Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2005 - Página 43485
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, CAMPANHA, INICIATIVA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), BUSCA, REGULAMENTAÇÃO, INSTRUMENTO, SOBERANIA POPULAR, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, AÇÃO POPULAR, PLEBISCITO, REFERENDO, APRESENTAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO.
  • REGISTRO, VISITA, SENADO, FABIO KONDER COMPARATO, PROFESSOR, SOLICITAÇÃO, APOIO, ANTEPROJETO, VALORIZAÇÃO, SOBERANIA POPULAR.
  • DEBATE, RESPONSABILIDADE, CONFIANÇA, MANDATO ELETIVO, EXERCICIO, REPRESENTAÇÃO POLITICA, DEFESA, POSSIBILIDADE, POVO, REVOGAÇÃO, MANDATO, REFORÇO, DEMOCRACIA.
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, ASSINATURA, PROPOSIÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, REFERENDO, PLEBISCITO, INICIATIVA, SOBERANIA POPULAR, REGULARIZAÇÃO, MANDATO ELETIVO, OBRIGATORIEDADE, CONFIRMAÇÃO, POPULAÇÃO, DECISÃO, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, BARRAGEM.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio; Srªs e Srs. Senadores, a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, lançada em 15 de novembro de 2004 pela Ordem dos Advogados do Brasil, apoiada pelo Prof. Fábio Konder Comparato, pela Profª Maria Vitória Benevides e tantos outros, propõe, sobretudo, que venhamos a regulamentar os instrumentos de soberania popular expressos no art. 14 do Texto Constitucional. Atualmente, essa regulamentação encontra-se disposta na Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, mas há algumas deficiências nesta lei, que foi objeto de iniciativa do Deputado Almino Afonso e que aqui merece ser homenageado por seus esforços.

A principal limitação refere-se ao fato de que esse diploma legislativo recusou ao povo soberano o poder de iniciativa em matéria de plebiscitos e referendos. A interpretação de que tal restrição à soberania popular resulta do disposto no art. 49, XV, da Constituição, é claramente falaciosa. Toda e qualquer regra constitucional há de ser interpretada à luz dos princípios fundamentais expressos na própria Constituição e que formam os alicerces do Estado por ela criado. A soberania popular é um deles, como lembrado acima. Todos os Poderes do Estado são considerados, à luz desse princípio, como delegados do povo soberano.

Ora, quando a Constituição declara, em seu art. 14, que tanto o sufrágio eleitoral quanto o plebiscito e o referendo são manifestações da soberania popular, impedir o povo de exercer o poder de iniciativa de plebiscitos e referendos é ser equivalente a reconhecer que a realização de eleições dependeria de decisão do Congresso Nacional. Ora, o absurdo fala por si mesmo.

É obvio que ao dar ao Congresso Nacional a competência determinada em seu art. 49, XV, competência essa que o projeto reitera nos arts. 7º e 9º, a Constituição Federal regulou os atos finais de procedimento de realização dessas manifestações populares, sem decidir minimamente sobre o poder de iniciativa.

Em razão disso, o projeto reconhece ao povo soberano, como não poderia deixar de ser, a iniciativa de plebiscitos e referendos, com a observância dos requisitos estabelecidos no art. 61, § 2º, da Constituição Federal, em matéria de iniciativa popular legislativa. Além disso, também prevê o projeto a possibilidade de que o processo dessas manifestações populares, em se tratando do referendo (art. 9º) ou dos plebiscitos referidos nos incisos II a VI do art. 3º, seja iniciado por decisão de um terço dos membros de cada Casa do Congresso Nacional. Supre-se, assim, uma grave lacuna na regulamentação do texto constitucional. A minoria parlamentar qualificada tem competência para requerer a criação de comissões parlamentares de inquérito, quer no Congresso Nacional, quer separadamente, na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Aliás, isso foi decidido recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, ao definir mais claramente que, sempre que um terço dos Senadores ou dos Deputados aqui assinem uma iniciativa de comissão parlamentar de inquérito, isso precisa ser obedecido.

Mas essa mesma minoria qualificada não tem poderes para recorrer diretamente ao povo soberano para a decisão de questões atinentes ao bem comum do povo e à soberania nacional.

Em matéria de plebiscitos, não se abre qualquer assunto à decisão popular sem a necessária e prévia discussão do Congresso, mas reserva-se ao povo tão só decidir diretamente questões que, pela sua própria natureza, dizem respeito essencialmente ao bem comum do povo e ao interesse nacional, e sobre as quais, por conseguinte, o povo soberano deve ter a última palavra.

