Discurso durante a 213ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário à matéria de capa da revista IstoÉ desta semana, retratando o quadro geral da saúde e o sucateamento dos hospitais públicos no País.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentário à matéria de capa da revista IstoÉ desta semana, retratando o quadro geral da saúde e o sucateamento dos hospitais públicos no País.
Aparteantes
Alberto Silva, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2005 - Página 42363
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GRAVIDADE, SITUAÇÃO, HOSPITAL, SAUDE PUBLICA, PAIS.
  • DETALHAMENTO, GRAVIDADE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, FALTA, RECURSOS, INFRAESTRUTURA, RECURSOS HUMANOS, INEFICACIA, PROGRAMA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORIA, ATENDIMENTO, PACIENTE, DEMONSTRAÇÃO, OMISSÃO, INCOMPETENCIA, SETOR, SAUDE PUBLICA, BRASIL.
  • DEFESA, URGENCIA, ALTERAÇÃO, METODO, SISTEMA, SAUDE, REGIONALIZAÇÃO, SERVIÇO, CRIAÇÃO, FARMACIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, MELHORIA, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço a generosidade de V. Exª. A recíproca dos conceitos é verdadeira em relação à atuação de V. Exª e do Senador Alberto Silva no Estado do Piauí. Desafiando o conservadorismo de um Estado que vinha se revezando entre oligarquias, o Piauí elegeu um médico que trazia no próprio apelido o grande significado de seu trabalho, Mão Santa, Governador do Estado e Senador da República. E o Senador Alberto Silva, do alto da sua idade e da sua inteligência, tem conseguido manter acesa a admiração de seus pares no Senado. Quando ocupa a tribuna, o Senador Alberto Silva chama a nossa atenção pelo respeito que devotamos à sua personalidade, à sua inteligência, à sua cultura e sobretudo ao seu elevado espírito público.

Nobre Senador Mão Santa, a eleição a que V. Exª se refere, de 1994, não foi a maior vitória do PMDB. A maior vitória do PMDB ocorreu depois, em 1998, quando eu fui reeleito Governador do Estado, com 82% dos votos válidos, e o Senador Ney Suassuna sagrou-se campeão de votos no nosso Estado.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Como Líder da Bancada, sou muito orgulhoso dos seus membros, como o Presidente José Sarney, o Senador Alberto Silva, nosso decano permanente, com toda essa sua carga de vitórias e tudo mais, o Senador Gilberto Mestrinho e o Senador Mão Santa, tão querido no Piauí e, por que não dizer, no Brasil todo. São muitas as alegrias que a Bancada nos dá. Eu me orgulho muito de ser, há 35 anos, membro do PMDB - nunca pertenci a outro Partido - e seu Líder. Parabéns a V. Exªs.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - É um galardão que guardo no melhor dos meus arquivos o fato de, desde o golpe militar de 64, não ter pertencido a outro Partido senão ao glorioso MDB, hoje PMDB.

            Costumo dizer, Sr. Senador, de maneira informal, que não sou um histórico do PMDB, porque sou pré-histórico. Eu já carregava no coração, na consciência e na palavra o receituário democrático do PMDB antes mesmo de ele ter surgido, depois de 64, pois antes de 64 pertenci ao PTB, na época em que o PTB era uma proposta social democrática.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a matéria de capa da revista IstoÉ desta semana resume o sentimento de vergonha que nos atinge ao presenciarmos, a cada dia, em nosso País, de norte a sul, o descumprimento da Constituição Federal e o total desapreço à dignidade da população.

Refiro-me, Sr. Presidente e Srs. Senadores, à situação de penúria, omissão e desrespeito às mínimas noções de humanidade, cidadania e consciência cívica observada nos hospitais mantidos pelo Poder Público no Brasil.

O relato de dois repórteres que peregrinaram, durante oito dias, em hospitais de Belém, Salvador, Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro... Eu poderia falar também da nossa Paraíba, Senador Ney Suassuna, porque o Hospital de Trauma e Urgência, o único existente no Estado da Paraíba, está inteiramente sucateado, não por falta de recursos, mas por falta de responsabilidade e de gestão, não por falta de dedicação e de competência dos médicos que servem àquela casa hospitalar, não por falta de recursos do Sistema SUS, porque os recursos do Sistema SUS cresceram cerca de 50%.

