Discurso durante a 210ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos trinta e três anos da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (S/PARTIDO - Sem Partido/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos trinta e três anos da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2005 - Página 41362
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, JUIZ FEDERAL, IMPORTANCIA, FUNÇÃO, MAGISTRADO, DEFESA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, ANALISE, FUNCIONAMENTO, JUDICIARIO, BRASIL.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Sem Partido - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs e Srs. Magistrados Federais aqui presentes, Sr. Presidente da Ajufe, a justa, merecida e oportuna homenagem que prestamos hoje é menos um tributo à operosidade e ao espírito público dos pioneiros fundadores da Associação dos Juízes Federais do Brasil e muito mais o tributo por nós há muito devido à Justiça e à magistratura do nosso País, em especial à magistratura federal. Eu diria mais, Sr. Presidente. Mais do que ao Judiciário Federal, esta é uma prova de respeito e de gratidão aos que, na solidão com quem são obrigados a prolatar suas sentenças, a emitir os seus votos e a praticar os diferentes atos da prestação jurisdicional que a Constituição e as leis lhes atribuem, não só distribuem justiça, mas sobretudo dão vida à democracia.

Diferentemente de nós, que temos a sustentar nossas convicções e os interesses que aqui representamos o recurso fácil da retórica, a lógica incontida das emoções e os impulsos generosos dos sentimentos, expressos por palavras, pareceres e votos, os juízes, quaisquer que sejam os cargos que ocupem, exercem o mais difícil, o mais complexo, o mais desafiador e o mais solitário dos ofícios, na medida em que estão jungidos à lei, limitados pela jurisprudência e submetidos à lógica dos cânones jurídicos.

Não importa, Srªs e Srs. Senadores e magistrados aqui presentes, se eles atuam nas majestosas instalações dos tribunais superiores, ombreando com os demais Poderes da República e daqui tomando decisões que afetam a vida, os direitos, as garantias e as prerrogativas de milhões de desconhecidos e anônimos cidadãos desta vasta e tão maltratada República. Não importa, Srªs e Srs. Magistrados aqui hoje homenageados, onde quer que estejam, se exercitais vossas funções na mais humilde e recôndita das Varas Federais, distribuídas por esses vastos e desconhecidos rincões. Não importa se uns têm à sua disposição fartos, necessários e amplos recursos para fazer valer suas decisões e acórdãos, e se outros têm por si apenas a força moral de suas convicções e o anteparo jurídico das leis que aqui votamos, mal conformadas umas, conflitantes outras e imperfeitas quase todas.

Uns lidam com a tutela dos direitos de muitos milhões de brasileiros, de alguns milhões de trabalhadores e de segurados da nossa precária e imperfeita Previdência Social e com centenas de milhares de contribuintes. São jurisdicionados sem rosto, desconhecidos e perdidos no meio da multidão que somos todos nós. Outros, Sr. Presidente, convivem com o sempre precário e mal conformado direito da cidadã sem nome, do cidadão anônimo, do trabalhador desconhecido ou do contribuinte inominado. Não importam onde estejam, onde despacham, a que poderosos contrariem, que direitos preservem e quantos arbítrios evitem e corrijam. O que importa - e daí a justiça desta homenagem - é que todos agem e exercem sua magistratura solitariamente, no recôndito de suas consciências, no íntimo de suas mais profundas convicções e nos limites de fronteiras previamente demarcadas pelo conflituoso e desordenado ordenamento jurídico do País. Por isso mesmo, trata-se de um ofício marcado pela solidão, pela obstinação, pela coragem e pela persistência. A magistratura brasileira está, pelas mesmas razões, reservadas aos fortes e vedada a toda sorte de conveniências, a toda espécie de influências e a todas as ambições de ordem material.

Se é a mais solitária, a judicatura é também a mais fiscalizada, a mais criticada e a mais frágil das profissões do Estado. É a mais fiscalizada, na medida em que as decisões individuais dos juízes, como a maior parte dos julgamentos coletivos dos tribunais, estão sempre sujeitos ao escrutínio das instâncias superiores. É a mais criticada por estar, permanentemente, sob a vigília do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos advogados das partes e da própria imprensa, livre, mas nem sempre justa, como em todas as democracias. É a mais frágil das profissões, porque magistrados não agem apenas por si nem operam, independentemente dos meios a sua disposição. Seus atos dependem dos ofícios de justiça que os servem, que lhes são subordinados e que nem sempre dispõem dos recursos indispensáveis ao seu desempenho e a sua eficiência.

A fragilidade de seu exercício não se cinge, Sr. Presidente, a essas circunstâncias de ordem pessoal, de natureza intelectual e de cunho material. Lamentavelmente, como temos sido testemunhas, decorre também da falta de garantia e proteção que lhes deve o Estado a que servem e de que são testemunhos deploráveis os magistrados que são vítimas de homicídios, de atentados e de outras formas delituosas que ainda, para nossa vergonha, ocorrem no País.

Afirmei, no início de minha intervenção, que esta homenagem é justa, merecida e oportuna. É justa, Srªs e Srs. Magistrados, por todas as razões que venho a expor. E é merecida porque, como comprova a existência da Associação dos Juízes Federais do Brasil, fundada e atuante há mais de trinta anos, a Justiça, que é parte integrante, necessária e imprescindível à democracia que tão penosamente tem sido construída entre nós, já não se esconde no escrínio de cristal a que se referia Rui, inacessível aos anseios, esperanças e aspirações do País.