Por essa razão, não pareceu prudente incluir, como objeto de plebiscito, as questões de costume, as quais, pela sua própria natureza profundamente controversa, envolvendo crenças, visões do mundo, valores pessoais, devem ser objeto de ampla discussão na instância parlamentar.

O plebiscito, soberanamente, sobre novas configurações político-territoriais da ordem federativa, está no projeto que aqui apresento, juntamente com o Senador Pedro Simon, a Senadora Heloísa Helena, o Senador Antonio Carlos Magalhães, o Senador Tasso Jereissati, enfim, com praticamente toda a bancada do Partido dos Trabalhadores, mas com Senadores dos mais diversos Partidos, como o Senador Garibaldi Alves Filho, a Senadora Ana Júlia Carepa, os Senadores Jefferson Péres, Tião Viana, Leomar Quintanilha - estarão todos aqui assinalados.

Eu gostaria de salientar, Sr. Presidente, que, poucas semanas atrás, esteve nos visitando, ao Senador Pedro Simon, a mim próprio, à Senadora Heloísa Helena, ao Senador Jefferson Péres e inúmeros Senadores, o Professor Fábio Konder Comparato, que nos transmitiu a importância de apresentarmos aqui três iniciativas. Uma, de projeto de lei que regulamenta o art. 14 da Constituição Federal, em matéria de plebiscito, de referendo e de iniciativa popular; e duas iniciativas de proposta de emenda à Constituição, para justamente aperfeiçoar esse procedimento previsto em nossa Constituição.

O princípio basilar da Democracia está inscrito no art. 1º, parágrafo único, de nossa Constituição, pelo qual “todo poder emana do povo, que o exerce, por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”.

Ora, a soberania popular não pode, jamais, ser alienada ou transferida, sob pena de desaparecer. Nós, representantes do povo, devemos sempre ter em mente que exercemos nossas atribuições como delegados do povo brasileiro, perante o qual devemos prestar contas. Temos de ter claro que não recebemos, ainda que minimamente, parcelas de poder político supremo. Essa assertiva está em vários artigos da Constituição, como, por exemplo, no art. 14, §10, nos arts. 55, 56 e 82, que qualificam como mandato a relação política que prende os agentes públicos eleitos ao povo que os elegeu.

Ora, na substância de todo mandato, encontramos uma relação de confiança no sentido de entregar a alguém a responsabilidade pelo exercício de determinada atribuição; no caso do mandato político, a responsabilidade pelo desempenho de um cargo ou função pública.

Tradicionalmente, desde a instituição do Parlamento inglês, o povo confia aos Parlamentares por ele eleitos o encargo de votar as leis de interesse geral, sem privilégios, de fiscalizar a atuação dos agentes do Poder Executivo, para verificar se ela se desenvolve de acordo com o ordenamento jurídico (basicamente a Constituição e as leis), em função do bem comum e do interesse nacional. Os Parlamentares agem, assim, incontestavelmente, como representantes ou delegados do povo soberano, diante do órgão que monopoliza o poder de coagir ou impor, a fim de evitar abusos. É esse, fundamentalmente, o seu papel político.

É importante salientar que essa relação básica de confiança, manifestada pelo povo em relação aos agentes políticos que ele elege, não se confunde com o chamado mandato imperativo, pelo qual o mandante dita ao mandatário, especificamente, as ações ou declarações de vontade que este deve se manifestar. Os eleitos são livres para desempenhar como entendem as suas funções.

Ora, é pressuposto essencial a toda relação de confiança que, uma vez desaparecida esta, os poderes e responsabilidades confiados ao mandatário devem ser revogados, não de pleno direito, mas mediante uma manifestação inequívoca de vontade do mandante.

Infelizmente, o nosso ordenamento constitucional não prevê o exercício, pelo povo soberano, desse poder revocatório, que a doutrina qualifica como direito potestativo ou formador. E essa omissão constitui uma falha grave, a comprometer a legitimidade do processo democrático.

