Discurso durante a 213ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o aumento no consumo de bebidas alcoólicas no Brasil.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Preocupação com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o aumento no consumo de bebidas alcoólicas no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2005 - Página 42216
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO 1960 (UFSP), SUPERIORIDADE, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, BRASIL, REGISTRO, PERCENTAGEM, INFLUENCIA, ALCOOL, OCORRENCIA, SUICIDIO, HOMICIDIO, ASSALTO, VIOLENCIA, MULHER, ESTUPRO, ACIDENTE DE TRANSITO.
  • NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, LEGISLAÇÃO, RESTRIÇÃO, ACESSO, PROPAGANDA, INCENTIVO, ALCOOLISMO, ESPECIFICAÇÃO, PROPAGANDA COMERCIAL, CERVEJA, PUBLICIDADE, VINCULAÇÃO, BEBIDA ALCOOLICA, ESPORTE.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentados no início desta semana na Conferência Pan-Americana de Políticas Públicas sobre o Álcool, revelam que, desde o início da década de 1970, o consumo de bebidas alcoólicas avançou 70% no Brasil - o que nos colocou entre os 25 primeiros países neste triste ranking.

A pesquisa mostra que o hábito da bebida no Brasil atingiu níveis preocupantes: um estudo apresentado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), durante a conferência, calcula já em 19 milhões os brasileiros dependentes de álcool - que se transformou na droga mais consumida no País.

O alcoolismo está em quarto lugar na lista das doenças que mais incapacitam o trabalhador brasileiro. Tanto que o Sistema Único de Saúde (SUS) registra número elevado de casos de cirrose hepática no País, causada pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas - que, aliás, está entre as sete principais causas de morte em brasileiros acima de 15 anos.

O tema, Sr. Presidente, torna-se ainda mais preocupante nesta época de fim de ano, já que 98% dos acidentes que acontecem no Natal e Ano-Novo são causados por embriaguez ou excesso de velocidade. Essa imprudência deixa, em média, 300 mil feridos e mata 15 mil pessoas todos os anos. Cabe explicar que a maioria dos envolvidos nesta verdadeira tragédia nacional não é propriamente alcoólatra, mas bebe o suficiente para ser contabilizada entre os 19 milhões de consumidores freqüentes de bebidas no Brasil.

Números ainda mais alarmantes são revelados por meio de uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo: o álcool está presente na maioria dos casos de violência doméstica no País. Calculem, Srªs e Srs. Senadores, que, em 52% dos casos de violência doméstica, o agressor estava alcoolizado.

O ainda mais grave sobre a doença é a sua abrangência: o abuso do álcool ocorre em todas as classes socioeconômicas e grupos culturais. Além disso, o alcoolismo caba sendo a causa de vários tipos de câncer e patologias cardiovasculares.

E os dados só pioram...

Estudos realizados no Brasil demonstram que o alcoolismo está presente:

·     em 80% dos suicídios;

·     64% dos homicídios;

·     40% dos assaltos;

·     35% dos estupros,

·     e entre 35% a 60% dos acidentes fatais.

As diversas medidas que pretendem coibir ou disciplinar o consumo de álcool no Brasil em breve estarão na pauta de definições do Congresso Nacional - o que certamente vai requerer de cada um dos parlamentares atitudes corajosas para votar procedimentos que possam, pelo menos, minimizar as terríveis conseqüências provocadas pelo excessivo consumo de bebidas.

Entre as medidas propostas pela Organização Pan-Americana de Saúde, estão o aumento de impostos e o endurecimento de regras de restrição ao acesso e à propaganda de bebidas. O Brasil já tem uma política de restrição à propaganda que entrará em vigor em seis meses.

Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária prevê que a propaganda de bebidas com mais de 13 graus de teor alcoólico só poderá ser veiculada entre 21 horas e 6 horas. Isso inclui bebidas como uísque e vodka, mas deixa de fora a cerveja - ou seja: justamente a preferência nacional. As restrições incluem também a proibição de associações com eventos musicais e esportivos; com atividades saudáveis; além de mensagens que liguem sucesso pessoal à bebida alcoólica.

Como observam as Srªs e os Srs. Senadores, a resolução pode até ser um começo, mas é tímida e, certamente, mostrar-se-á incapaz de produzir os impactos necessários à inibição do exagerado consumo de álcool no Brasil. Neste sentido, é imprescindível, sim, cercear de maneira ampla o marketing das campanhas que vendem produtos deste gênero.

