Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia Mundial de Combate à Violência contra a Mulher.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL. POLITICA ENERGETICA. POLITICA SANITARIA. FEMINISMO.:
  • Transcurso, hoje, do Dia Mundial de Combate à Violência contra a Mulher.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2005 - Página 41278
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL. POLITICA ENERGETICA. POLITICA SANITARIA. FEMINISMO.
Indexação
  • CRITICA, EMPRESA, EXPLORAÇÃO, FERRO, MUNICIPIO, CORUMBA (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), DESCUMPRIMENTO, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, REGIÃO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, REFERENCIA, GAS NATURAL, REGISTRO, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, BENEFICIO, ELIMINAÇÃO, POSSIBILIDADE, CRISE, SETOR, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA.
  • REGISTRO, INEFICACIA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, SANEAMENTO BASICO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, VIOLENCIA, MULHER, ANALISE, INJUSTIÇA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MUNDO.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Quem foi Presidente desta Casa continuará sempre sendo Presidente desta Casa e do Congresso Nacional, meu caro conterrâneo, Presidente Senador Ramez Tebet.

Eu gostaria só, Sr. Presidente, antes de falar rapidamente - e já fui antecipado pelo Líder Senador Arthur Virgílio -, de fazer três registros, um relativo ao nosso Estado, que é o comportamento da Rio Tinto Zinc, empresa de mineração que explora minério de ferro no nosso Estado, na fronteira com a Bolívia, na minha cidade, em Corumbá, que infelizmente não tem cumprido com os compromissos assumidos com o Governo Federal, principalmente com relação a investimentos na região. Mas isso vai ser motivo, Sr. Presidente, de um discurso específico que farei, espero, na próxima semana.

Outro assunto que eu gostaria de registrar, Sr. Presidente, é relativo à lei do gás natural, trabalho hoje desenvolvido pelo autor do projeto, Senador Rodolpho Tourinho. O projeto é de absoluta importância para o País, porque o gás natural, inevitavelmente, será o combustível do futuro no Brasil. E carece de uma regulamentação clara, até porque, não tenho dúvida nenhuma, o gás natural será o grande responsável pela eliminação do apagão no final dessa década.

Esse é um tema importante que será debatido à exaustão. O Senador Tourinho já apresentou uma série de emendas fundamentais, importantes, e eu entendo que em pouco tempo esse tema assumirá um espaço grande na pauta de todos os Senadores e Senadoras desta Casa.

O terceiro ponto, Sr. Presidente, também ao qual vou-me reportar posteriormente, é o projeto do Senador Camata sobre saneamento que tramita aqui no Senado, mais especificamente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Nós, há muito tempo, patinamos no saneamento no Brasil, o que é lamentável. O projeto enviado pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados não atende ao setor. Portanto, não reúne condições mínimas de aprovação na Câmara dos Deputados. Nós precisamos trabalhar intensamente no sentido de buscar outras alternativas e outras soluções, principalmente para a área de saneamento, regulamentando o saneamento, criando condições para investimentos numa área extremamente vital e importante na preservação da saúde do nosso povo.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o motivo que me traz à tribuna é exatamente a resolução da ONU, citada aqui pelo Senador Arthur Virgílio.

Desde o ano de 1999, a Assembléia-Geral das Nações Unidas estabeleceu o 25 de novembro como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, Senadora Iris. A data também homenageia as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, militantes políticas mortas em 25 de novembro de 1960, por ordem do ditador Rafael Trujillo, da República Dominicana.

A ninguém escapa a idéia de que o recurso à violência é quase sempre odioso e merece repúdio de todos os que lutam, no Brasil e no exterior, pela construção de uma nova consciência, pela paz social e pela racionalização dos conflitos humanos, que devem ser conhecidos e solucionados de maneira civilizada, urbana e moderna.

A violência perpetrada pelos homens contra as mulheres, no entanto, apresenta um traço mais grave e é ainda mais inaceitável porque acopla ao uso irracional da força um componente verdadeiramente abjeto: a covardia do mais forte; a injustiça daquele que se vale da força física para intimidar a sua companheira, a sua esposa, a mulher com quem conta no gerenciamento da vida familiar.