Na época em que fui Governador, o Sistema SUS despendia, com a manutenção daquele hospital, R$500 mil ao mês. Hoje esse valor foi elevado para R$750 mil, que não chegam ao hospital. Como os recursos não são transferidos diretamente à administração do hospital, porque não é uma unidade orçamentária, eles são transferidos à Secretaria de Saúde e lá mesmo eles morrem, chegando apenas a ínfima quantia de R$300 mil.

Citei esse tópico em relação à Paraíba, referindo-me apenas a um hospital, mas, oportunamente, vou falar a respeito do quadro geral da saúde e dos hospitais no nosso Estado.

Vou referir-me agora ao quadro nacional.

A penúria e a escassez de recursos de infra-estrutura e de recursos humanos não se resume às regiões mais pobres ou ao interior dos Estados. O ambiente cruel faz parte da rotina diuturna de milhões de brasileiros, contribuintes de altos impostos e taxas e relegados ao descaso e à incompetência administrativa.

Na teoria, tudo parece um mar de rosas. Basta abrir o sítio do Ministério da Saúde, responsável pela formulação das políticas públicas, para navegar em uma infinidade de projetos que, na prática, deixam muito a desejar. Citemos o HumanizaSUS, o QualiSUS, programas destinados a melhorar a relação entre o usuário e o atendimento hospitalar, que continuam ignorados e ainda não renderam os resultados esperados.

O Ministério da Saúde, com o apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, realizou pesquisa em 2003 demonstrando que mais de 90% da população brasileira é usuária do sistema SUS, direta ou indiretamente, Presidente Mão Santa, V. Exª que conhece essa situação na palma da mão. Trata-se de mais de 164 milhões de pessoas que dependem de ações governamentais para fazer valer o acesso aos serviços de saúde, compatíveis com a brutal carga tributária que suportamos.

Costuma-se dizer, Sr. Presidente, que muitos dos usuários do sistema SUS não são contribuintes da Previdência. Não existe maior balela e maior injustiça social do que essa, porque em um Estado democrático, em um Estado de direito como queremos todos nós que o Brasil seja, todos são contribuintes. Os tributos estão embutidos em tudo que se consome em um país democrático.

Foram gastos, em 2004, na Função Saúde, mais de R$34 bilhões; para 2005, dos R$38 bilhões previstos, foram empenhados R$33 bilhões, e estima-se, para 2006, volume superior a R$43 bilhões. São cifras ínfimas, se comparadas com países da própria América do Sul, como no caso da Argentina, que gasta duas vezes mais com saúde do que gastamos no Brasil.

É do conhecimento das autoridades o longo tempo de espera em filas nas emergências dos hospitais, filas para a realização de consultas médicas - quem quiser, se houver dúvida, levante-se às cinco horas da manhã e procure um ambulatório do INSS: vai encontrar pessoas dormindo no chão, porque chegaram a essas filas na noite do dia anterior a fim de garantir uma consulta médica que muitas vezes termina não havendo porque o médico adoeceu e não veio atender ou porque o número de pessoas na fila ultrapassa a capacidade de atendimento do corpo médico-hospitalar - e exames e a superlotação das unidades de atendimento médico. Entretanto, a burocracia que permeia a administração da saúde pública é cruel, omissa e cúmplice de muitas mortes, que realmente têm acontecido, o que não constitui aqui a descoberta de nenhuma novidade.

É comum serem encontrados em hospitais equipamentos de alta qualidade e precisão de altíssimo custo que não funcionam pela ausência de médicos ou de especialistas para sua operação e manutenção.

Há poucos dias, fui ao Ministro do Planejamento, antes tendo ido ao Ministro da Saúde, pedir que atendesse a uma reivindicação da Reitoria da Universidade Federal de Campina Grande, que adquiriu uma aparelhagem completa para exames de hemodinâmica por US$1 milhão. Os aparelhos estão no hospital há mais de um ano e até agora não foram sequer montados porque o Ministério da Educação não autoriza a contratação de médicos, embora tenham sido aprovados em concurso público para o bom funcionamento desse serviço.

