Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a violência cometida contra as mulheres no Brasil e no mundo. Crise entre os três Poderes.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Reflexões sobre a violência cometida contra as mulheres no Brasil e no mundo. Crise entre os três Poderes.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2005 - Página 41291
Assunto
Outros > FEMINISMO. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, BRASIL, CONCLAMAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MERCADO DE TRABALHO, MISERIA.
  • ANALISE, DIFICULDADE, MÃE, ATENDIMENTO, CRIANÇA, FOME, DOENÇA GRAVE, PROFESSOR.
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA, MELHORIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL.
  • REGISTRO, POLITICA SOCIAL, ORADOR, PERIODO, GESTÃO, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • ANALISE, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, PERDA, AUTONOMIA, LEGISLATIVO, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), QUESTIONAMENTO, JUDICIARIO, FALTA, ISENÇÃO, JULGAMENTO, POLITICO, CONCLAMAÇÃO, DEBATE.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, como já foi dito aqui, no dia de hoje o País inteiro deve fazer uma reflexão sobre a situação da violência que é cometida diariamente contra as mulheres, no Brasil e no mundo.

Alguns anos atrás, quando era um simples professor da UNB, fui levado a ser candidato pelo Partido dos Trabalhadores ao Governo do Distrito Federal. Durante aqueles meses de campanha, tive de ir a todos os rincões do Distrito Federal, e talvez nada tenha me surpreendido mais, nas conversas, nas tardes com as pessoas, especialmente com as mulheres que ficavam nas casas, do que a maneira como elas manifestavam a violência cometida contra elas, sobretudo de maridos contra esposas, mas também de filhos contra mães, de padrastos contra enteadas, de irmãos mais velhos contra irmãs, enfim, a violência generalizada contra as mulheres. Não posso esquecer que aquela provavelmente tenha sido a maior das lições que recebi, Sr. Presidente, durante os meses de campanha de 1994.

Desde então, tenho me apegado muito ao tema e procurado lutar, dando minha contribuição, como Governador, como Ministro e como Senador, para evitar que o Brasil seja - como tem sido - um dos centros onde a violência contra as mulheres é exercida de forma tão brutal.

Não vou citar todos os exemplos que temos hoje dessa violência constante. Quero apenas dizer que é preciso dar um basta a essa situação da violência contra as mulheres e lembrar também que essa violência não se dá apenas de forma física, psicológica e sexual. Há, sim, uma violência social, uma violência econômica contra as mulheres: a violência da desigualdade nos salários, nas taxas de desemprego, bem maiores entre as mulheres do que entre os homens. Há desigualdade nos salários, bem menores entre as mulheres do que entre os homens, mesmo quando desempenham as mesmas funções.

Quero falar também dessa outra desigualdade invisível, embutida, que há contra as mulheres, que é a desigualdade da pobreza. É claro que a pobreza toca a todos, mas ninguém sofre mais com a falta de atendimento médico para as crianças do que as mães. É claro que os homens sofrem, mas são as mães que estão ali, diretamente ligadas. Quando falta comida nas casas, é evidente que os homens sofrem - até porque, em geral, sobre eles pesa a responsabilidade de trazer o dinheiro para isso -, mas é a mãe que tem de ter a comida, à noite, para que os filhos possam dormir sem a barriga vazia. Quando uma criança está sem escola, é claro que o futuro do Brasil fica ameaçado, é claro que os pais sofrem, mas é a mãe a mais diretamente envolvida no fato de que não há escola para seus filhos.

Mas não é só isso. Quando as crianças estão matriculadas e há greve de professores, são as mães que o sentem mais diretamente, até porque muitas delas nem podem ir ao trabalho, pois têm de ficar com as crianças, ou, mais duro ainda, têm de trancar as crianças em casa para poderem ir trabalhar. É uma violência contra as mulheres o fato de as mães que são empregadas domésticas deixarem seus filhos em casa para irem cuidar dos filhos das classes médias e altas em troca de salário. Essa é uma violência que às vezes não aparece. Aparece a violência que deixa marcas no rosto, a violência que deixa marcas no coração, do ponto de vista psicológico, mas não aparecem as marcas sociais das mães que sofrem trancando seus filhos em casa ou abandonando-os com pessoas que não estão preparadas para que elas, mães de algumas crianças, trabalhem nas casas cuidando das crianças de outras mães.

A violência da pobreza se dá sobre todos, mas especialmente sobre as mulheres do Brasil.

Ao mesmo tempo, quero deixar claro um outro lado: é uma violência contra o Brasil o fato de as mães, de as mulheres não terem o poder que têm os homens. Vejam o exemplo desta Casa: quantas mulheres nós temos? Quantas mulheres nós temos na Câmara dos Deputados, no Poder Executivo, em altos postos? Isso está tirando do exercício do poder uma sensibilidade que faz falta ao País.

Não quero cometer aqui o pecado de blasfêmia, mas às vezes eu gosto de dizer que, se Deus tivesse o sentimento da mulher, não haveria pobreza no mundo. Algumas mulheres dizem: “Quem garante que Deus não é mulher?” Será que não é machismo essa visão que temos? O fato é que, se governássemos com a sensibilidade feminina, o Brasil teria a solução dos problemas sociais de uma maneira mais rápida.