O destino dos seres humanos, no plano da matéria, resulta da conjunção dos mais diversos fatores, tais como classe social, cultura, família e grau de instrução. Entre tantas circunstâncias imponderáveis que delimitam e modulam a nossa existência, a combinação aleatória de cromossomos é talvez a mais fundamental, pois determina a nossa sexualidade e o nosso destino.

A frase, tantas vezes repetida, de Simone de Beauvoir - a feminista que dizia que a mulher não nasce mulher, mas aprende, em sociedade, a viver e aceitar sua condição - ganha maior significado quando pensamos o quanto a vida em comunidade tende a rebaixar o papel das nossas companheiras. Mesmo em circunstâncias as mais sutis, como a mera premiação de atletas em competições desportivas, o gordo cheque do macho vitorioso contrasta com o ganho modesto da vencedora na categoria feminina.

A emancipação feminina representa, em minha opinião, o mais importante avanço social do século XX, em meio a tantas outras utopias - factíveis ou inalcançáveis - que não resistiram à dialética impiedosa da História. De um papel antes submisso, apequenado, coadjuvante, subserviente, menor, submetido ao destino do seu provedor - pai ou marido -, as mulheres acabaram por forjar, pela luta, pela argumentação racional, pela insubordinação, pelo protesto, uma nova postura diante da vida e da sociedade. Nossas companheiras arregaçaram as mangas e partiram, com alegria e coragem, para a luta aberta, ocupando, por mérito e competência, os bancos das universidades, os postos de trabalho e as posições de destaque no Estado, nas profissões liberais e na iniciativa privada.

A despeito dos progressos visíveis na condição feminina, vivemos ainda um momento longo de transição, em que a autonomia conquistada não foi completamente assimilada pelos homens em seu conjunto. Disso resulta a triste constatação de que a nova mulher ainda terá que conviver, por algum tempo mais, com incompreensões masculinas, que, tantas vezes, degeneram em violência pura e simples, sobretudo na intimidade do lar. Ao contrário do se supõe, o espaço doméstico é o lugar em que as mulheres são mais suscetíveis de sofrer violências e abusos.

Embora o fenômeno seja pouco visível, pois a vítima da agressão normalmente prefere limitar o problema intramuros, a violência no lar perpassa todas as classes sociais, todos os bairros e regiões das cidades, e atinge, indistintamente, as mulheres pobres, as remediadas e as mais afortunadas, porque a cultura, sexista, regressista e atrasada que sustenta esse estado de coisas é partilhada por razoável parcela da população.

Os resultados são gravíssimos para a sociedade, já que a mulher que sofre violência, no lar ou no trabalho, passa a produzir menos e a faltar mais, além de cultivar amarguras, tristezas e o sentimento de baixa auto-estima que, muitas vezes, resulta em depressão psicológica.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Delcídio Amaral, permita-me uma breve intervenção?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Senadores Edison Lobão e Cristovam Buarque, que me honram muito com suas intervenções.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Delcídio Amaral, fico feliz não apenas de ouvir esse seu discurso no dia que se reserva para a luta pela eliminação da violência contra as mulheres, mas também porque o seu discurso não fica preso apenas à violência física e psicológica, que é tão grave e tão absurda, e trata da violência da economia contra as mulheres. Na pobreza, ninguém sofre mais do que as crianças e as mulheres. Os velhos também, mas as mulheres sobretudo, porque elas encarnam o drama da pobreza dentro de casa; são elas que sofrem mais quando a criança não tem escola; são elas que sofrem mais quando elas não têm um médico para os seus filhos; são elas que sofrem mais pelos salários baixos. Parabéns porque o seu discurso não ficou restrito apenas ao problema da violência física.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Cristovam.

