Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crise política e moral vivida pelo Brasil. Expectativa quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o processo de cassação do Deputado José Dirceu.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Crise política e moral vivida pelo Brasil. Expectativa quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o processo de cassação do Deputado José Dirceu.
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Arthur Virgílio, Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2005 - Página 41285
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, NATUREZA POLITICA, GOVERNO FEDERAL, COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CORRUPÇÃO, GOVERNO.
  • REGISTRO, EMPATE, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SUSPENSÃO, CASSAÇÃO, JOSE DIRCEU, DEPUTADO FEDERAL, DEFESA, MANUTENÇÃO, JULGAMENTO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMENTARIO, IMPORTANCIA, AUSENCIA, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, a gentileza de V. Exª me surpreende. Eu trago a esta tribuna um assunto importante e usando da palavra para uma comunicação inadiável, apenas cinco minutos, positivamente não terei capacidade de esgotá-lo, mas vou tentar assim mesmo já que estou na tribuna.

Há seis meses o Brasil está mergulhado numa crise política e em uma das maiores, se não a maior, crise moral da sua história. Nunca se viu nada igual, Sr. Presidente. A sociedade está perplexa, quer entender o que está acontecendo, mas é difícil, porque as denúncias não se referem a um fato só. São tantas as denúncias, são tantos os implicados, tudo apurado de uma só vez, que a sociedade fica sempre com um ponto de interrogação.

Às vezes penso que este País está às avessas. Penso até, Senadora Heloísa Helena, que este País está vivendo um momento inteiramente diferente. Nunca vi isso na História: comparecem às Comissões Parlamentares de Inquérito pessoas dizendo que nunca tinham feito determinadas coisas, para depois afirmarem que as fizeram. Em alguns casos há a impressão digital do denunciado, mas a palavra dele, uma simples explicação, parece apagar a impressão digital. A prova material parece desaparecer diante de uma simples negativa daqueles que estão sendo acusados. E os trabalhos vão andando, e as coisas vão continuando praticamente sem solução. Chegamos ao ponto - tenho que ser breve - de uma Comissão Parlamentar de Inquérito assistir a um depoimento de um cidadão de classe média, de certa intelectualidade, que, depois de ouvir uma fita que mostrava a sua voz sóbria, disse: “Declarei isso para uma revista porque estava bêbado”.

Se não acontece nada com ele, se não há, ainda, algum procedimento, que a sociedade veja com seus olhos algo ser feito contra ele. Eu sei que a Comissão Parlamentar de Inquérito não terminou seu trabalho, mas não acontecer nada com ele significa uma desmoralização do próprio Congresso Nacional! Estamos às avessas!

Eu faço esse comentário...

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite um aparte, Senador?

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Arthur Virgílio, vou me dirigir a V. Exª, a quem tanto admiro e quero. Eu vou fazer uma confissão porque gosto de justiça: V. Exª, quando é companheiro, o é. Eu não quero relembrar o fato na íntegra, vou dizer apenas que, apesar de não ter uma convivência maior com V. Exª, um dia, em defesa da instituição, V. Exª me segurou pelo braço e disse-me: “Vamos embora. Eu estou com a lei, eu estou com o senhor nesta hora”. Aquilo me impulsionou para continuar no cumprimento do dever, Senador Arthur Virgílio.

Eu acho que o Congresso Nacional tem alguma responsabilidade diante desta crise.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me um aparte, Senador?

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Vou permitir já.

Não sei se é válido esperarmos e dizermos que só vamos votar o orçamento, apesar de ele ser uma peça fundamental... Aí repito o que disse o Senador Antero Paes de Barros: por que não usar de um expediente desses para transformar o orçamento em um orçamento real e não fictício. A responsabilidade é nossa. Não nos apavoremos diante de um suposto empate no Supremo Tribunal Federal.

