Discurso durante a 214ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o Bolsa-Família, a pobreza e a educação no Brasil. Análise da atual conjuntura econômica, social e política.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Considerações sobre o Bolsa-Família, a pobreza e a educação no Brasil. Análise da atual conjuntura econômica, social e política.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/2005 - Página 42436
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • CRITICA, QUANTIDADE, PROPAGANDA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, RECLAMAÇÃO, BANCADA, OPOSIÇÃO, GOVERNO, COMENTARIO, FALTA, DISCUSSÃO, NATUREZA POLITICA, PROPOSTA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RETOMADA, NACIONALISMO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, GOVERNO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, REVERSÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, OBJETIVO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar quero dizer que não considero castigo ficar aqui dentro, apesar desse frio do ar condicionado, mas temo é que lá fora, longe, em todos os rincões deste País, achem castigo assistir os nossos programas, porque estamos transformando o exercício da política em uma espécie de campeonato para ver quem ganha: se a propaganda do Governo ou se as críticas da política de oposição. Isso está me trazendo a sensação de um vazio em nosso debate político. Não que não sejam necessárias as divulgações das obras, e também, sobretudo, parecem-me fundamentais as críticas que tenham que ser feitas ao Governo, quase todas elas com muita substância, como, aliás, faz V. Exª, um dos que mais trazem essas críticas. Mas, o que talvez esteja cansando lá atrás é o vazio de ficarmos apenas basicamente nisso.

A política, no Brasil, se transformou em um espetáculo, e um espetáculo do tipo campeonato de futebol, com disputas entre os que fazem propaganda e os que fazem críticas, sem trazermos, além dessas duas coisas necessárias, uma orientação, um rumo, uma proposta para o nosso País. V. Exª é um dos que mais citam aqui os grandes nomes que passaram por esta Casa. E, quando analisamos os debates que aqui ocorreram ao longo de décadas e décadas, percebemos que, ainda que houvesse sempre situação fazendo propaganda e oposição fazendo crítica, havia também um meio-campo fazendo propostas, construindo o futuro. E isso talvez nunca antes tenha sido necessário fazer; talvez nunca antes tenha sido tão pouco!

Vejam o que aconteceu ontem com a cassação do ex-ministro José Dirceu: o que sentimos é como se houvesse um vazio no dia seguinte, porque já não se tem quase de que falar, porque nos concentramos tantos meses nessa disputa que esquecemos os problemas substanciais que temos neste País. Esquecemos, por exemplo, uma economia que constrói uma sociedade brutalmente desigual. E, quando acontece, foi como vimos nos últimos dias: um debate sobre a redução na miséria.

Ouvi aqui o Senador José Agripino falar que deveríamos dizer quantos saem da miséria, quantos saem da pobreza e não quantos ficam sobrevivendo valendo-se do Bolsa Família.

Mas há algo mais grave: a lógica utilizada para medir a redução da pobreza foi equivocada. Foi uma lógica baseada na transferência de renda, e de uma renda muito pequena, que de fato não tira as pessoas da miséria. É falsa a idéia de que essas pessoas saíram da miséria, por duas razões: porque a renda transferida é muito pouca e porque a lógica que serve de base para isso é equivocada.

A saída, a porta de saída da pobreza, da miséria é a oferta dos bens e serviços essenciais à população. A educação em primeiro lugar, porque ela, além de uma necessidade, é um vetor, é um caminho, é um motor para a superação dos problemas.

Vimos na semana passada um ônibus sendo queimado com pessoas dentro. E isso mereceu pouco tempo dos nossos discursos. Não aquele fato específico, mas o que está por trás de construirmos uma sociedade onde isso acontece.

Não basta punir aqueles que cometeram o ato criminoso, como, aliás, outros bandidos já puniram. Não somos policiais. O papel do Senado é o de construir o futuro, até para que um dia se precisem de menos policiais nas ruas, pela pacificação das nossas cidades.

Não estamos discutindo aqui um País indefeso diante da violência. Não estamos discutindo, sobretudo, um País preso a uma política vazia e desconfiando de toda política.

Por isso, Sr. Presidente, esperei esse tempo para dizer que está na hora de sairmos desse debate, campeonato de propaganda e crítica, e cairmos em um campo do concreto, que, a meu ver, hoje, Senador Mão Santa, teria três grandes caminhos.

O primeiro é o Senado, o Congresso, tentar retomar o sentimento de nacionalidade no Brasil. Perdemos isso. Este País está se diluindo na globalização. A cada dia, somos menos brasileiros e mais cidadãos globais, aqueles que penetram na globalização e aqueles que ficam de fora. No entanto, o sentimento de Nação, pela língua, que todos deveriam falar e ler bem, por um País que defende a sua cultura, cada vez mais se dilui. Cada vez mais, a produção nacional substitui-se por importações, graças à mágica da OMC, que ajuda a diluir a nacionalidade, mesmo em coisas positivas de melhoria do produto que consumimos.

A retomada da nacionalidade é um item que tem de entrar nesta Casa; o segundo é a redução da desigualdade. Não essa falsa redução, do aumento de alguns centavos na renda das pessoas categorizadas como miseráveis; não. A reversão da desigualdade por meio de dois caminhos básicos. Um - não vou tomar muito tempo porque já dizem que é uma mania - é a educação, universal, em horário integral, de qualidade para todos os brasileiros. Em horário integral, com professores bem remunerados e escolas bem equipadas, para que esses jovens de hoje se transformem naqueles que vão construir o Brasil do futuro.