As associações dos ramos especializados do Judiciário brasileiro hoje partilham, comungam e participam das grandes causas, não só relativas à organização e ao funcionamento do Poder a que pertencem, mas também dos grandes e imemoriais desafios que impedem o sistema político, o ordenamento jurídico do País e a ordem social sob a qual ainda vivemos de serem mais justos, mais equânimes, mais eqüitativos e mais equilibrados.

A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tanto na esfera estadual quanto na federal, é o resultado de experiências bem-sucedidas de vários Estados que hoje, com inéditas e aplaudidas inovações, como a da mediação especializada, transformaram a fisionomia de distanciamento do Judiciário, na face acolhedora da Justiça democrática que, sem perder a austeridade, cuida da sorte, dos conflitos e das soluções que dão aos que a ela recorrem a consciência de que a Justiça atende a pobres e ricos, a privilegiados e a deserdados, como deve ser a Justiça nas democracias participativas. Essa é uma das muitas razões por que, além de justa, é merecida a homenagem à Justiça brasileira, hoje aqui reverenciada na figura do Judiciário Federal.

E é oportuna, Sr. Presidente, porque estamos vivendo um momento delicado no relacionamento entre o Legislativo e o Judiciário Federal e na própria vivência diuturna entre diferentes instâncias de outras esferas dos poderes judiciais do País. É uma utopia supormos que os Poderes do Estado são harmônicos e independentes, como manda a teoria da separação dos Poderes tal como a formulou o Barão de Montesquieu há mais de dois séculos e as constituições democráticas que nos propiciaram as condições de nossa evolução histórica.

A harmonia de que trata a doutrina constitucional de grande parte das mais enraizadas democracias mundiais não impede que haja pontos de vista divergentes entre Tribunais e Governos, entre Estados e a União e, menos ainda, entre Tribunais de diferentes instâncias ou entre Legislativos Federais e Estaduais. Já não somos a democracia dos velhos e superados Estados unitários e unificados que marcaram o início da Idade Moderna. Assim como não impede, o princípio da harmonia também não impõe, nem filosoficamente nem materialmente, que haja unidade de vistas e unanimidade de opiniões. Pelo contrário, a divergência, o dissenso, a discordância e o desacordo, a discrepância e a dissensão são essenciais à democracia e vitais para sua concepção mais moderna, a Poliarquia, conceito utilizado por Robert Dahl para caracterizar a multiplicidade de centros de poder que caracteriza a democracia das sociedades abertas e das sociedades de massa do mundo contemporâneo, em sua enorme diversidade. Se entendermos esses condicionamentos, simples pontos de vista e até mesmo decisões coletivas dos tribunais não devem turbar a serenidade nem perturbar a tranqüilidade com que devem ser encaradas as questões de Estado, não há por que falar em conflitos.

A complexidade da função judicante, em muitos casos, como no da justiça criminal, não se exaure nos acórdãos dos tribunais nem nas sentenças dos juizes. Ela se estende e se prolonga no tempo e no espaço, como no caso da execução penal. O sistema penitenciário, por exemplo, está sob a supervisão, embora não sob a administração, dos juízes das Varas de Execuções Penais. Essa providência cautelar da Constituição e das leis reside nas circunstâncias e nas lições tantas vezes já esquecidas de Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, em sua obra imemorial Dos Delitos e das Penas. Com ele, aprendemos nas aulas de Direito Penal que o delinqüente sentenciado perde a liberdade, mas não perde a dignidade. Quando, em nome da lei e da Justiça, um juiz determina a soltura de apenados com fundamento nos mais elementares princípios de todas as declarações de direitos humanos, ninguém, nem a mais alta autoridade judiciária do País, pode censurá-lo, pode puni-lo ou pode condená-lo. Em seu nome e em nome da dignidade de seu ato, arrostando todas as incompreensões, e colocando-nos ante o fato de uma autoridade que cumpre o seu dever e de outras que não são capazes de cumprir com suas obrigações, pode-se invocar o famoso dispositivo até hoje não cumprido por nenhum governo, no § 21 do art. 179 da Constituição do Império, de 25 de março de 1824, que dizia: “As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.

Por isso também esta homenagem é oportuna.

Encerro, Sr. Presidente, associando-me a esse preito de gratidão e a essa homenagem de respeito e de admiração à Associação dos Juízes Federais do Brasil e a seus mais de 1.500 filiados, assumindo a responsabilidade de ter pronunciado aqui o único voto contrário à aprovação da chamada Reforma do Judiciário. E sintetizo as razões por que o fiz, declinando minha motivação, a de que sempre acreditei que, antes de reformar o Poder Judiciário, o que necessitamos é de reformar a Justiça. O Judiciário é constituído de órgãos, instituições, procedimentos, praxes e dignidades que sem dúvida são essenciais à sua destinação constitucional. A Justiça, ao contrário, é o conjunto dos Magistrados que integram os vários Judiciários do País e os códigos que a eles obrigam. Sem dar a eles o respeito que merecem, o reconhecimento a que fazem jus em seu ofício e as condições materiais para o exercício da judicatura, poderemos ter o Judiciário do qual nenhum regime prescinde, mas não teremos nunca a justiça que toda democracia exige.

Lembremo-nos de que o Judiciário é como o Legislativo em sua destinação histórica, em face da evolução histórica da humanidade: pode haver Judiciário sem democracia, mas não pode haver democracia sem Justiça!

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2005 - Página 41362