            Sr. Presidente, minha palavra é de equilíbrio e de prudência. No instante em que o processo é político e está nas nossas mãos, o Judiciário diga o que disser, respeitaremos a decisão do Judiciário.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Senador Edison Lobão. PFL - MA) - Senador Ramez Tebet, vou estender por mais cinco minutos o tempo de V. Exª.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Vamos respeitar as decisões do Judiciário e fazer cumprir aqui o julgamento político, que é responsabilidade nossa, e punir exemplarmente os responsáveis por esta crise que vem zombando da opinião pública brasileira. Vem zombando, sim! Empatou lá, vai ser desempatado não sei como, mas isso não pode impedir o julgamento, não pode impedir a decisão da Câmara Federal nem do Congresso Nacional. Eu sei que o Congresso Nacional só sairá altivo e soberano se cumprir com sua obrigação, se não tergiversar, se ficar firme na disposição de punir os responsáveis.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vamos com calma, vamos agir com prudência. Dou razão a V. Exª, Senador Arthur Virgílio. Dizem que decisão judicial não pode ser discutida, tem de ser cumprida. Isso não pode ser levado ao pé da letra. Temos de cumprir, mas podemos discutir. Discuti-la nós podemos. Nós não podemos é desrespeitá-la, isso não. Nem isso foi intenção de V. Exª, Senador Arthur Virgílio, e de ninguém que se levantou até agora, nem mesmo do Conselho de Ética.

Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Arthur Virgílio (PMDB - AM) - Senador Ramez Tebet, faço duas observações ao discurso lúcido e respeitável do parlamentar querido e respeitado que é V. Exª. A primeira é que V. Exª relembrou aquele depoimento do Sr. Vladimir Poleto na CPI dos Bingos, que merecia um prêmio internacional de cafajestice e que é um hino, ele próprio, à impunidade no País. A segunda observação é que é meu dever relembrar, sim, a bravura de V. Exª e a postura de quem era oposição à época, quando resolveram, a Bancada do PT e outras, que V. Exª não iria presidir as sessões bicamerais do Congresso, e transformaram determinada sessão, a primeira de V. Exª, numa balbúrdia, num clima de nosocômio, de hospício. V. Exª saiu comigo e naquele momento estive ao seu lado, saímos pela porta da frente, passamos pela turba - aquilo era uma turba - e V. Exª, com altivez enorme, marcou essa presença física. E, na outra sessão, por um desses milagres da natureza, estavam todos quietinhos, obedecendo às suas determinações. Eu percebi que ali o bravo não era a turba, o bravo era a serenidade de V. Exª, que foi um dos grandes presidentes que este Congresso Nacional teve. Obrigado.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Arthur Virgílio, recolho a manifestação de V. Exª. com emoção, porque me faz reviver aquele momento incompreensível. Por nada, quiseram fazer um verdadeiro tumulto. Junto com V. Exª, o Presidente Aécio Neves e outros, conseguimos restabelecer um clima de vivência no Congresso Nacional. Mas aquele instante foi importante, e V. Exª me deu ânimo para fazer aquilo que eu jamais faria: curvar-me diante de uma linguagem, não apenas uma linguagem oral, eu diria que estavam dispostos até ao desforço físico. Foi por isso, Senador Arthur Virgílio, que resolvi passar no meio mesmo para ver o que ia acontecer. Graças a Deus, Ele nos ajudou.