O outro caminho para a reversão da desigualdade é a retomada do crescimento. Mas não de qualquer crescimento, pois alguns terminam aumentando a pobreza, como vimos no Brasil nos últimos 30 anos. A economia precisa crescer a partir da base, e não do topo. Temos de mudar a visão que tomou conta deste País, de que, por intermédio de uma indústria de automóvel, terminaríamos por beneficiar lá embaixo o pobre flanelinha que faz ginástica na frente do carro para ganhar alguns centavos. Podemos fazer o contrário: por meio da educação e de emprego para essas pessoas que estão lá embaixo, vamos conseguir fazer com que alguns precisem mesmo comprar carros e possam comprá-los.

Se mudássemos, por exemplo, a situação de transporte da criança para a escola, gerando uma indústria automobilística de transporte coletivo, chegaríamos lá em cima, ao engenheiro que constrói esses ônibus e que poderia comprar seus carros. É o crescimento pela base, que pode vir com a reversão da desigualdade. O crescimento pelo topo não vai trazer a igualdade.

Depois da retomada da nacionalidade, da reversão da desigualdade, o terceiro item é a recuperação da credibilidade da política no Brasil. Não há país sem política. Vejo tantos dizerem que não gostam de política, mas, na verdade, têm direito de dizer que não gostam de nós, os políticos de hoje.

Quando duas pessoas se encontram ou é por amor ou é por política; não tem outro jeito. Quando se tomam decisões ou é por amor ou é por política, com duas pessoas. Quando forem três, já será só por política. É a política que vai dizer como se escolhe para onde ir. Quando cinco meninos se juntam, por exemplo, para ir ao cinema, eles escolhem o filme a que vão assistir por política: ou a política daquele que é dono do carro impõe e o filme que quer ver; ou a política do poder, da cultura, daquele que convence qual é o melhor filme; ou a política da democracia, em que se discute para onde quer ir a maioria.

Essa política tão necessária e fundamental para o sucesso do Brasil, para conduzir até o caminho, está em crise, sobretudo por aquilo de que falei no começo: pelo vazio que as pessoas estão vendo e sentindo, da política transformada num espetáculo de um campeonato entre a propaganda do Governo e a crítica da Oposição. Os dois até podem ter razão, mas não são suficientes. Não vamos construir um Brasil novo apenas com esse enfrentamento.

É preciso trazer as propostas que retomem a nacionalidade, as propostas que revertam as desigualdades, que mudem a educação, que façam o crescimento pela base e propostas muito claras, que tragam de volta a credibilidade. Quando falo em credibilidade, não falo apenas em nós, políticos deste País, não roubarmos, pois é essa a imagem que passamos. Eu falo também na credibilidade de fazermos um Orçamento a serviço dos interesses do povo e da Nação, e não um Orçamento que votamos muitas vezes sem saber o que estamos votando.

Eu coloco, por exemplo, Senador Mão Santa, a idéia da estabilidade monetária não apenas como algo da economia das finanças, mas como parte dos instrumentos da credibilidade da classe política. Governo que traz de volta a inflação será governo sem credibilidade, mesmo que não roube.

Pois bem. Nós precisamos trazer esse desafio aqui para dentro, e o que vemos aqui é muitas vezes esse campeonato da propaganda versus crítica. Às vezes, ganha a crítica, às vezes ganha a propaganda, e tudo continua igual lá fora. São como os jogos de futebol: quando terminam, alguns ficam contentes, outros ficam tristes, e o Brasil continua igual. A cassação ontem do ex-Deputado José Dirceu, mesmo que traga a sensação de que se está fazendo justiça diante de alguns equívocos que ele tenha cometido - e eu não entro nesse julgamento, porque briguei muito com ele quando ele era poderoso -, trouxe muita tristeza para muita gente, trouxe alegria para alguns e não mudou nada no Brasil.

A nova Chefe da Casa Civil não está trazendo uma mudança que permita dizer que este País está mudando, e aqueles que lutaram para tirar José Dirceu não estão oferecendo essas propostas novas de que precisamos para mudar o Brasil.

Talvez eu esteja repetindo mais uma vez o que venho dizendo: este Congresso, por meio de nós, Senadores, precisa ter uma agenda que interesse ao Brasil e não a agenda do espetáculo futebolístico do campeonato entre críticas e propagandas. Eu digo isso, às vezes parecendo sentir o mesmo vazio que o povo lá fora sente, de não ver aqui lideranças agindo para conduzir o País, mas falo ainda com esperança de que, mais dia, menos dia, alguns de nós vão conseguir provocar, Senador Mão Santa - e V. Exª é um dos que poderia ajudar muito nisso -, a que o Presidente desta Casa e a Mesa que dirige os trabalhos do Senado definam uma agenda concreta, de interesse das causas do povo e da Nação brasileira.

É isso que muitos antes de nós fizeram e é isso o que o Brasil espera de nós hoje. É isso que eu queria dizer a V. Exª, a todas as Srªs e Srs. Senadores e a quem está me ouvindo e vendo nesta manhã de sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/2005 - Página 42436