Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crise política no Brasil. Morte do ambientalista Franselmo, que ateou fogo ao próprio corpo em defesa do Pantanal.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Crise política no Brasil. Morte do ambientalista Franselmo, que ateou fogo ao próprio corpo em defesa do Pantanal.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2005 - Página 41293
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, CLASSE POLITICA, CRISE, POLITICA NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, DEVERES, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PERDA, REPUTAÇÃO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, ECOLOGISTA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), SUICIDIO, PROTESTO, DESTRUIÇÃO, PANTANAL MATO-GROSSENSE, IMPLANTAÇÃO, USINA, ALCOOL, BACIA HIDROGRAFICA, RIO PARAGUAI, HOMENAGEM, CONJUGE, CONTINUAÇÃO, LUTA.
  • CONCLAMAÇÃO, POLITICO, ATUAÇÃO, PRESERVAÇÃO, ETICA, REPRESENTAÇÃO, LUTA, POPULAÇÃO, IMPEDIMENTO, MA-FE.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, claro que nunca nos falta assunto, pelo menos para quem cumpre suas obrigações constitucionais aqui no Congresso Nacional, que vai desde o balcão de negócios sujos instalado pelo Palácio do Planalto aqui no Congresso Nacional à pusilanimidade e promiscuidade nas relações Palácio do Planalto/Congresso Nacional/setores do Poder Judiciário. Tudo isso é sempre motivo de muitas falas, especialmente para os Parlamentares que não estão acometidos da síndrome da preguicite aguda ou de outros adjetivos que não valem a pena ser comentados aqui. São aqueles que, em véspera de feriado, pós-feriado, segundas e sextas-feiras, nem pisam aqui. A confiança na impunidade é tanta!

Vemos muita pose, como é o Congresso Nacional. O mundo da política é assim: ilustres excelências, vestuário sofisticado, o cinismo e a dissimulação vergonhosos e desprezíveis.

É por isso, Senador Cristovam Buarque, Senador Mozarildo Cavalcanti, que o povo brasileiro odeia político. Faz a generalização perversa, porque vai vendo coisas como estas: o cinismo; a dissimulação; gangues partidárias que posam nos meios de comunicação; ilustres e delinqüentes excelências que se apresentam como donos da moralidade pública e por aí vai, e o povo brasileiro odiando a já combalida democracia representativa.

Quanto à execução orçamentária, nós passamos muitos dias, praticamente vinte dias - alguns Parlamentares como V. Exª, Senador Cristovam Buarque, a Senadora Patrícia Sabóia Gomes, eu e vários outros Senadores - sempre falando da saúde, da educação, da assistência social, da segurança pública. Falaram também o Senador Osmar Dias, o Senador Ramez Tebet e vários outros Senadores sobre tudo isso que está diretamente vinculado à vida das pessoas. E não acontece absolutamente nada. Então, se para nós, que estamos aqui não por uma porcaria de ato heróico pessoal, mas por cumprir as nossas obrigações constitucionais, já é difícil, imaginem o que é que isso significa na mente e no coração de milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil!

Mas eu não poderia deixar de fazer uma homenagem. Já falei sobre isso rapidamente, esta semana, mas quando o fato acontece, a mecânica da vida vai fazendo com que as pessoas esqueçam determinados fatos, como foi com a radicalidade do ato cometido por Franselmo, ambientalista de Mato Grosso do Sul que ateou fogo ao próprio corpo.

Vejam como está a situação ambiental no Brasil. Apesar de termos uma das mais belas, honestas e importantes personalidades do meio ambiente à frente do Ministério do Meio Ambiente, que é a Ministra Marina Silva, a situação do meio ambiente é extremamente grave. Para introduzir o debate sobre a transposição do rio São Francisco, um bispo teve de fazer greve de fome. Para discutir uma questão gravíssima como a implantação de usinas de álcool e de açúcar no Pantanal, um ambientalista, o Franselmo, ateou fogo ao próprio corpo e acabou morrendo.

Muitas pessoas não entendem tais atos. É claro que gostaríamos muito que Franselmo estivesse com a maravilhosa esposa dele, a Iracema, alimentando-se da comida feita por Maria em sua casa, com os netos, para os quais ele deixou as mais belas lições de generosidade, de calma e de serenidade e os mais belos exemplos com a própria vida. Ele não está mais entre nós, mas certamente está com os guerreiros do exército celestial, ajudando-nos com as batalhas que temos de travar aqui. Muitas pessoas condenam a radicalidade dos atos porque os associam aos chamados “temperos da civilidade”, como moderação e prudência, que no mundo da política estão diretamente vinculados ao cinismo e à dissimulação, e nada têm de tempero de civilidade.