Concedo um aparte ao Senador Antero Paes de Barros.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Senador Ramez Tebet, cumprimento V. Exª, que faz uma observação extremamente importante para o Congresso. Eu diria que o cachacista mais lúcido do Brasil é aquele Vladimir Poleto, porque, se aquela voz é dele, embriagado, então, ele vai falir a fábrica de chope lá de Ribeirão. Vai caber à CPI indiciá-lo, encaminhar ao Ministério Público, que faz a denúncia e encaminha à Justiça. A Justiça julga e condena ou não, dependendo do Poder Judiciário. Agora, estamos vivendo uma República surrealista. O Presidente Lula não acredita no mensalão e acredita numa série de bobagens, como a de que vai acabar com as filas. V. Exª observa, com muita correção, a questão do Orçamento. O Congresso tem de erguer sua voz, e V. Exª faz isso muito bem da tribuna. José Dirceu é um episódio e, na minha opinião, um episódio que já passou. Com Supremo, sem Supremo, contra Supremo, do jeito que quiser, é um episódio que já passou. Na política brasileira, ele, que teve uma história e uma biografia razoável, é visto hoje como o pagador do mensalão, o arrecadador era o Palocci, junto com o Delúbio. Então, não tenho nenhuma dúvida de que, independentemente dessas figuras, temos de definir, porque o Congresso não legisla. Quem está legislando é o Poder Executivo por medidas provisórias. Nossa influência no Orçamento é sobre uma parte pequenininha do Orçamento. Por que não aprovar a proposta do Senador Antonio Carlos Magalhães? Essa eu acho que é a grande obstrução. Só assim teríamos uma República com comportamento republicano, e não com perseguições. Se se faz oposição...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão. PFL - MA) - Vou prorrogar por mais dois minutos o tempo de V. Exª.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Vou encerrar.

Se se faz oposição, não se libera emenda de quem faz oposição, e ficam com essa conversa de que é um Governo republicano. Não é! Então, parabéns a V. Exª. Aliás, V. Exª clama pela recuperação de todas as prerrogativas e da dignidade do Congresso Nacional. E clamar por dignidade fica muito bem num dos homens mais dignos da história do Senado Federal, que é V. Exª.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Antero Paes de Barros, muito obrigado. Muito obrigado já é suficiente para agradecer as generosas referências de V. Exª.

Permita-me dizer que o aparte de V. Exª me dá outra inspiração. O Brasil está mesmo às avessas. Quem está legislando no Brasil? V. Exª acaba de afirmar, é o Poder Executivo, por meio de medidas provisórias. Mas quem é responsável pela aprovação das medidas provisórias? É o Congresso Nacional, que não tem reagido contra essas medidas provisórias. Essa é a verdade verdadeira.

Desde que cheguei aqui, estamos falando da necessidade de o Orçamento refletir, ser o espelho da Nação, e nós estamos vendo que ele é o espelho da mentira da Nação, que ele é instrumento até da prepotência de um Poder sobre os demais, digo melhor, mais especificamente, para não atingir o Judiciário, onde esse assunto orçamentário não é tão discutido, mas aqui, onde o Orçamento é usado nas discussões para dizer que há barganha.

Então, Senador Antero, V. Exª tem razão. Estamos indo às cambalhotas, estamos indo às avessas. É preciso se restabelecer isso. E só se restabelece isso se houver prudência, só se restabelece isso se houver coragem, só se restabelece isso se houver serenidade.

Vim à tribuna para pedir serenidade diante da decisão do Supremo Tribunal Federal. Cá entre nós, Senador Cristovam Buarque, eu nem sei se empatou, porque o Ministro falou: “Retire-se uma parte do voto” e está tudo bem, foi considerado empate. Eu mesmo não tenho capacidade aqui para dizer se empatou ou não. Mas está empatado. Quando o Supremo vai desempatar? Eu não sei. Dizem que será na quarta-feira. Mas, se não desempatar na quarta-feira, nós vamos ficar parados? Não! A Câmara pode prosseguir no feito, sim, sem ferir o princípio da separação e da independência dos Poderes, ou o princípio da harmonia dos Poderes. Pode, sim. Vamos julgar. Vamos andar com o processo. O julgamento é político. Vamos decidir.

Sr. Presidente, para encerrar, me dê trinta segundos para relembrar um fato da minha vida.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, permita-me...

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Quando falo assim, falo provado no passado, que é real.

Esta Casa, uma ocasião, entendeu de fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar possíveis irregularidades no Poder Judiciário. Eu imaginei que pudesse haver uma crise entre os Poderes. Como um Poder poderia fiscalizar outro Poder, no caso o Poder Judiciário? Mas são atos administrativos. Eu disse: tudo bem.

