Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pela passagem do vigésimo nono aniversário da morte do ex-Presidente da República e líder trabalhista João Belchior Marques Goulart, o Jango.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pela passagem do vigésimo nono aniversário da morte do ex-Presidente da República e líder trabalhista João Belchior Marques Goulart, o Jango.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2005 - Página 42944
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA, INTERESSE NACIONAL, RESPEITO, CLASSE, TRABALHADOR, INCENTIVO, MERCADO INTERNO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, agradeço ao Senador Cristovam Buarque, do PDT, que me cedeu o seu espaço para que eu pudesse aqui, da tribuna, homenagear o 29º aniversário da morte do ex-Presidente da República João Belchior Marques Goulart, um dos maiores líderes da história do trabalhismo no Brasil.

Cumprimento os familiares de João Goulart, na pessoa de seu filho José Vicente Goulart, que se encontra aqui neste momento, assistindo a esta nossa exposição.

Sr. Presidente Papaléo Paes, senhores e senhoras, inicio este pronunciamento com um verso que fala sobre o exílio, de autoria de Sophia de Mello Andresen, que diz o seguinte:

Quando a pátria que temos não a temos

Perdida por silêncio e por renúncia

Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades.

            Sr. Presidente, há 29 anos, em 6 de dezembro de 1976, morria em Mercedes, na Argentina, aos 58 anos - um jovem de 58 anos -, o ex-Presidente da República Federativa do Brasil, o Líder trabalhista João Belchior Marques Goulart, o Jango, único ex-Presidente a morrer no exílio.

Jango foi um político brasileiro que como poucos soube, com o sacrifício da própria vida, enfrentar o desafio de construir um Brasil mais humano, mais solidário, mais justo e socialmente mais digno.

Esse homem público foi forçado a morrer no exílio, não por seus erros, mas pelos seus acertos. Mesmo morto, quase foi impedido de voltar à Pátria. Não teve sequer o direito ao luto oficial que a Constituição determinava. Não porque o povo não quisesse, mas pelo temor dos ditadores militares que conduziam os destinos da Nação naquele período lamentável. Chegaram ao cúmulo de reunir tropas, engatilhar fuzis e pistolas, deslocar carros de combate por onde passaria o corpo para ser enterrado entre seus irmãos na histórica São Borja.

Até hoje, sob sua morte, paira a suspeita de ter sido encomendada pela operação Condor, que abateu vários líderes na América Latina e que foi objeto de investigação por uma comissão externa na Câmara dos Deputados.

Em outras conjunturas semelhantes da vida nacional, como a Independência, a Proclamação da República e a Promulgação da Legislação Trabalhista, os políticos que a enfrentaram tiveram a grandeza de renovar as instituições básicas da Nação que haviam se tornado obsoletas. As crises conjunturais podem ter causas variadas e cabe aos políticos encontrar as soluções.

Ontem, em 1964, como hoje, a crise brasileira é uma crise política brasileira.

Lembrando um pouco do seu Governo, João Goulart assumiu a Presidência da República no dia 7 de setembro de 1961, com o País mergulhado numa grave comoção política, militar e econômica. Com a violação dos preceitos constitucionais, pretendeu-se impedir pela força que o Vice-Presidente eleito pelo voto direto, como determinava a Constituição de 1988, assumisse a chefia da Nação, vaga com a renúncia de Jânio Quadros. Após o Movimento da Legalidade, a posse, no entanto, só seria efetivada após ter o Congresso Nacional, em tumultuada reunião, reduzido sob pressão os poderes constitucionais do Presidente da República.

Adotando, então, um improvisado regime parlamentarista, que logo se mostraria inviável diante da realidade nacional, o parlamentarismo acabou repudiado pela vontade popular, manifestada em memorável plebiscito, em 6 de janeiro de 1963.

Dos 11,5 milhões de eleitores da época, 9,5 milhões devolveram a Jango os poderes de Presidente.

Muitos foram os atos e inúmeras as iniciativas do Governo João Goulart no sentido de encaminhar o País para uma verdadeira democracia social, promovendo e estimulando as reformas de base, dentro de um clima de plena liberdade de opinião e de amplo debate político. Com isso, provocou desesperadas reações de parte dos interesses econômicos, quer no plano nacional, quer também no plano internacional.

Em um de seus primeiros atos, o Governo Jango deixou bem clara sua firme disposição de defender sem vacilação os interesses nacionais: cancelou concessões irregulares feitas à empresa Hanna Corporation, que, no Brasil, operava sob o nome de Companhia de Mineração Novalimense, para explorar as jazidas situadas no quadrilátero ferrífero mineiro.

Contra essa decisão de soberania do Governo, em defesa das riquezas minerais do subsolo da Nação, logo protestou o então embaixador norte-americano Lincoln Gordon, em telegrama ao Presidente, que foi devidamente devolvido.

