Discurso durante a 212ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro das comemorações amanhã, do centenário de Heloísa Costa Sampaio, em Palmeira dos Índios, Alagoas.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro das comemorações amanhã, do centenário de Heloísa Costa Sampaio, em Palmeira dos Índios, Alagoas.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2005 - Página 41966
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MULHER, PERSONAGEM ILUSTRE, MUNICIPIO, PALMEIRA DOS INDIOS (AL), ESTADO DE ALAGOAS (AL), CONJUGE, MÃE, POLITICO, EX PREFEITO, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Para uma comunicação inadiável. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amanhã, dia primeiro de dezembro, quando a luz do sol cair em Palmeira dos Índios, na porta do sertão das Alagoas, uma missa entoará agradecimentos de uma família e de uma cidade. E depois que as preces subirem aos céus, a lagoa dos Sampaio, bem no centro de Palmeira, se iluminará por 30 minutos com fogos de vista. E quando as últimas girândolas se extinguirem, das serras de Goiti, Mandioca, Candará e Boa Vista, que circundam Palmeira dos Índios como vigilantes sentinelas, dessas quatro serras ribombarão rojões, anunciando a todos os sertões de Alagoas que Palmeira dos Índios estará celebrando o centenário de Heloísa Costa Sampaio - uma mulher que já viveu em quase três séculos, mas que a nenhum se submeteu, a todos reformou.

Há em países como a Inglaterra a sábia tradição de o monarca enviar uma carta pessoal de congratulações a todos os súditos que completam cem anos. Por aqui nem haveria condições de se firmar tradição nesse sentido, pois os centenários são antes raríssimas exceções numa terra onde o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto cantou para o mundo que, ali, "morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte que se morre/ de velhice antes dos trinta,/ de emboscada antes dos vinte/ de fome um pouco por dia/ de fraqueza e de doença/ é que a morte severina/ ataca em qualquer idade/ e até gente não nascida".

Vencer a mortalidade infantil e a limitadíssima expectativa de vida de sua gente parece pouco para dona Heloísa, ou Helóisa (Elóisa), como a conhece a prosódia acaboclada dos sertanejos de Palmeira. Afinal ela é da terra de Graciliano, muitas vezes testemunha das Vidas Secas do mestre Graça e ninguém duvide de que, nesses cem anos de vida absolutamente intensa, ela tenha cruzado com o Fabiano, a Sinhá Vitória e a cachorra Baleia, que saíram do sofrimento do sertão para entrar no livro e se imortalizar na literatura. Ah, dona Elóisa, quantos Fabianos terá conhecido e ajudado, quantas vitórias terá amparado... Quantas "baleias" chorou? Só Deus o saberá em sua onisciência...

Viúva de vereador, prefeito, deputado estadual, vice-governador e governador do Estado, dona Elóisa viu recriar-se nos filhos a história do marido Juca Sampaio, que virou lenda em Palmeira dos Índios e em Alagoas. Teve dois deputados - um deles, Geraldo Sampaio, repetiu o pai, com mandatos de vereador, prefeito, deputado estadual, vice-governador e governador de Alagoas.

Talvez tudo isso e até o título informal, mas de nobreza, que se cultua em Palmeira de "eterna primeira dama" ainda digam muito pouco da centenária Elóisa Sampaio, que podendo ser princesa, cercada de mimos e comodidades, escolheu ser guerreira de todos os desafios. Podendo ser rainha de sua mansão e matriarca de nove filhos, 26 netos, 49 bisnetos e seis trinetos, abdicou do título para se fazer rainha de sua própria liberdade. Mais que a vida e o meio, mais que os desafios do sertão e as dificuldades da vida política e administrativa de sua família, dona Elóisa venceu os costumes. Ela os mudou, na medida em que superou as limitações que eles lhe impunham.