A juventude, por exemplo, é a que mais nos preocupa. Induzida pela farta publicidade que invade os meios de comunicação todos os dias, acredita que cerveja não seja álcool e muito menos droga. Esses jovens são iniciados pela bebida “preferência nacional” em singelas rodas de bares nos finais de semana, muitas vezes sem saber que aí se encontra a porta de entrada para um martírio sem fim, não somente do consumidor, porque o álcool não destrói apenas quem está sendo prejudicado diretamente, mas também a família e quem está em volta vivendo esse drama.

Quando se fala em combate às drogas no Brasil, Sr. Presidente, geralmente se relaciona apenas a drogas ilícitas, como a maconha e a cocaína. Mas o grande consumo que se espalha como epidemia em todas as regiões do País é justamente o das drogas permitidas, lícitas. Na prática, Sr. Presidente, a verdade é que elas são incentivadas pelo próprio Estado brasileiro, quando não apresenta nenhum tipo de restrição ao consumo e permite que a publicidade ocorra sem nenhum dispositivo realmente disciplinador.

Assim, consumir álcool fica sempre associado ao sucesso, à beleza, ao prazer, à conquista, como anteriormente acontecia com o cigarro. Era bonito, na minha época de juventude, fumar. Fazia parte do charme. Imaginem o mal que sempre fez! Hoje, as campanhas realmente conseguiram diminuir esses índices.

A grande mídia tem esta propriedade: a de falsificar a realidade, de vender vãs ilusões - o que pode levar boa parte da sociedade para a beira do abismo.

O mais terrível ainda é constatar que as próprias autoridades governamentais e que até mesmo o Congresso Nacional acabam sendo neutralizados ou envolvidos por esta suposta “cultura nacional” e de tal forma que tudo se torna normal e permitido.

O problema é que o exagerado consumo de álcool no Brasil tem funcionado como um barril de pólvora a vitimar adolescentes, jovens, pais e mães de família em todas as camadas sociais.

Para se ter uma idéia, basta dizer que cerca de 2,5 milhões de alunos no Brasil declaram que consomem regularmente bebidas alcoólicas. O levantamento conclui que o grande consumo de álcool pelos jovens deve-se ao fato de este ser uma droga lícita - além de uma maneira de viabilizar a sociabilização. Em outras palavras, a bebida é fácil de comprar e permite “se enturmar”.

Só que, em grande parte dos casos, o hábito acaba por se transformar em vício de tratamento complexo.

Sr. Presidente, as observações que faço hoje, nesta tribuna, longe de expressar um conteúdo moral ou conservador, visam de fato alertar a sociedade e o Poder Público para um problema que se agiganta, que assume proporções alarmantes, ao se tornar um amplo caso de saúde pública, além de uma fonte devastadora de violência.

O álcool é servido até em festas de crianças. Já cansei de ver papais jovens tomando cerveja que pegam uma criança, às vezes, um filho homem, e dizem: “Prove aqui um pouquinho”. Isso é um absurdo! Às vezes, filhos menores ingerem a bebida.

No Brasil, a bebida é sinônimo de alegria. E não há festa boa sem álcool. Nem de longe, muitas famílias sequer imaginam que estão trazendo uma destruição progressiva para o lar. Basta lembrar que a principal causa de mortes entre adolescentes no País são acidentes de carros provocados por bebida.

A primeira providência, a meu ver, é estabelecer uma legislação mais rigorosa para disciplinar o marketing. Até nas competições esportivas de maior alcance nacional e internacional, os patrocinadores costumam ser os fabricantes de bebidas.

Dar um basta a esta engrenagem, que leva milhões para o vício, mais do que um dever é uma obrigação das autoridades.

Sem dúvida, Sr. Presidente, é imprescindível que exista neste País um clamor em defesa da vida. Não podemos, em face do poder econômico de fabricantes de bebidas e de grandes agências de publicidade, calar-nos diante de uma epidemia comportamental que dilacera multidões lançadas ao alcoolismo, com se fosse a prática mais natural.

O Brasil necessita, urgente, de uma legislação mais rigorosa que, ao invés de incentivar, alerte para as inúmeras implicações, perigos e conseqüências do consumo exagerado de bebidas alcoólicas.

Este, repito, é o primeiro passo para proteger a nossa juventude, principalmente, para contribuir para a paz nos lares das famílias brasileiras, para, enfim, salvar vidas preciosas que são ceifadas pela violência resultante de um hábito cada vez mais ousado e cada vez mais assustador.

O alcoolismo no Brasil vai aos poucos se traduzindo, em autêntico genocídio. Está na hora de despertar para um debate cujo sentido é, simplesmente, a defesa do bem-estar do povo brasileiro.

Muito obrigada, Sr. Presidente, pela oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2005 - Página 42216