Lincoln Gordon é o mesmo que se notabilizou no processo conspiratório que derrubaria o Governo Constitucional em 1964. Ele é o mesmo que assumiu - ele assumiu! -, abertamente, ser funcionário da CIA, rasgando a fantasia diplomática com que se disfarçava. Ele é o mesmo que esteve aqui, no nosso País, em novembro de 2002, em programas de televisão - não estou falando aqui nenhuma novidade -, lançando seu livro de memórias e dizendo publicamente que havia repassado, em 1964, cerca de US$5 milhões de verba secreta da CIA para militares e políticos articularem o golpe contra o Presidente do nosso povo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Mão Santa, como eu havia permitido ao Senador Cristovam um aparte, concederei a S. Exª e em seguida a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O professor vem antes. Eu sou discípulo dele.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Como S. Exª me cedeu o tempo, eu gostaria de ter o aparte dele, conforme havíamos combinado. Em seguida, passarei a palavra a V. Exª.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Paim, em primeiro lugar, manifesto minha satisfação por ter cedido este tempo de discurso para o qual eu estava inscrito a fim de que V. Exª falasse. Embora eu seja do PDT, que é uma continuação do Partido do Presidente João Goulart, V. Exª, como gaúcho, tem uma ligação que pesa muito para quem lembra da história dele. Eu queria agregar apenas um ponto, que muitas vezes é esquecido na trajetória de Jango. Ele foi, talvez, o único Presidente que conviveu, que governou como uma verdadeira democracia: a do confronto de idéias e de propostas. Depois dele veio a ditadura e, posteriormente, entramos numa democracia muito bem comportada, em que não há Governo e Oposição. Existe crítica e propaganda, crítica e contra-crítica. Não há embate de propostas sobre os rumos do Brasil. São Governo e Oposição prisioneiros do presente. Jango representou o momento decisivo do último grande debate sobre os destinos do Brasil: fazer ou não as reformas de base. Até hoje, 40 anos depois do golpe militar e 29 anos depois da morte dele, as reformas de base continuam esperando. Pena que ele não tenha podido terminar o seu governo, porque ali poderíamos ter encontrado um novo rumo para o Brasil.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. V. Exª enriquece o meu pronunciamento em homenagem ao nosso Jango.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, admiramos toda a história do Rio Grande do Sul. “Paz e bem” era o que pregava Francisco, o santo. E essa foi a vida de João Goulart. Além do que, gosto de Montevidéu e Buenos Aires, que V. Exª conhece, e lá ele se hospedava em hotéis modestos do centro. Fico lá e converso com muita gente que com ele conviveu. Por que ele não reagiu? Porque ele tinha visto, tinha conhecido o Pentágono, a potência, as forças e ficou atemorizado de que acontecesse no Brasil o que está acontecendo lá no Iraque, em Bagdá. Então, João Goulart é para o Brasil um mensageiro de paz e bem.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Mão Santa.

Sr. Presidente, vou concluir o meu pronunciamento e, em seguida, darei a palavra ao Senador Sibá Machado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se tratava, na época, apenas de derrubar o Presidente Jango. Tratava-se de rasgar a Constituição com a ingerência de um Estado externo, assim ferindo a soberania nacional. Até hoje, os detratores de Jango ficam calados a esse respeito. A história, como o Senador Cristovam Buarque falava, conhece o alto sentido democrático de João Goulart. Os fatos são teimosos e acabam por se impor. O Governo Jango estabeleceu leis que disciplinavam os investimentos estrangeiros no País, leis essas para controlar a limitação das remessas de lucros para o exterior, hoje lançadas ao lixo, por força da submissão às regras não do País, mas de uma economia globalizada.

Perguntemos aos chineses por que seu PIB sustentável, há mais de 10 anos, vem crescendo, em média, 7% ao ano.

O Governo Jango encampou as refinarias pertencentes ao capital privado e entregou à Petrobras o monopólio da importação de petróleo e seus derivados. Estabeleceu normas disciplinares em toda e qualquer concessão para a exploração da riqueza mineral do País, de modo a proteger os interesses nacionais.

O Governo Jango incentivou a sindicalização rural. Reconheceu o Comando Geral dos Trabalhadores por considerá-lo legítimo, entendendo que a pressão social tem que acontecer. Nos primeiros dias do regime militar a CGT foi dissolvida e seus dirigentes presos.

No clima de atendimento das justas reivindicações dos assalariados que se estabeleceu no País foram atendidas velhas reivindicações, no Governo Jango, da classe trabalhadora, dentre as quais o 13º salário, cuja lei foi aprovada no Congresso Nacional com o incentivo e a sanção do Presidente da época.

A Eletrobrás que Getúlio Vargas, em sua carta testamento, denunciava estar sendo obstaculizada até o desespero por forças antinacionais, seria estruturada e implantada durante o Governo João Goulart.

A aprovação da Lei das Telecomunicações nas duas Casas do Congresso exigiu um combate sem tréguas por parte do Governo Jango a fim de vencer as resistências do poder econômico representado pelas multinacionais e seus agentes no País.