            Senador Cristovam Buarque, V. Exª não estava nesta Casa, mas o Senador Edison Lobão se encontrava e sabe que nenhum juiz se recusou a comparecer aqui perante a Comissão Parlamentar de Inquérito que apurava possíveis irregularidades no Poder Judiciário. Nós convidamos todos; houve um convite para colaborar conosco. Não houve atrito entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário naquela ocasião e não haverá de ter nesta, que é muito mais simples. Basta entender que não podemos agir contra as evidências, que são claras!

Muitos erraram e têm de ser punidos. Há provas testemunhais, materiais e digitais. Estamos nisso há seis meses, e a sociedade está indignada. O Conselho de Ética da Câmara está procurando agir. Li ontem à noite, por acaso, o memorial que o Conselho de Ética está dirigindo aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, vazado em termos que honram as tradições da Câmara Federal e as tradições do Conselho de Ética, dizendo que vão continuar a agir e esperar a colaboração do Supremo Tribunal Federal, mas nos estritos termos de uma legislação e na verdadeira função do Supremo Tribunal Federal, que é aquela de também ter seus ouvidos colados aos anseios da sociedade.

            Concedo um aparte, por derradeiro, e prometo a V. Exª que está encerrado meu pronunciamento.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Sr. Presidente, meu pronunciamento é muito rápido. Primeiro, quero lembrar a todos que estão nos vendo que o senhor não é um Senador igual a nós, o senhor é um ex-Presidente desta Casa e está falando com tal autoridade. Isso mostra a gravidade do momento, e creio que não podemos tolerar que continue esta falta de harmonia entre os três Poderes. O senhor usou uma palavra muito forte chamada serenidade. E serenidade não é sinônimo de covardia. Eu lhe pergunto: o povo lá está nos vendo como serenos ou como covardes? Temos que exercer o poder para o qual o povo nos elegeu, com a serenidade que o senhor falou e com que sempre se pronunciou. Será que não é hora de esta Casa convidar o Presidente do Supremo para uma conversa, para discutir, com imparcialidade, serenidade e sem covardia, o papel de cada um dos três Poderes? Creio, Senador Ramez Tebet, que o senhor é uma das pessoas que poderia liderar este movimento, um movimento pela harmonia dos três Poderes, sem o que não há democracia. Ditadura não é só de militar sobre governo ou sobre os civis, não. Ditadura se faz, às vezes, de outras formas mais discretas, e nós não temos o direito de deixar que isto aconteça: nem a nossa ditadura sobre o Supremo ou sobre o Executivo nem deles sobre nós.

O SR. RAMEZ TEBET (PDMB - MS) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª é homem de muita ponderação também, e gostei que V. Exª fizesse, talvez não com esta intenção, mas o que julgo como uma observação ao meu pronunciamento. Quando eu disse “serenidade”, em hipótese alguma eu quis dizer submissão. Só não posso, porque não tenho autoridade para isso, aceitar a sugestão de V. Exª., mas isso me honra. Eu confio no Presidente do Congresso Nacional, confio no Presidente da Câmara dos Deputados, e o diálogo, mais do que nunca, é imprescindível para que possamos atender aos anseios da sociedade brasileira. E quem tem que atender aos anseios da sociedade brasileira são os agentes públicos. E agentes públicos não são só aqueles eleitos pelo povo, como nós somos agentes públicos, mas também os ministros do Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e tantos quantos têm responsabilidade para o efetivo exercício da democracia, que não queremos baseada no tecnicismo, mas baseada em uma realidade que possa atender aos anseios da sociedade brasileira.

De qualquer forma, V. Exª, sim, tendo governado Brasília, tendo sido reitor de uma universidade, pode se somar às vozes de uns tantos quantos. E aí eu não me furtaria de ir acompanhado de Senadores e Deputados mais categorizados para uma conversa franca, leal e aberta, como tem havido, às vezes, em outros episódios. Felizmente, temos recebido aqui visitas de ministros do Supremo Tribunal Federal, como temos ido lá também, onde somos recebidos de braços abertos e com aquele cavalheirismo que caracteriza os ministros das mais altas Cortes de Justiça do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2005 - Página 41285