Os últimos levantamentos da opinião pública têm demonstrado a crescente perda de confiança do povo brasileiro no conjunto dos agentes políticos. Isto nos leva a considerar a necessidade política de se introduzir urgentemente, entre nós, o instituto da revogação popular dos mandatos eletivos, ou recall, como o denominam os norte-americanos, de forma a fortalecer a vida política a soberania do povo, dando-lhe novas razões para confiar nas instituições democráticas. Na América Latina, a Constituição da Venezuela, promulgada em 1999, adotou o procedimento do referendo revocatório em relação a todos os cargos providos por eleição popular. Nos Estados Unidos, quatorze Estados introduziram o recall em suas Constituições, tendo sido o primeiro deles a Califórnia, em 1911, e o último, a Geórgia, em 1978.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É de salientar, aliás, que algumas das nossas primeiras Constituições estaduais republicanas haviam criado a revogação popular de mandatos eletivos: a do Rio Grande do Sul em seu art. 39, a do Estado de Goiás em seu art. 56, e as Constituições de 1892 e 1895, em Santa Catarina.

Com vistas a sanar essa lacuna, eu, o Senador Pedro Simon e tantos outros Senadores, instados pelo Professor Fábio Comparato, estamos apresentando proposta de emenda à Constituição alterando os art. 14 e 49.

Montesquieu, embora reconhecendo que um povo livre deve ser governado por si mesmo, afirmou enfaticamente que o povo não é feito para decidir os negócios do Estado, e que sua função política deve limitar-se à eleição de representantes, os únicos capazes de tomar o que ele chamou de “resoluções ativas”, ou seja, decisões que demandam uma execução concreta.

Em sentido diametralmente oposto, Rousseau sustentou que, sendo a soberania do povo, pela sua própria natureza, inalienável e indivisível, não poderia jamais ser objeto de representação. Ou o povo exerce efetivamente ou deixa de ser soberano e fica reduzido à condição de súdito. Assim concluiu que toda lei que o povo diretamente não referendou é nula e não pode ser reconhecida como lei (Do Contrato Social, Livro III, Capítulo 15).

Essas duas posições extremadas acabaram por convergir, no mundo contemporâneo, para formar uma simbiose. Só se consideram hoje legítimos os sistemas constitucionais em que se estabelece a necessária distinção funcional entre soberania e governo. Aquela deve pertencer, de modo efetivo e não meramente simbólico, ao povo; enquanto o governo há de ser exercido pelos representes eleitos do soberano, que determina as grandes diretrizes de ação política dos governantes e os controla permanentemente.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio. PMDB - PA) - Senador Suplicy, vou conceder-lhe mais um minuto.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - No Cap. IV do Título II, a Constituição da República indicou quatro formas de manifestação de soberania: o sufrágio eleitoral, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa.

Assim, levando em conta a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, vimos apresentar três propostas que melhoram a forma de regular o referendo, o plebiscito e as iniciativas populares. Uma institui a regulação de mandatos; e a outra para que, na hora de decidirmos sobre a transposição das águas ou construção de barragens que atingem populações de diversos Estados, haja também a possibilidade do referendo.

Sr. Presidente, convido V. Exª para assinar as três iniciativas com o Senador Pedro Simon e com os outros Senadores aqui listados. Damos entrada hoje nessas iniciativas, para que elas sejam apreciadas pelo Senado Federal.

Requeiro, Sr. Presidente, seja transcrito, na íntegra, meu pronunciamento e as três iniciativas de lei que apresento.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o princípio basilar da democracia está inscrito no art. 1º, parágrafo único, de nossa Constituição Federal, que assevera que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”.

Como se percebe, a soberania popular não pode jamais ser alienada ou transferida, sob pena de desaparecer. Nós, representantes do povo, devemos sempre ter em mente que exercemos nossas atribuições como delegados do povo soberano, perante o qual devemos prestar contas. Temos de ter claro que não recebemos, ainda que minimamente, parcelas do poder político supremo. Essa assertiva está em vários artigos da Constituição, tais como art. 14, §10, e artigos 55, 56 e 82, que qualificam como mandato a relação política que prende os agentes públicos eleitos ao povo que os elegeu.

Ora, na substância de todo mandato encontramos uma relação de confiança, no sentido de entregar a alguém a responsabilidade pelo exercício de determinada atribuição; no caso do mandato político, a responsabilidade pelo desempenho de um cargo ou função pública.

