Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à decisão de obstrução da pauta de votação do Congresso, por parte da Oposição. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Críticas à decisão de obstrução da pauta de votação do Congresso, por parte da Oposição. (como Líder)
Aparteantes
Arthur Virgílio, Eduardo Suplicy, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2005 - Página 41189
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, DECISÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), OBSTRUÇÃO PARLAMENTAR, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO, LOBBY, JULGAMENTO, CAMARA DOS DEPUTADOS, JOSE DIRCEU, DEPUTADO FEDERAL, PROCESSO, CASSAÇÃO, MANDATO, JUSTIFICAÇÃO, ORADOR, DESRESPEITO, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
  • ESCLARECIMENTOS, RECURSO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RECLAMAÇÃO, CONSELHO, ETICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ORDEM, MANIFESTAÇÃO, DEFESA, ACUSAÇÃO, PROCESSO, CASSAÇÃO.
  • CRITICA, LOBBY, SENADOR, PREJUIZO, ISENÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, RESPEITO, DECISÃO, JUDICIARIO.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvi alguns pronunciamentos e soube da decisão da Oposição do Senado Federal, PSDB, PFL. Eu estava à mesa, participando de um seminário sobre o Pensamento de Celso Furtado, e me retirei para vir ao plenário, porque acho gravíssima a decisão política que foi tomada.

Quero chamar à reflexão os Senadores do PSDB e do PFL, a uma reflexão que é indispensável à democracia brasileira.

Não quero aqui discutir um caso específico. O que está em discussão neste momento não é se o Deputado José Dirceu deva ou não ser cassado. Não é essa a discussão. A discussão que está sendo feita hoje nesta Casa trata de dois princípios constitucionais que são essenciais à democracia: o primeiro princípio é a independência e a harmonia dos Poderes; e o segundo princípio, que é uma cláusula pétrea, igualmente relevante, são as garantias e prerrogativas individuais.

O Deputado José Dirceu representou junto ao Supremo Tribunal Federal, que é a Corte Suprema do Estado de direito deste País no que se refere ao Poder Judiciário, alegando que os seus direitos individuais estão sendo prejudicados no devido processo legal que deve amparar a tramitação do processo no Conselho de Ética. E, violentados os seus direitos, por quê? Porque, no processo, as testemunhas de defesa falaram antes da acusação.

Pergunto a esta Casa: onde há direito? Onde há justiça? Onde há Estado de direito? Onde há o devido processo legal? Em qualquer lugar deste Planeta, em qualquer momento da nossa história, a defesa é obrigada a se pronunciar antes da acusação.

Não estamos discutindo o caso de um parlamentar que foi ministro. Estamos discutindo um princípio que independe de quem é o cidadão, de qual é a circunstância, de qual é a motivação social ou política. Estamos discutindo o pilar da Constituição brasileira e das garantias e prerrogativas constitucionais.

Quero lembrar a este Plenário que, quando observamos a história do Estado de direito da democracia, lembramo-nos do Iluminismo, de figuras como a de Tocqueville, que dizia que o Parlamento é a Casa, cuja função mais importante da história é assegurar as prerrogativas e as garantias individuais.

Pergunto, igualmente, à Oposição: ao definir a obstrução da tramitação do Orçamento, com todas as conseqüências que essa decisão pode ter do ponto de vista dos investimentos, dos gastos sociais, da eficiência numa situação de crise das finanças públicas como a que o País atravessa, essa decisão, no momento em que tramita o processo, não constrange ou tenta constranger - e não o fará - o Supremo Tribunal Federal?

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me um aparte?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Como, num processo que tramita e em que falta um voto, o Senado Federal se pronuncia dizendo que quer interferir na soberania que a Constituição e o povo deram ao Supremo?

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me um aparte?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Como o Supremo vai preservar a Constituição brasileira se um Poder que é independente, que deve ter harmonia, manifesta-se dessa forma, dizendo que não concorda, que quer participar ou que quer interferir? Que seja motivo político-eleitoral! Eu também sinto, por parte da Oposição, que talvez esse seja um sentimento importante da opinião pública brasileira.

Já lhe concedo o aparte, Senador Arthur Virgílio.

Mas há um momento, na vida, em que não abdicamos dos princípios. Que façam a pressão que quiserem, mas a minha consciência e os meus valores não serão violentados, e, se eu tiver de ficar sozinho nesta Casa para defender a prerrogativa e a garantia individual, vou fazê-lo.