Foi no Governo Jango que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e deu início às negociações para montar idênticos laços com a República Popular da China. Com a política independente de seu Governo, o Presidente João Goulart deu nova dimensão às iniciativas e responsabilidades de um país que necessitava manter a mais ampla presença internacional, superando os preceitos da própria Guerra Fria.

No seu Governo, foi abolida a discriminação ideológica, tanto no plano interno como externo. Foi dada preferência absoluta aos interesses nacionais: a política externa do Governo Jango tinha em conta, principalmente, as realidades vizinhas e distantes, atraindo para o Brasil novos horizontes com os demais povos.

Com relação a Cuba, no conceito do Chanceler San Thiago Dantas, o Governo Jango manteve uma atitude intransigente de defesa do princípio da não-intervenção, por considerar indevida a ingerência de qualquer outro Estado, sob qualquer pretexto, em negócios ou políticas internas.

Após a devolução dos poderes presidencialistas, o Governo João Goulart montou seu ministério e partiu para as reformas estruturais das bases econômicas através do Programa Reformas de Base.

Ouço o Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Paulo Paim, ninguém melhor que V. Exª para, neste momento, reportar-se a um filho daquela terra e fazer aqui uma referência desta natureza. Desejo apenas lembrar um pouco do que estudei do período. Ainda na época de sindicalista, eu gostava de ler sobre, basicamente, a história do movimento operário brasileiro. Observando aqui o comportamento e a performance do que foi o Governo Jango, vi que, em 1945, o Brasil estava encerrando o Estado Novo e o mundo encerrando aquele espectro do que foi o nazifascismo. O País reagiu rapidamente em direção à democracia. Em 1946, houve uma Constituinte, eleições diretas, e daí por diante. E Jango chega a ser, no meu entendimento, o apogeu da participação social nos destinos do País. Contudo, o grau de intolerância por conta do divisor de águas da Guerra Fria, liderada, de um lado, por John Kennedy e, de outro, por Leonid Brejnev, fazia com que o nosso País também convivesse com esse espectro. Diante disso, a intolerância característica do Governo norte-americano, que colocava o Brasil, de certa forma, como subserviente de interesses norte-americanos, fazia com que, nessa Guerra Fria, fosse intragável no Brasil existir um Governo com o perfil de Jango. Parabenizo V. Exª por tão brilhante pronunciamento. Ficam aqui também minhas parcas, mas bem sentidas homenagens a esse grande líder brasileiro.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Sibá Machado.

Estou tentando acelerar meu pronunciamento, Sr. Presidente.

Lembro agora que o Plano Trienal de Celso Furtado se instalava, na época, para dar uma solução voltada ao mercado interno. O Plano desenvolveu as reformas de base que, infelizmente, levariam ao golpe: reforma agrária e educacional, reforma tributária e fiscal, voltando a economia para o mercado interno.

A conspiração começa. O golpe começou ali para impedir o ganho e as conquistas dos trabalhadores, de uma melhor distribuição de renda e de justiça social, por meio das reformas de base.

Jango, sabendo da possibilidade de intervenção no Brasil, pois a frota dos Estados Unidos rumava para o litoral de Santos, preferiu não resistir.

Nas palavras do jornalista Zuenir Ventura:

Jango teve um dos momentos mais bonitos ao evitar aquilo que imaginava que viria a ser uma guerra civil com um milhão de mortos. Conta pontos para ele não querer resistir dessa maneira.

Não acho, como muitos acham, que a atitude de Jango tenha sido covarde, que tenha fugido da luta, que tenha fugido do País. Chegou um momento em que ele deve ter visto que aquela seria uma luta sangrenta [...] Teve a grandeza de evitar muitas mortes.

Sr. Presidente, há mais de dois mil anos, o filósofo e político romano Marco Túlio Cícero já se perguntava: “Qual é o valor da vida humana se não a relacionarmos com os eventos do passado que a História guardou para nós?”

Cabe a nós brasileiros resgatarmos a memória política desse grande homem público. O Instituto João Goulart, entidade que tem vários Senadores como conselheiros, propõe-se a continuar esse resgate.

Ao concluir este pronunciamento de celebração ao 29º ano do desaparecimento desse grande brasileiro, gostaria de reiterar, respeitosamente, ao Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, o pedido que se encontra desde maio deste ano na Mesa desta Casa, para que o Instituto João Goulart tenha assento nas dependências do Senado Federal, até que tenha seu próprio memorial em Brasília, já encaminhado e doado pelo grande artista e arquiteto Oscar Niemeyer.

Dessa forma, João Belchior Marques Goulart, o Jango, continua mais vivo do que nunca no coração da classe trabalhadora e, tenho certeza, de todos os brasileiros.

Agradeço a todos presentes, especialmente ao Senador Cristovam Buarque, que me cedeu seu espaço.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2005 - Página 42944