Ficou órfã aos 13 anos. Perdeu o pai, e, com ele, a chance de estudar. Como acontecia em muitas famílias nordestinas da época, o irmão mais velho - eram 20, do mesmo pai e da mesma mãe; o irmão mais velho a tirou da escola para que ela não aprendesse a ler e escrever, para não trocar correspondência com namorados. Elóisa deixou a escola, mas tomou uma decisão: aquela seria a última ordem recebida de um homem.

Casou aos 19 - e casou com um moço que depois de muito olhá-la a abordou com o simplismo que os tempos justificavam: quero casar com você. Só não esperava a resposta que ouviu da jovem recatada, mas já então independente: "mas como, se não conheço o senhor, não sei o que faz, o que pensa e o que quer?". Casaram-se depois de ela obter respostas a suas dúvidas. Afirmou-se, então, a Elóisa que faz história para Alagoas, já virou referência de muitas gerações de alagoanos e um dia, como o marido, também vai ser lenda bem além dos paredões e contra-fortes das serras de Goiti, Mandioca, Candará e Boa Vista.

Ela foi cuidar da fazenda da família. Ousadia, quase temeridade? Um fim-de-mundo para os padrões da época? Que nada, Elóisa seguia apenas sua própria crença de que a pessoa se define por sua independência e liberdade. Foi mais que uma escolha, foi uma profissão de fé. Foi mais que uma opção, foi um roteiro de vida.

Sempre teve seu próprio dinheiro e seu próprio trabalho. E às filhas ensinou que, antes da independência do casamento, se põe a independência do trabalho e da educação. E na busca da própria independência e liberdade, meteu-se com queijos, lingüiças, criações, plantações e empregados. Mas todo dia, ao cair da luz, se preparava e se maquiava para o marido. Há 60 anos fez uma plástica estética para permanecer bonita e jovem para o esposo. Com certeza a primeira plástica de Alagoas. Uma das primeiras do Brasil. Quem diria? Era Elóisa abrindo caminhos e se antecipando ao futuro.

Ao marido consagrou dedicação e cumplicidade de objetivos e propósitos que só os grandes amores sustentam e justificam. Jamais foi submissa - nem isso jamais lhe foi pedido pelo velho Juca Sampaio que, por mais de meio século, liderou sua cidade e sua região sem jamais altear o tom da voz.

Ninguém esperasse de dona Elóisa nada além da franqueza rude como o mandacaru que enfeita com seu verde o cenário cinzento das caatingas. Quem esperou o contrário se surpreendeu tanto quanto o então governador de Alagoas Arnon de Melo, que foi à casa dos Sampaio como todos os líderes de Alagoas e do Brasil que chegavam a Palmeira.

Na época da ditadura, quando o velho Teotônio Vilela sofreu um dos mais intensos processos de isolamento político em sua própria terra, onde ninguém lhe dava qualquer espaço nos veículos de comunicação, a voz e a sede de liberdade mais uma vez se afirmaram na casa dos Sampaio. A matriarca Elóisa chamou o filho mais velho Geraldo Sampaio dirigente da TV Alagoas de propriedade da família e disse: "é preciso respeitar a liberdade das pessoas e a expressão de suas idéias. Deixe-o falar". O conselho quase ordem soava como uma dispensável reafirmação de princípios da família, pois, a rigor, nem seria necessário: Geraldo Sampaio, amigão do velho Teotônio e acima de tudo, um insaciável sedento das liberdades, ouviu as palavras da mãe como uma melodia. E a TV Alagoas foi o único veículo de comunicação de nossa terra em que o velho Teotônio podia divulgar suas críticas aos generais e à ditadura deles. Foi o único púlpito alagoano onde pôde livremente pregar a liberdade.