Quando eu vinha para cá, lembrei-me de um livro que alguns talvez tenham lido: A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe, uma obra clássica, exemplar, sobre a qual Paulo Francis escreveu ser a mais importante que havia encontrado na Literatura. No livro, um sujeito extremamente poderoso, rico, cheio de privilégios e benefícios na vida envolve-se num acidente muito constrangedor. Ele não assume a sua responsabilidade, e as instituições todas vão caindo na sua vida: ele perde o emprego, o apartamento, o dinheiro que tinha, a família, a amante. A Igreja se manifesta contrária e condena o que ele fez, assim como os partidos políticos e a política. Os parlamentares condenam-no com toda a veemência e tudo na vida dele vai desabando, vai desabando, vai desabando. Na rua, ele não consegue andar. Chega o dia do julgamento, e o pastor, o deputado e toda a opinião pública manifestam-se pedindo a sua condenação. E o juiz diz: “Não vou decidir sob pressão!”.

A Justiça não decide sob pressão na democracia. A Justiça decide pela sua convicção, pela consciência plena, que é a essência do seu poder normativo. É prerrogativa inviolável do juiz não julgar sob pressão da opinião pública, da Igreja, dos Partidos, da imprensa, do constrangimento. A última instituição do cidadão, quando ele está sozinho, constrangido e acuado, é a Justiça brasileira. E a última instância da Justiça é o Supremo Tribunal Federal.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me permite um aparte agora?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - E essa instância é inviolável quando se trata de garantir prerrogativas individuais.

Senador Arthur Virgílio, é um grave erro o que V. Exªs estão fazendo. É um grave erro, porque agride a independência e a harmonia dos Poderes. É um grave erro, porque atenta contra prerrogativas e garantias individuais.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me um aparte agora?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - É um grave erro, porque o Supremo Tribunal Federal deve ter isenção, prestígio, apoio, reconhecimento e legitimidade. Há uma frase que muitas vezes foi repetida no Senado: “Sentença do Supremo não se discute, cumpre-se”.

Há pouco, o Senador Edison Lobão emitiu um parecer amparado nesse princípio - e corretamente deu o parecer. Independentemente da minha avaliação de mérito, deu o parecer sustentado nestes princípios: independência, harmonia dos Poderes e cumprimento de decisão do Supremo. Sem isso, podem ir até de encontro à opinião pública, mas estarão arranhando valores e princípios institucionais que não podem ser agredidos.

Termino, Senador Arthur Virgílio, para depois lhe conceder o aparte, dizendo que uma sociedade não se aperfeiçoa e se constrói pela virtude dos homens - e, sobretudo no Parlamento, falta tanta virtude a alguns homens! As virtudes da sociedade estão na força, no respeito e na consistência das instituições. Exatamente para que as instituições sejam sólidas e o cidadão possa proteger-se em qualquer circunstância, o Supremo Tribunal Federal precisa ter independência e soberania e não pode ser constrangido por qualquer atitude, muito menos de um Plenário com essa vivência, com essa cultura.

Pergunto-me: onde estaria, neste debate, Affonso Arinos, que foi homenageado ontem? Pergunto-me: onde estaria Josaphat Marinho, que, em muitos momentos, pronunciou-se, sempre com a sua consciência jurídica, contra as pressões e as conveniências de seu Partido? Pergunto-me: onde estaria Rui Barbosa se um debate como este tivesse sido feito? Tenho a certeza de que estariam ao lado da lei, da cláusula pétrea, que é garantia de direito individual, ao lado da independência e da soberania dos Poderes, ao lado do respeito à decisão do Supremo.

Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Obrigado, Senador Aloizio Mercadante. V. Exª, falando assim, passa-me quase que a impressão de que Rui Barbosa jamais fez obstrução na sua vida, ou Josaphat Marinho, ou Affonso Arinos, que foi o grande opositor a Getúlio Vargas, o responsável pelo discurso mais brilhante que se compôs naquele período que antecedeu ao suicídio do Presidente. Longe de mim - estou batendo na madeira seis vezes - querer algo parecido! Senador Aloizio Mercadante, ainda há pouco, eu o via com batimentos cardíacos alterados, e isso não é bom, pois prezo sua saúde. Depois, passou a falar de princípios, e quase que os monopolizando, numa postura que não é a do economista tão notável: parecia professor de Educação Moral e Cívica de tempos atrás. Não vamos discutir princípios. Vou esclarecer a V. Exª, de maneira tópica, a posição que adotei, que é a da minha Bancada, e cumpre a V. Exª aceitá-la, concordando com ela ou dela discordando. Não cumpre a V. Exª impedir que eu a manifeste. Vou por tópicos. Primeiro tópico: nada de intromissão na Câmara. A Câmara vai votar, se e quando quiser, a absolvição ou a cassação do Sr. José Dirceu. Nada, nada, a Câmara é completamente independente, assim como o Senado. Segundo: nenhum desrespeito ao Supremo Tribunal Federal. Respeito tanto os cinco que votaram “sim”, quanto os cinco que votaram “não”, e respeitarei o voto do sexto, seja qual for a sua posição. De jeito algum, nenhum desrespeito de nossa parte ao Supremo Tribunal Federal. Apenas entendemos - e aí entram o Congresso e, portanto, o Senado, como parte integrante do Congresso, e a concepção que temos - que, pela tradição parlamentar anglo-saxônica que o Brasil segue, a peça magna, a mais importante do Congresso, é a elaboração do Orçamento. Os ingleses dizem até, algo que latino-americano não pode repetir, que, votado o Orçamento, pode-se fechar o Congresso. Eu acho que não. Deve-se manter o Congresso aberto, mas concordo com os ingleses quanto a ser a peça mais importante a votação do Orçamento por nós. Embora não no mesmo tom que V. Exª adotou, reconheci, aqui, o direito de o Sr. José Dirceu, legitimamente, ir à última conseqüência. Que se defenda, eu até aprecio. Eu não o admiro, não admiro o de que ele é acusado, não gosto da postura pública do Sr. José Dirceu, mas até lhe reconheço a coragem, a bravura. Ele tem todo o direito de se defender à vontade, assim como temos o direito de imaginar que a peça orçamentária deva ser votada apenas quando a Câmara o absolver ou o condenar, não antes. Ela não deve ter a assinatura de alguém sobre cuja cabeça pese o cutelo da suspeição, o cutelo da ilegitimidade quanto ao seu mandato. É apenas isso. Então, não vamos imaginar que V. Exª, hoje, é o defensor do Supremo, e eu, o algoz do Supremo. Pelo amor de Deus! V. Exª não faria justiça ao que conhece de mim e nem faria justiça ao que imagino de V. Exª. Não é hora, não estamos em palanques, estamos discutindo as nossas concepções de postura dentro do Parlamento. Quando é que vão votar? Quando quiserem, não tenho nada a ver com isso. Ele que faça o máximo, que se defenda ao máximo, e que a Câmara o absolva ou o condene. Eu concordo que deve ser retirado o depoimento da Srª Kátia; concordo com a tese de V. Exª de que a defesa não pode falar antes da acusação. Estou plenamente de acordo com isso. Mas não queremos, por uma questão de princípios - e me permita lhe dizer que temos princípios também - e por termos a disposição de não fazer isso, votar o Orçamento enquanto pairar a dúvida. Ou seja, em algum momento, o Sr. José Dirceu vai ser julgado pelos seus Pares, e vão absolvê-lo ou não. Ou ele imagina que vai ficar nesse trique-trique a vida toda? Não vai. Em algum momento, será julgado. Quando for julgado e absolvido, ele assinará o Orçamento conosco. Se for julgado e condenado, ele não assinará o Orçamento conosco. Nessa hora, a depender de nós, vota-se a peça orçamentária. No mais, continue contando com a minha admiração, com o meu respeito e com o meu desejo de ajudar, inclusive a Liderança de V. Exª aqui, nas matérias que interessam ao País, porque não está em jogo o Senado, a não ser aquilo que já disse o Senador José Agripino: a se manter a perseguição ao Governador de Sergipe, perseguição de que ele acusa o seu Governo, aí entraremos, sim - já houve até a solidariedade do Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, no mesmo sentido -, em obstrução aqui também para exigir tratamento igual a todos os entes federativos. Quanto ao resto, é no Congresso e é uma questão de princípio. Agradeço a V. Exª pela paciência com que ouviu o meu pronunciamento. Mas cuidado com os seus batimentos cardíacos, pois gosto de V. Exª com batimentos saudáveis e tranqüilos.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Aloizio Mercadante, sem interromper V. Exª, nem tampouco o debate com o Senador Arthur Virgílio, prorrogo o tempo desta sessão por mais 30 minutos, para que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento e para que eu possa conceder a palavra ao Senador Heráclito Fortes.