A falta de profissionais é um fato. Sabemos que a interiorização da Medicina foi e é uma questão séria a resolver, mas a criação de vagas em hospitais, particularmente os universitários, que treinam as novas gerações de médicos e enfermeiros, depende de uma extensa cadeia de procedimentos e decisões burocráticas. Decisões que atrapalham o funcionamento do processo, não somente pelo vezo do emaranhado burocrático, mas, sobretudo, porque as decisões estão a depender de uma política fiscal que sobrepõe os interesses do sistema financeiro nacional e internacional aos interesses da população brasileira.

Srªs e Srs. Senadores, um festival anônimo e de despreparo entre os diversos escalões dos setores responsáveis pela contratação de recursos humanos tem sido realmente o grande entrave à solução desses problemas. Ora trata-se de decisão do Ministério do Planejamento, ora da Saúde, ora da Educação, termina não sendo de ninguém, e a solução não vem.

Mesmo que as vagas existentes, que o resultado do concurso público tenha sido homologado, a falta de transparência, de fiscalização, de supervisão inibe o fluxo normal de provimento de pessoal treinado imprescindível ao atendimento da parcela mais humilde da população.

Os obstáculos enfrentados por aqueles que procuram atendimento médico ou dentário nos hospitais ou postos de saúde são incomensuráveis. Como constataram os repórteres da revista: “Palavras como urgência e emergência têm significados diferentes daqueles encontrados em dicionários”.

A cultura do mau atendimento, com raríssimas exceções, faz parte do dia-a-dia do serviço de saúde pública. Repito: o sistema opera com funcionários sem adequado treinamento, superlotação das unidades, insensibilidade às reivindicações dos pacientes, equipamentos e acomodações desconfortáveis, sujas e impróprias. E essa não foi a primeira vez que um órgão da imprensa nacional denunciou esse descalabro. Estou careca de ouvir na televisão e de ver nas revistas e nos jornais denúncias com esse mesmo conteúdo. Os pacientes são acomodados em cadeiras plásticas, macas, armários, pelo chão, deserdados que são pela saúde pública que, no diagnóstico de muitos médicos e sindicatos da categoria, padecem de situação “terminal”.

O Ministério da Saúde declara que realiza vários programas com a missão de trazer a saúde para perto do cidadão e dar ao profissional a especialização necessária a fim de que possa exercer seu trabalho com mais qualidade. Mas é claro que todos esses programas de capacitação profissional e de aquisição de novos equipamentos dependem fundamentalmente da vontade política de assumir o problema da saúde da população como o problema prioritário do País. São programas e projetos nos quais os recursos são investidos sem supervisão. Quando existem auditorias, estas se arrastam anos a fio, tornando a impunidade dos responsáveis um lugar comum.

Isso também existe. Mas sou franco em dizer que os recursos que o Governo brasileiro - não este, já que o problema é crônico e está presente em todas as administrações, desde o Brasil colônia - destina são sempre inferiores às reais necessidades do setor.

A prática freqüente de transferir pacientes de um Município menor, onde inexiste hospital público, para a capital ou centros maiores ganhou nome. Imaginem depender do ambulatório ambulante, que é a ambulância. Significa viajar quilômetros e quilômetros pelas esburacadas e abandonadas rodovias do País para amenizar dores, realizar partos, hemodiálise, exames cardiológicos, ou procedimentos básicos como trocar curativos ou gessos.

Isso mesmo, Sr. Presidente, neste momento, muitas ambulâncias estão se movimentando em território brasileiro, levando e trazendo pacientes para a via-crúcis de um posto médico, hospital ou maternidade, seja no Norte, Nordeste ou na Capital Federal.

Não podemos ignorar tamanho descaso e incompetência no setor de saúde pública. Precisamos de uma urgente mudança nos métodos e dinâmica operacional do sistema de saúde. A municipalização dos serviços, a criação de farmácias populares, a criação do Cartão do Paciente, passos para melhorar o atendimento, ainda não mostram sinais de terem sido implementados eficientemente. E eu diria mais, de terem sido implantados na sua totalidade.

A farmácia popular chegou a muito poucos Municípios em todo o território nacional. Na Paraíba, temos talvez quatro ou cinco farmácias populares. É um sistema extraordinariamente eficiente, teoricamente, mas cuja eficiência está a depender da localização geográfica em todo o território nacional. 

