Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio e engajamento à campanha "16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres".

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • Apoio e engajamento à campanha "16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres".
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2005 - Página 41222
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • REGISTRO, APOIO, CAMPANHA, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.
  • LEITURA, DEFINIÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONCEITO, VIOLENCIA, MULHER, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), INCIDENCIA, AGRESSÃO, MUNDO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como não poderia deixar de ser, hoje venho a esta tribuna por uma causa urgente, premente, fundamental: o fim da violência contra a mulher. Em apoio e pelo engajamento de todos na campanha "16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres", trago aqui fatos que, incrivelmente, ainda acontecem em pleno século XXI.

Na definição da Convenção de Belém do Pará - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994, a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993 diz que: “A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres...”

A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública.

As definições e as ações que acabei de citar tiveram lugar no início da década de 90. De lá para cá, a luta pelo fim da violência contra a mulher continua acirrada, mas muito ainda temos que caminhar, que evoluir, que conscientizar.

Segundo dados de Pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão, da Sociedade Mundial de Vitimologia (IVW) e da Fundação Perseu Abramo, a situação no Brasil é estarrecedora: a cada 15 segundos, uma mulher é agredida por seu companheiro; o Brasil lidera o ranking da violência doméstica entre 54 países; 23% das brasileiras estão sujeitas a esse tipo de agressão; a mulher só faz a denúncia depois de levar, em média, dez surras.

Levantamento recente da OMS revelou que quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex. A violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo todo. Em alguns países, até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente, e até 47% declaram que sua primeira relação sexual foi forçada.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que, no Brasil, apenas 10% das vítimas de violência sexual prestam queixa à polícia. Com base em 8.600 prontuários médicos de mulheres atendidas entre 1998 e 2003 em três centros de referência da cidade de São Paulo, o levantamento dá conta de que essa omissão ocorre principalmente por dois motivos: o desconhecimento da existência de delegacias especializadas e o temor de humilhações e maus-tratos.

Ainda de acordo com essa pesquisa, quando se trata de estupro cometido por pessoa desconhecida, a porcentagem de vítimas que procuram a Justiça não aumenta em proporção significativa. Da mesma maneira, não raro o próprio sistema desqualifica a acusação, como se a mulher fosse igualmente responsável pela violência sofrida. São freqüentes, por exemplo, queixas de vítimas a respeito de perguntas de policiais sobre a roupa que vestiam no momento do crime.

A agressão à mulher muitas vezes acontece porque, em nossa sociedade, muita gente ainda acha que o melhor jeito de resolver um conflito é a violência e que os homens são mais fortes e superiores às mulheres. É assim que, muitas vezes, os maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres.

Embora muitas vezes o álcool, drogas ilegais e ciúmes sejam apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade ainda hoje valoriza o papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar os meninos e as meninas. Enquanto os meninos são incentivados a dar mais valor a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros.

Estima-se, Srªs e Srs. Senadores, que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Para elas é difícil dar um basta naquela situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela idéia do “ruim com ele, pior sem ele”.

Muitas mulheres se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então alguma amiga próxima, vizinha ou colega de trabalho. O mais grave é que já se concluiu que, principalmente nos casos de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos, o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor.

É por isso, Sr. Presidente, que não podemos nos calar. Temos que falar, temos que agir, temos que denunciar. A mulher possui uma força interior rara, e muitas vezes esta força é usada para suportar o sofrimento. Essa mentalidade tem que ser mudada. Viemos ao mundo para sorrir, sermos felizes, viver plenamente nossa capacidade de amar, de lutar, de crescer como ser humano - mas sendo amadas, respeitadas, admiradas, bem tratadas. Para isso fomos cunhadas, e é para isso que vivemos.

Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2005 - Página 41222