O SR. ALOÍZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª jamais me verá nesta tribuna dizendo que a prerrogativa da minoria ou de qualquer base parlamentar da obstrução é um instrumento ilegítimo. Mesmo porque eu a fiz durante tantos anos, ao longo de quase toda a minha vida pública, na oposição, e utilizando o instrumento da obstrução inclusive em relação à tramitação do orçamento. Não é isso que estou discutindo. O que estou discutindo é que estamos no momento em que há uma decisão do Supremo Tribunal Federal em curso. Há um empate nas votações. V. Exª diz: “Se o Supremo interpretar a questão como interpretou o Ministro Cezar Peluso, retirando uma testemunha do processo, eu estou de acordo”. Vou dizer mais a V. Exª: se o Supremo, amanhã, depois de amanhã ou no mês que vem, resolver decidir, e decidir que a representação do Deputado José Dirceu não tem procedência - e que não é a minha convicção neste momento, porque o devido processo legal sempre foi constituído, a acusação fala primeiro para a defesa se posicionar -, mesmo que ele interprete que não procede neste caso, eu vou acatar, eu vou respeitar. Vou respeitar - e falo com veemência, Senador Arthur Virgílio -, porque, apesar de ser um economista, minha militância pela democracia começou desde que me conheço por gente, e, nas horas em que o êxito econômico era espetacular, a questão das garantias e prerrogativas estarem em jogo, eu sabia de que lado eu estava.

Vou ler um trecho de Aléxis de Tocqueville, que é exatamente a discussão que fazemos hoje:

Os juízes devem ser homens de estado. É necessário que saibam discernir o espírito de seu tempo, afrontar os obstáculos que é preciso vencer e desviar-se da corrente quando o turbilhão ameaça arrastar junto com eles mesmo a soberania da União e a obediência devida às suas leis.

O que Tocqueville nos ensina, quando diz que esta é a Casa das garantias e prerrogativas individuais, é que “os juízes devem desviar-se da corrente quando o turbilhão ameaça arrastar junto com eles mesmo a obediência devida às leis”. É isso que estamos discutindo.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Independente da pressão da opinião pública, independente da convicção que as pessoas possam ter em relação a um mandato - e aí volto a dizer: o mandato do Parlamentar José Dirceu e de todos os demais Parlamentares está sustentado na presunção da inocência até que o Plenário julgue, até que se encerre a última instância da defesa; ele é legítimo pelos 500 mil votos que teve na rua, e só poderá deixar de existir quando o processo legal for respeitado e a decisão democrática for feita no plenário. Até lá, ele tem o direito de votar qualquer matéria. É legal e tem amparo constitucional. Portanto, aí também a Oposição agride o princípio da presunção da inocência, que é um princípio constitucional inegociável.

Tem o aparte o Senador Eduardo Suplicy; depois, o Senador Tião Viana.

O Senador Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Aloizio Mercadante, logo que o Senador Arthur Virgílio anunciou a decisão tomada pelo PSDB de obstruir a votação do Orçamento em função da decisão do Supremo Tribunal Federal, indaguei a S. Exª o que significava essa decisão, porque, a mim me parecia que, ao mesmo tempo em que S. Exª dizia estar respeitando o órgão máximo da Justiça no Brasil, tomava uma decisão de só votar o Orçamento se o Supremo Tribunal Federal tomasse uma outra decisão que permitisse à Câmara dos Deputados votar se o mandato do Deputado José Dirceu prosseguiria ou não. Senador Aloizio Mercadante, o apelo que V. Exª faz ao bom senso é bastante apropriado. Somo-me aos argumentos expendidos por V. Exª para que o PSDB, quem sabe, mude sua decisão. Senador Arthur Virgílio, à luz do que já disse o Senador Aloizio Mercadante - e certamente o Senador Tião Viana também o dirá -, será que desta vez V. Exª, que disse ter ponderado junto aos seus colegas, não foi além da conta? Não seria próprio tomar uma decisão mais adequada? É claro, V. Exª pode fazer uma avaliação crítica da decisão da Justiça e, ao mesmo tempo, mostrar o seu respeito por ela. Mas, aqui, no Parlamento, devemos adotar o procedimento de assegurar ao Parlamentar - no caso, o Deputado José Dirceu - seu legítimo direito de defesa, e que não haja formas inadequadas de se apressar a votação, atropelando o Regimento. Se foi demonstrado ao Supremo Tribunal Federal que alguns procedimentos não foram devidamente respeitados e se o Supremo Tribunal Federal, à luz das informações prestadas, decidiu que o direito de defesa do Deputado precisa ser assegurado, como o PSDB diz, agora, que irá obstruir a votação até que haja uma mudança de decisão? Pondero, Senador Aloizio Mercadante, para que possa o Líder do PSDB, à luz de seus argumentos, pensar melhor e modificar a sua decisão, sem prejuízo daquilo que é sua convicção.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Agradeço-lhe, Senador Eduardo Suplicy.