Quando um gesto de coragem, de radicalidade ocorre, as pessoas o condenam com veemência. Por exemplo, os atos praticados por budistas que ateavam fogo ao próprio corpo ou o ato de radicalidade como o de Jesus. O ato de Jesus foi de extrema radicalidade política. Atualmente, é louvado como dedicação de amor à humanidade. Na época, foi visto como um ato de radicalidade política. Não é à toa que o próprio Jesus se angustiou e teve medo do que estava prestes a enfrentar. Com mais de trinta anos de histórica paciência, o Filho de Deus na Terra, no momento em que estava no Monte das Oliveiras, suou sangue de desespero e medo pelo que poderia Lhe acontecer. Não é à toa que, quando já estava na cruz para ser crucificado, gritou: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que quer dizer “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”, e pediu que Deus afastasse Dele aquele cálice. Além de outros atos. Se Jesus estivesse aqui, ave Maria, seriam tantas as chicotadas em Senadores e Deputados delinqüentes! Seria uma coisa terrível! Portanto, houve um gesto de radicalidade e de enfrentamento a uma estrutura poderosa: como quando entrou no templo, diante daqueles que representavam o poderio religioso, político e econômico; quando se viu diante da traição, não apenas de Judas. Sempre disse que entre Judas e Pilatos, Judas foi menos traidor que Pilatos, porque Judas traiu por dinheiro. No momento em que viu a angústia e o desespero de Jesus, devolveu o dinheiro e se suicidou. Pilatos não. Entregou Jesus à morte pelo poder, o que é pior. Quando viu o povo ludibriado pelos sacerdotes, que correspondiam ao poder, e que poderia perder o cargo que detinha, entregou Jesus, que acabou sendo assassinado.

Franselmo cometeu aquele ato de radicalidade para chamar a atenção para o Pantanal. Ontem, nosso querido Deputado Fernando Gabeira promoveu uma audiência pública a respeito do tema. A Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul adotou uma posição importante ao negar a constitucionalidade do projeto. O Governador Zeca do PT diz que vai fazer qualquer coisa para viabilizar o projeto. É importante deixar claro que o gesto de amor de Franselmo, representado pela radicalidade política que o levou à morte, está inspirado em uma verdadeira declaração de amor ao meio ambiente, ao Pantanal e ao Mato Grosso do Sul.

Senador Cristovam Buarque, todos os argumentos técnicos apresentados são inimagináveis, porque Franselmo e todas as entidades ambientalistas que lá trabalham pela defesa do desenvolvimento econômico sustentável, pela inclusão social e pela geração de postos de trabalho não eram contra a instalação de usinas de açúcar e de álcool, porque muitas já estão instaladas no Pantanal. Ele era inclusive defensor do Proálcool, desde que viessem as cláusulas sociais e a produção de uma energia renovável, extremamente importante.

O problema é o significado disso no Pantanal. É algo extremamente grave. Todos os documentos apresentados apontavam a possibilidade concreta, já que o Mato Grosso do Sul possui duas bacias hídricas - a bacia do rio Paraguai e a do rio Paraná, com características e peculiaridades até no processo de autodepuração dos rios -, de que a usina não fosse instalada na bacia do rio Paraguai, justamente onde está localizado o Pantanal, tão cantado em verso e prosa, como tudo o que é reverenciado pelo meio ambiente, mas tão abandonado pelas autoridades governamentais.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Concedo um aparte ao Senador Cristovam Buarque a fim de que eu possa concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senadora Heloísa Helena, eu gostaria de chamar a atenção, pois há uma coerência importante em seu discurso. V. Exª começou falando da crise dos políticos e das políticas deste País. Agora fala do auto-sacrifício do ecologista Franselmo. As duas coisas se casam. Quando soube de sua morte, a sensação que tive foi de fracasso meu, como Senador, porque se o Parlamento preenchesse as suas funções, não seria necessário bispo fazer greve de fome nem ecologista sacrificar a própria vida. O vazio que estamos gerando no funcionamento do Parlamento sinceramente é o que me mais angustia. Ontem, ouvi discursos de Senadores, como Pedro Simon, dizendo que pensa se deve ou não ser candidato. Há pouco, o Senador Antero Paes de Barros dizia o mesmo, assim com o Senador Jefferson Péres. Quando pessoas como essas começam a pensar em deixar a vida pública? É o momento de refletirmos se não é suicídio o que estão cometendo, um auto-sacrifício por desilusão. Talvez a única forma de protestarem seja não serem candidatos. Foi o que senti em relação ao Senador Pedro Simon ontem. Quando isso ocorre é porque chegamos a um ponto em que a democracia está falindo e, a partir daí, surge a possibilidade de qualquer coisa. Parabéns a V. Exª, como sempre, pela coerência. O discurso de V. Exª aborda dois assuntos que se completam: o vazio da política no Parlamento e a necessidade de sacrifícios de pessoas como Franselmo.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª. Espero que as pessoas que V. Exª citou - o nosso Pedro Simon, o nosso Jefferson Péres e o Senador Antero Paes de Barros - todos elas continuem se candidatando. Digo sempre lá em casa que sei exatamente o que sofro por estar aqui. Em meu Estado, nem se fala! Sei exatamente qual é o sofrimento por que passa quem tem vergonha na cara e quem tem amor no coração, no mundo da política.