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Com toda a honra, Senador.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador José Maranhão, estou ouvindo com muita atenção o discurso de V. Exª, e nós todos que fomos governadores sabemos disso tudo isso que V. Exª expõe, com toda competência e com todo o conhecimento que tem. Estamos aqui todos ex-governadores - ali o nosso Presidente Mão Santa, aqui o nosso companheiro Garibaldi Alves Filho, V. Exª e eu. Quero dar um testemunho. Tenho certeza de que o que aconteceu no meu Estado ocorreu no Estado de V. Exªs. Acima de tudo, exige-se algo mais que se chama competência. V. Exª falou em vontade política; tudo bem. Mas competência. Quando V Exª foi governador da Paraíba, tenho certeza de aquele hospital, que tinha recursos aplicados no valor de 400 ou 500 milhões; e que agora ficou reduzido...

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Senador, 500 milhões eram a parte do SUS; os outros 500 milhões eram investidos em recursos próprios do Estado.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Exatamente. Então, V. Exª, como governador, isso não acontecia no seu Estado, como não aconteceu no meu, no do Senador Mão Santa e do nosso companheiro Garibaldi. Creio, então, que poderíamos juntar as nossas experiências. V. Exª diz que precisamos dar um jeito. Se o Governo não dá um jeito, vamos arrumar alguma coisa, um grupo de trabalho com a nossa experiência, e fazer uma sugestão. Assim, por alto, eu lembraria: que tal terceirizar uma parte do SUS, para tirar aquela aglomeração dos hospitais, onde a fila começa à meia-noite porque não cabe, não há médico suficiente e nem espaço? Então, se não há médicos e não há espaço, mas há dinheiro, vamos aplicar o dinheiro de maneira inteligente. E V. Exª traz, nesta tarde, a esta Casa algo da maior importância, e tenho certeza de que V. Exª sabe muito bem como resolver esse problema. Vamos juntar nossas experiências e fazer uma proposta ao Governo? Parabéns a V. Exª.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª, sobretudo a generosidade de dizer que eu saberia resolver esses problemas. E sei também de outra coisa: como é difícil e como é longa a distância entre o querer e o poder resolver esse problema.

Mas eu diria a V. Exª que a terceirização não me parece uma solução adequada, mesmo porque o SUS convive com a terceirização. O número de hospitais privados contemplados pelo SUS é muito maior do que o número de hospitais públicos, e certamente as deficiências, agora denunciadas em relação ao hospital público, também existem em relação ao hospital privado.

Os administradores culpam a escassez de recursos humanos e financeiros; os médicos e seus sindicatos apontam problemas administrativos e de direção pelas indignas condições de trabalho. Os fornecedores reclamam do atraso no pagamento dos serviços prestados, e o círculo vicioso está formado. Ninguém sabe, ninguém viu, e a população sofre indefesa, impotente, os efeitos dos desmandos impunes e aviltantes dos interesses da população!

A atitude insensível e complacente com o atual estado de coisas, compromete gerações e estaciona o País no patamar dos subdesenvolvidos, com prejuízos desumanos para a nossa gente.

E aqui, outra vez, repito os números e a força da estatística. Países da América do Sul dedicam muito mais recursos do Orçamento público ao setor de saúde do que o Brasil. É o caso da Argentina. Vou ficar nesse país, que muitas vezes é chamado nosso rival, mas que na realidade tem uma economia muito menor do que a do Brasil e que investe recursos públicos, duas vezes mais do que o Brasil no trato dos problemas de saúde.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer. Denúncias como essa que a revista Veja faz, inclusive documentada com o registro de fatos verificados em todo o território nacional, precisam ser consideradas, levadas a sério pelas autoridades públicas, especialmente pelo Ministério da Saúde. E digo isso com toda a autoridade, porque o Ministério da Saúde hoje é ocupado por um ilustre membro do meu Partido, o PMDB. É claro que problemas como esse, que já se constituem em mazelas crônicas no Brasil - eu diria desde o descobrimento até hoje - não vão se resolver do dia para a noite. Mas com um pouco de boa-vontade e decisão política, certamente, o Governo, os seus técnicos, os seus médicos, os seus sanitaristas, os seus administradores públicos vão encontrar soluções eficientes, honestas e eficazes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2005 - Página 42363