Concedo o aparte ao Senador Tião Viana e peço a S. Exª que seja breve para que possamos concluir e respeitar as inscrições.

O Sr. Tião Viana (PT - AC) - Senador Aloizio Mercadante, V. Exª traz um tema da maior relevância para o plenário do Senado, proporcionando-nos um debate importante e inadiável. Tenho enorme admiração pelos meus colegas Senadores Arthur Virgílio e José Agripino, no entanto, creio que os Partidos que S. Exª representam, com essa decisão, cometem um equívoco claro. Lembro-me bem das palavras do Ministro Nelson Jobim, no dia de sua posse, quando fez uma consideração sobre a necessidade de o Parlamento não ter herança de períodos autoritários e recorrer, por qualquer motivo, àquela instância. Que os problemas do Legislativo fossem tratados na esfera do Legislativo. Infelizmente, os erros de procedimento se avolumam e nada cabe para quem defende as prerrogativas dos direitos constitucionais individuais a não ser, não havendo reparo do erro no Parlamento, ter que recorrer ao Supremo. Foi o que fez o Deputado José Dirceu nesta Casa. Ontem, ouvi um discurso do Deputado José Nonô, um jurista do PFL, deixando claro a legitimidade, o incentivo e todo o apreço que tinha para que o Deputado José Dirceu recorresse a todas as instâncias possíveis na sua legítima defesa. Era um direito sagrado que deveria ser estimulado. Creio que não podemos abrir mão. Seu pronunciamento procura esse equilíbrio. Não é adequado que, além do protesto que deve ser livre qualquer Partido fazer a uma decisão do Supremo, criemos um sentimento de disputa entre Poderes, porque não faz bem à democracia.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (PT - SP) - Por isso, Senador Tião Viana, quero inscrever nos Anais esse trecho de Alex de Tocqueville. Que sirva de inspiração aos juízes, principalmente ao Ministro Sepúlveda Pertence, que dará o voto decisivo nesse processo e que, por sua história, seguramente, julgará conforme sua consciência.

De antemão, deixo registrado neste plenário que qualquer que seja a decisão do Ministro Sepúlveda Pertence, o Supremo Tribunal Federal terá o meu respeito e a minha consideração. Mesmo que essa decisão não seja a que eu considero...

(Interrupção do som.)

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Só para concluir, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Heráclito Fortes. PFL - PI) - Tem V. Exª a palavra para concluir.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - A decisão será respeitada.

Repito: “Os juízes devem ser homens de Estado. É necessário que saibam discernir o espírito de seu tempo, afrontar obstáculos que é possível vencer e desviar-se da corrente, quando o turbilhão ameaça arrastar, junto com eles mesmos, a soberania da União e a obediência devida a suas leis”.

Portanto, Ministro Sepúlveda Pertence, respeitarei qualquer que seja a decisão de V. Exª e do Supremo Tribunal Federal, mesmo que não seja a que eu considero a mais legítima, que é respeitar um princípio histórico do Código de Processo, que é o de que a acusação fala antes da defesa, o que não foi respeitado nesse processo.

Insisto em que, se o preço dessa decisão é atrasar o Orçamento, não vale a pena violar o princípio e a garantia individual, porque, sem ela, não há democracia, não há estado de direito.

Espero que a Oposição reflita sobre a sua decisão. Os efeitos do atraso na tramitação e na aprovação do Orçamento são muito severos para a economia, para as políticas sociais, para os investimentos e especialmente para o Estado endividado, com crise nas suas finanças públicas. Porém, é um direito da Oposição obstruir, com toda a responsabilidade com que ela deve arcar sobre essa decisão.

Repito: não há qualquer ação de Bancada Parlamentar que possa violar os princípios fundamentais da Constituição. E aqui estão dois princípios pilares, que são cláusulas pétreas: independência, harmonia dos poderes, garantias e prerrogativas individuais. Que prevaleçam sobre as circunstâncias e os turbilhões!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2005 - Página 41189