Só há duas coisas que me motivam, embora eu não queira que meus filhos sofram no mundo da política, porque já basta um sofrendo em casa: que as mulheres e os homens de bem venham para a política, senão a canalha tomará conta do Brasil. Isso é essencial. Há duas coisas que vou dizer aos dois para motivá-los. Só duas coisas fazem com que continuemos cumprindo a nossa obrigação. Eu digo sempre que, se um dia me enfartar na política, por favor, que um político não faça discurso em minha cova. Já disse isso aqui. Meu irmão já sabe que eles não podem nem entrar. Eles são capazes de nos provocar um enfarte e ainda fazer discurso em nossa cova. Se isso ocorrer, levanto do caixão em estado de rigidez cadavérica, mas não deixo ninguém fazer discurso na minha cova.

Duas coisas devem impulsionar as mulheres e os homens de bem e de paz que querem continuar ensinando aos seus filhos e às pessoas que desejam fazer desse Brasil maravilhoso uma pátria soberana, ética, igualitária e fraterna, em que é proibido roubar. Alguns de nós estão aqui dizendo o mesmo que milhares de outras pessoas, se estivessem em nosso lugar, diriam. Devem nos impulsionar a luta de milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil de forma anônima, tão maior do que a nossa que não temos sequer a autoridade de desistir de continuar lutando. Outra coisa: não devemos dar o gostinho especial de tirar do mundo da política as pessoas de bem e de paz, porque, senão, a gentalha das gangues partidárias, do banditismo político vai efetivamente tomar conta de tudo neste nosso Brasil.

Para terminar, Senador Mozarildo Cavalcanti, quero ler uma passagem muito interessante produzida por várias entidades ambientalistas de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Da elaboração participou o engenheiro químico Plínio de Sá Moreira. Fizeram dois trechos falando dos rios de forma poética até o momento da autodepuração dos rios. Por isso, o Franselmo e outras entidades ambientalistas até aceitavam que essas usinas fossem implantadas na bacia do rio Paraná, mesmo garantindo todo o cuidado que tem de ser feito em relação a essa bacia, e não em relação à bacia do rio Paraguai e do Pantanal. E ele dizia assim: “Tem rio da bacia do Paraná que chega a cantar”. Quem gosta de apreciar a natureza vê isto com muita clareza: são os rios que cantam e sãos os rios da calmaria, os quais chamamos de espelho d’água, inclusive os lá da cidade em que nasci, a velha Jaciobá, hoje Pão de Açúcar. Então, ele dizia assim:

Tem rio da bacia do Paraná que chega a cantar. É uma forma poética de se referir ao som produzido pelo escoamento turbulento, que caracteriza alta capacidade de autodepuração. Já os rios da bacia do Paraguai têm a superfície de espelho. Outra linguagem poética que caracteriza os escoamentos lentos, suaves, de menor capacidade de autodepuração.

            É aquilo que todos nós, que de alguma forma acompanhamos, sabemos: a matéria orgânica, ao ser lançada em um corpo d’água, em um rio ou em uma lagoa, consome parte do oxigênio dissolvido, que torna o ambiente adequado para a sobrevivência das espécies vivas, aquáticas.

Portanto, a grande preocupação dele e das entidades ambientalistas é em relação especialmente ao vinhoto. E eles desmoralizam, por todos os argumentos técnicos, o Governador do Mato Grosso do Sul. Tive oportunidade, quando estive lá, fazendo uma visita inclusive à Iracema, de analisar todo o material técnico produzido pelo Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, para não ser irresponsável tecnicamente, e observei a grande farsa técnica e a fraude política infelizmente montadas pelo Governo do Mato Grosso do Sul e que acabaram levando a essa situação extremamente sofrida e dramática do Franselmo e de toda a sua família.

Assim sendo, de forma muito especial, quero homenagear a Iracema, essa mulher maravilhosa, esposa do Franselmo, que com ele compartilhou momentos de beleza inimaginável, de convivência familiar, de forma absolutamente solidária, serena, maravilhosa. Ao homenagear o Franselmo, quero homenagear todas as entidades ambientalistas e, de forma muito especial, essa grande mulher, Iracema, esposa do Franselmo, que hoje continua a luta, que foi tão bonita. Mesmo que quiséssemos hoje estar aqui com ele, vivo, brilhante, sereno, maravilhoso como era, que este momento de dor e de sofrimento que vivem tanto a sua esposa quanto todos os ambientalistas do País possa significar para todos nós mais capacidade de luta e trabalho. Que o Franselmo possa renascer em nossos corações, em nossas mentes, em nossa luta cotidiana, lutando pelo desenvolvimento econômico sustentável, pela inclusão social, sem a irresponsabilidade fiscal, social, ambiental, administrativa que, infelizmente, tem sido a marca do atual Governo, reproduzindo o Governo anterior.

Era o que eu tinha a dizer.

 

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. PTB - RR) - A Presidência lembra ao Plenário que a primeira hora da sessão não deliberativa da próxima segunda-feira, dia 28, será dedicada a comemorar os 33 anos da Associação dos Juízes Federais do Brasil Ajufe, de acordo com o Requerimento nº 1.237, de 2005, do Senador Demóstenes Torres e de outros Srs. Senadores.

Esclarece ainda que continuam abertas as inscrições para a referida homenagem.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2005 - Página 41293