acontecimentos.
Ele era um homem de posições fortes e de oratória poderosa.
Muitas vezes, com a verve, a força de seus argumentos e o peso de suas palavras, foi, ele próprio, o indutor dos acontecimentos.
Seus contundentes pronunciamentos de 1954 em relação a Getúlio Vargas comprovam a força que tinham suas voz e suas idéias.
Em seu discurso de 9 de agosto de 1954, falando sobre o atentado de Toneleros e sobre a visita de Getúlio Vargas para inaugurar a Fábrica da Mannesmann em Minas Gerais, nunca vi nada tão forte, que ia crescendo a cada instante, a ponto de ele falar principalmente ao Presidente da República, mas sem deixar de falar ao homem. E ao homem ele pedia que olhasse o Brasil de uma forma contundente e de uma forma que marcou, não tenho dúvida, os acontecimentos posteriores.
Então Líder da Minoria e correligionário de Lacerda, Arinos propôs que Vargas deixasse a Presidência. Chegou a taxar o Governo Vargas - perdoem-me os seus correligionários pela coincidência de agora - de um “estuário de lama”.
Todos sabemos, foi nos desdobramentos da crise gerada pelo atentado de Toneleros que Vargas veio, apenas quinze dias após o discurso de Arinos, a dar um tiro no peito.
Permita-me registrar, Sr. Presidente, que esse discurso de Afonso Arinos integra a coleção Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro, um trabalho de pesquisa e recuperação de antigas gravações de áudio que o Senado Federal realizou, a meu pedido, durante minha gestão na Presidência desta Casa.
Mas é muito bom, Srªs e Srs. Senadores, que veneremos a memória de Afonso Arinos, um bravo e ferrenho defensor do Poder Legislativo e da classe política. Especialmente nestes tempos de “pauta trancada”, em que o Senado Federal se vê impedido de legislar. Se ele aqui estivesse, sua voz estaria bem forte, impedindo que tal situação ocorresse. E também nestes tempos de orçamento contingenciado, em que o Governo Federal faz moeda de troca dos recursos aprovados pelo Congresso, em um autêntico “mensalão”, usando a expressão atual.
Que falta nos faz hoje Afonso Arinos...
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é educativo ouvirmos o que disse Arinos, em 1988, dirigindo-se a seus pares:
Nosso dever é fazer política. É defender e praticar a Constituição brasileira em vigor, acreditar nela, convocar a Nação para defendê-la. Se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfarçados [ou visíveis].
Em suma, praticar e defender a Liberdade.
Fazer Política [isso é preciso que se diga agora, quando os políticos se encontram, muitas vezes, numa baixa injusta pelo seu trabalho] é honrar nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo.
Quem estuda a obra desse brasileiro encontra ali um homem que foi somando virtudes ao longo da vida.
Ao vigor da juventude, ele somou a imorredoura esperança de humanista recém-formado, o brilho do estudioso de Direito, o viço do político guerreiro e, por fim, a perseverança e experiência de um “jovem octogenário”, que o fez iluminar, por mais de 40 anos, a política brasileira.
Pois é o centenário desse notável homem público, mineiro de Belo Horizonte, onde nasceu em 27 de novembro de 1905, que tenho a honra de homenagear neste momento.
E quero dizer algo que sempre me comove muito e que sempre procuro buscar: cada um de nós tem um sofrimento na alma; o meu sofrimento todos sabem qual é; eu, muitas vezes, busco nos livros de Afonso Arinos como ele conta a perda de seu neto na Itália; é alguma coisa que pode comover qualquer pessoa que leia. E quem teve, como eu, Luís Eduardo, nessas horas busco também em Afonso Arinos um consolo, um consolo em suas palavras, que realmente ficam muito permanentes em minha memória.
Faço isso com a esperança de que seu legado permaneça vivo entre os bons brasileiros, em especial entre os Congressistas. Um legado de honra, de defesa da liberdade, que seu filho aqui presente, Affonso Arinos de Mello Franco, tem a obrigação de continuar para a glória deste País e, sobretudo, pela honra do Parlamento brasileiro.
Muito obrigado. (Palmas.)