Ouço o aparte do Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Cumprimento V. Exª pela iniciativa que teve nesta manhã de abordar assunto de tão grande importância. Senador Delcídio Amaral, não há dúvida de que a mulher já alcançou grande avanço na integração neste mundo moderno em que vivemos, e ela o fez por iniciativa própria, por luta dela. Aliás, V. Exª registra isso. Elas foram determinadas, no mundo inteiro, e no Brasil - eu diria - especialmente, e sem dúvida alguma já se inseriram no contexto mundial da vida comunitária a que tinham direito. O problema da violência é que ainda resta combater em toda a sua extensão. Quando fui Governador, uma das minhas primeiras medidas administrativas foi a criação de uma delegacia da mulher, como símbolo de que a mulher precisa ser respeitada em todos os aspectos. Hoje em dia, as mulheres realmente integram todos os campos da atividade humana e estão na universidade - isso também foi mencionado por V. Exª - em maioria; as mulheres hoje são maioria nas universidades. Elas continuam avançando, e fazem-no por mérito próprio, mas devemos estender-lhes a mão cada vez com mais intensidade e mais sinceramente para que, de fato, elas tenham, dentro de muito pouco tempo...

(Interrupção do som.)

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - ...essa participação total que todos nós desejamos. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senador Lobão.

O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet. PMDB - MS) - O tempo de V. Exª foi prorrogado.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Daí a necessidade de se enfrentar o problema da violência contra a mulher com coragem política, inclusive porque essa luta é um imperativo de saúde pública, além de um passo fundamental para o aprofundamento do respeito integral à vida, em nosso País.

Do debate incessante nas escolas e nas universidades, públicas e privadas, e do surgimento de novas políticas protetivas, como a bem-sucedida criação das delegacias da mulher - como disse aqui muito bem o Senador Edison Lobão -, haverá de surgir uma nova consciência masculina, tão almejada e bem-vinda. Daí o nosso aplauso à iniciativa da ONU, pelo estabelecimento do dia 25 de novembro como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher.

As estatísticas demonstram a relevância do tema. Segundo a Fundação Perseu Abramo, a cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. A Anistia Internacional sustenta que uma em cada três mulheres no mundo - algo em torno de um bilhão de mulheres - já foi espancada, forçada a manter relações sexuais, ou sofreu algum tipo de abuso por parte de homens desprovidos de respeito pelo próximo. Ainda segundo a Anistia Internacional, 20% das mulheres já sofreram violência sexual na infância. A ONU, por sua vez, atesta que metade das mulheres assassinadas, em todo o mundo, foi morta pelo seu companheiro, atual ou antigo.

Sr. Presidente, peço um pouco mais de tempo para concluir rapidamente o meu discurso.

Srªs e Srs. Senadores, é imperioso que o Congresso Nacional trabalhe para reduzir drasticamente os casos de violência contra a mulher no Brasil. As mulheres têm o sagrado direito de viver sem que sofram qualquer tipo de violência, e somente a educação e a lei poderão auxiliar no surgimento do novo homem cordato, sensível, companheiro, humano, capaz de admirar todo o bem que resulta da presença da mulher em sua vida.

Termino minha fala, Sr. Presidente, com a leitura da poesia “A mulher e a Casa”, de João Cabral de Melo Neto, que dedico a todas as mulheres que, na política ou na vida cotidiana, fazem do Brasil um País melhor, porque mais feminino, mais doce, mais belo e, por que não dizer também, mais perfumado:

Tua sedução é menos

de mulher do que de casa;

pois vem de como é por dentro

ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui

tua plácida elegância,

esse teu reboco claro,

riso franco de varandas,

uma casa não é nunca

só para ser contemplada;

melhor: somente por dentro

é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,

ou será, quando se abra;

pelo que pode ser dentro

de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram

com seus vazios, com o nada;

pelos espaços de dentro,

não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:

seus recintos, suas áreas,

organizando-se dentro

em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem

estâncias aconchegadas,

paredes bem revestidas

ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem

efeito igual ao que causas:

a vontade de corrê-la

por dentro, de visitá-la.

            Mais uma vez, registro que esse trabalho foi feito por uma assessora minha chamada Paula Terra, militante desse movimento, pessoa que sempre honrou o meu mandato.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2005 - Página 41278