Relembre-se, por questão de justiça, outro episódio que o próprio Teotônio registrou nos anais dessa Casa, logo após a morte de Juca Sampaio, há quase 30 anos. Perseguido e isolado, sem espaço e sem tribuna, Teotônio foi encontrá-lo em seu armazém de couros em Palmeira dos Índios. E ouviu dele uma frase que poderia resumir uma vida: "só tenho duas coisas, a vida e a palavra. Enquanto não me tirarem a primeira, não acabarão com a segunda". E por 76 anos, foi de uma só palavra e de uma só cara.

Só uma vez Elóisa foi contrariada, embora depois de ser convencida. Mas não se submeteu ao marido, curvou-se à cidadania. Foi quando viu o filho deputado estadual preparar-se para votar o impeachment do então governador Alcides Muniz. A tensão prenunciava tiroteio e mortes na Assembléia. Ela temia o pior. E quem não o temeria, sobretudo ela que já vira, no início da vida, o sogro que era prefeito virar cadáver pela espingarda de adversários? Caiu de joelhos diante do filho, implorando que ele não fosse à votação. Mas o velho Juca, pai e cidadão, se adiantou com a opinião incontrastável: "prefiro um filho morto a um filho acomodado ou covarde". Ela tirou do terço um crucifixo que entregou ao filho. Ele foi e voltou. E votou. Ganhou a lição dos pais e o crucifixo que guarda até hoje. É o ex-governador Geraldo Sampaio.

Aos filhos ensinou o que viveu: trabalho, trabalho, independência, liberdade, solidariedade. Política, mulher e mãe de políticos, sempre achou que solidariedade não tem época. Por que apenas no Natal, se o Natal que anuncia o nascimento de Cristo deve permear o ano inteiro? E o ano inteiro a matriarca Elóisa organizava a ajuda às viúvas de sua terra, a velhos e doentes, a crianças sem amparo. Discretamente, anonimamente, para contratempo de algumas filhas que, em plena semana santa, tinham que envolver-se com fardos de bacalhau na distribuição do "jejum"tradicional aos mais carentes.

Mas essa mulher como as palmeiras que deram nome a sua cidade, que presenteou netos ou bisnetos com brinquedos, e que em momento algum abrira mão do sagrado horário do meio-dia para o almoço com a família, não se continha diante de uma boa serenata. E às vésperas de seu centenário, até esqueceu o horário rígido da refeição, embevecida com a serenata que os netos lhe preparavam: "como deixar uma música dessas", ela justificava. Era Elóisa transbordando sensibilidade.

Quantas histórias mais haveria a contar, quantos exemplos a seguir, quantos gestos, quantos passos numa história que não encerra apenas cem anos de vida, mas uma vida que vale por um retrospecto sociológico das sociedades rurais e urbanas do interior do Nordeste em quase três séculos? Dona Eloísa seria acima de tudo âncora nesse debruçar-se sobre os costumes rurais do Nordeste e a forma quase heróica de modificá-los.

Amanhã, estaremos todos em Palmeira dos Índios. Todos os Poderes de Alagoas. Executivo e Legislativo, que chegará precedido por voto de contragulações aprovado hoje por iniciativa do deputado Manoel Gomes de Barros Filhos. Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas, aliás integrado por de seus filhos, nessa homenagem a esse elo entre dois séculos, entre culturas e costumes, mas sobretudo é síntese de independência e liberdade. Esses ideais, que já justificaram mortes, aqui balizaram uma vida.

E quando as últimas girândolas se extinguirem na Lagoa dos Sampaio, e quando soar o ribombar dos rojões nas serras de Goiti, Mandioca, Candará e Boa Vista, lá no íntimo do meu coração, eu vou gritar: viva a consciência que liberta pessoas e vida que muda costumes e altera destinos; viva a independência que deixa homens e mulheres mais responsáveis por sua vida e por seu tempo; viva a liberdade que baliza povos e indivíduos que cataliza mentes e corações; viva a independência, viva a liberdade, viva Elóisa, da Palmeira e das Alagoas. Viva Elóisa de todos nós!

            Era o que eu tinha a dizer.

Muito Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2005 - Página 41966