O homem, quando falta comida em casa, sai para o trabalho; se encontra trabalho, trabalha um mês, recebe o salário e, no caminho para casa, em geral, pára para tomar uma ou outra. Se chegasse em casa um mês depois, já estariam todos mortos. A mãe, quando falta comida em casa, tem de providenciar comida naquela mesma noite, naquele dia. Essa urgência de encontrar uma solução é um sentimento muito mais feminino do que masculino no exercício do poder. O poder vem sendo exercido com um sentimento masculino, sem urgência para resolver os problemas. Falta ao Brasil, no exercício do poder, um sentimento feminino.

Aí vem o exemplo da economia. Da maneira como nós trabalhamos, na nossa lógica, temos visto uma economia que coloca o povo a seu serviço e não uma economia a serviço do povo. Isso tem que ver com a sensibilidade da urgência para resolver os problemas e com a sensibilidade feminina para enfrentar os problemas do Brasil.

Sr. Presidente, deixo aqui marcado o meu discurso com o orgulho que tenho de ter levado adiante, como Governador do Distrito Federal, a execução de programas que me foram pedidos durante as conversas que tive com as mulheres eleitoras brasilienses durante a campanha: programas como a licença ampliada para a mulher, que nós criamos, permitindo que mães ficassem com seus filhos em vez de terem de ir cuidar dos filhos dos outros; como o Bolsa-Escola, que iniciou no Brasil a idéia de que a transferência de renda deve ser feita do Estado para a mão das mães e não dos pais. Como eu me lembro do sorriso de muitas mulheres ao receberem um salário mínimo do Bolsa-Escola para cuidar dos seus próprios filhos, em vez de irem ganhar às vezes menos de um salário mínimo para cuidar dos filhos dos outros.

Lembro aqui que fomos nós que fizemos o Programa Saúde em Casa, que atendia a todos, obviamente velhos, crianças e homens, mas eram as mães as mais atendidas, não apenas por elas, mas pela relação com seus filhos e até mesmo com seus maridos.

Quero lembrar aqui a atuação das mulheres no Orçamento Participativo, de uma forma muito mais intensa que os homens; a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, a casa para onde levávamos as mulheres vítimas de violência a fim de protegê-las.

Assim, de 1994 a 1998, mostramos como é possível fazer um Governo sensível aos problemas do povo - à semelhança das mulheres - e sensível aos problemas das mulheres vítimas da violência.

Deixo marcado neste discurso, Sr. Presidente, a minha contribuição como homem para que a luta contra a violência às mulheres não seja monopólio apenas das próprias mulheres. Enquanto somente elas lutarem contra a violência de que são vítimas, creio que temos menos oportunidade de resolver os problemas.

Vou abordar um outro ponto, Sr. Presidente, maculando um pouco este tema tão importante, misturando-o com outro, mas o faço pela urgência, pela oportunidade, pelos discursos que ouvimos aqui hoje em relação ao choque entre os Poderes constituídos que vive, hoje, a República brasileira. Não tem havido harmonia entre os três Poderes! Falta harmonia entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

O Legislativo tem sido, de certa maneira, a Casa mais sacrificada do ponto de vista das relações entre os Poderes. É aqui que recebemos quase diariamente medidas provisórias que são enfiadas goela abaixo de Parlamentares como nós, eleitos pelo povo, votadas aqui com mínimas mudanças. Nós precisamos parar com a maneira arbitrária, ditatorial com que o Poder Executivo se sobrepõe ao Poder Legislativo, por meio das medidas provisórias.

Mas não é só isso. A relação do Executivo com o Poder Legislativo não está sendo harmônica. Há uma submissão, nos últimos meses, do Poder Legislativo em relação ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal tem interferido de forma não harmônica, não havendo uma simples defesa da Constituição em muitos dos gestos do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo.

Não cito o último fato desta semana porque não quero aqui arbitrar sobre o caso da cassação de um Deputado contra o qual tive muitas peleias durante o tempo em que ele era o “Primeiro-Ministro” - talvez eu tenha sido o primeiro a chamá-lo assim naquela época.

Não quero também falar do caso do Senador Capiberibe, que recebeu um tratamento do Poder Judiciário diferente do que o Deputado José Dirceu está recebendo.

Não quero falar no caso do Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que recebeu um tratamento diferenciado também. Eu não quero falar de casos especiais. Quero falar da responsabilidade que nós temos, Senadora Heloísa Helena, Senador Presidente, diante do momento em que vivemos.

Daqui há dez, vinte, trinta, cinqüenta anos, vão falar de nós, vão falar desta legislatura, que percebemos foi uma legislatura acovardada. O ex-Presidente Ramez Tebet falou aqui sobre a necessidade de serenidade e eu fiz questão de dizer que serenidade, no dicionário, é diferente de covardia.

E eu proponho não uma sublevação contra o Poder Judiciário, mas o convite ao Poder Judiciário para que discutamos como retomar a harmonia. Eu proponho, Sr. Presidente - e peço que leve ao Presidente desta Casa -, a idéia de um movimento nacional pela harmonia entre os três Poderes.

Ao mesmo tempo em que presto minha homenagem às mulheres, manifesto também a minha convicção da nossa responsabilidade para construir a harmonia entre os três Poderes, hoje uma harmonia ameaçada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2005 - Página 41291