Tradicionalmente, desde a instituição do Parlamento Inglês, o pai de todos os Parlamentos, o povo confia aos parlamentares por ele eleitos o encargo de votar as leis de interesse geral, sem privilégios, e de fiscalizar a atuação dos agentes do Poder Executivo, para verificar se ela se desenvolve de acordo com o ordenamento jurídico (basicamente a Constituição e as leis), em função do bem comum e do interesse nacional. Os parlamentares agem, assim, incontestavelmente, como representantes ou delegados do povo soberano, diante do órgão que monopoliza o poder de coagir ou impor, a fim de evitar abusos. É esse, fundamentalmente, o seu papel político.

É importante salientar que essa relação básica de confiança, manifestada pelo povo em relação aos agentes políticos que ele elege, não se confunde com o chamado mandato imperativo, pelo qual o mandante dita ao mandatário, especificamente, as ações ou declarações de vontade que este deve manifestar. Os eleitos são livres para desempenhar como julgarem mais apropriado as suas funções.

Ora, é pressuposto essencial a toda relação de confiança que, uma vez desaparecida esta, os poderes e responsabilidades confiados ao mandatário devem ser revogados, não de pleno direito, mas mediante uma manifestação inequívoca de vontade do mandante.

Infelizmente, o nosso ordenamento constitucional não prevê o exercício, pelo povo soberano, desse poder revocatório, que a doutrina qualifica como direito potestativo ou formador. E essa omissão constitui uma falha grave, a comprometer a legitimidade do processo democrático.

Os últimos levantamentos da opinião pública têm demonstrado a crescente perda de confiança do povo brasileiro no conjunto dos agentes políticos. Isso nos leva a considerar a necessidade política de se introduzir urgentemente, entre nós, o instituto da revogação popular de mandatos eletivos, ou recall, como o denominam os norte-americanos, de forma a fortalecer na vida política a soberania do povo, dando-lhe novas razões para confiar nas instituições democráticas. Na América Latina, a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, promulgada em 1999, adotou o procedimento do referendo revocatório em relação a todos os cargos providos por eleição popular (art. 72). Nos Estados Unidos, 14 Estados introduziram o recall em suas Constituições, tendo sido o primeiro deles a Califórnia, em 1911, e o último a Geórgia, em 1978.

Aliás, algumas de nossas primeiras Constituições estaduais republicanas haviam criado o instituto da revogação popular de mandatos eletivos: a do Rio Grande do Sul em seu art. 39, a do Estado de Goiás em seu art. 56 e as Constituições de 1892 e 1895, em Santa Catarina.

Com vistas a criar uma norma que atenda aos anseios populares eu e o senador Pedro Simon, com o apoio de diversos senadores e instados pelo Professor Fabio Comparato, estamos apresentando uma proposta de emenda constitucional alterando os artigos 14 e 49 de nossa Constituição.

Ressalte-se que a regulamentação dos institutos de exercício do poder soberano está intrinsecamente unida às concepções de origem e utilização do referido poder. Citando dois dos maiores filósofos políticos encontramos.

Montesquieu, que, embora reconhecendo que um povo livre deve ser governado por si mesmo, afirmou enfaticamente que o povo não é feito para decidir os negócios do Estado, e que a sua função política deve limitar-se à eleição de representantes, os únicos capazes de tomar o que ele chamou de “resoluções ativas”, ou seja, decisões que demandam uma execução concreta (Do Espírito das Leis, livro II, capítulo 2; livro XI, capítulo 6).

Em sentido diametralmente oposto, Rousseau sustentou que, sendo a soberania do povo, pela sua própria natureza, inalienável e indivisível, ela não poderia jamais ser objeto de representação. Ou o povo a exerce efetivamente, ou deixa de ser soberano e fica reduzido à condição de súdito. Assim, concluiu ele, toda lei que o povo diretamente não referendou é nula; não pode ser reconhecida como lei. (Do Contrato Social, livro III, capítulo 15).

Essas duas posições extremadas acabaram por convergir, no mundo contemporâneo, para formar uma simbiose. Só se consideram hoje legítimos os sistemas constitucionais em que se estabelece a necessária distinção funcional entre soberania e governo. Aquela deve pertencer, de modo efetivo e não meramente simbólico, ao povo; enquanto o governo há de ser exercido pelos representantes eleitos do soberano, que determina as grandes diretrizes de ação política dos governantes e os fiscaliza permanentemente.

No capítulo IV do seu Título II, a Constituição da República indicou quatro grandes formas de manifestação da soberania popular: o sufrágio eleitoral, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. Com esse objetivo, apresentamos projeto de lei que se enquadra na Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, lançada em 15 de novembro de 2004 pela Ordem dos Advogados do Brasil, visando regulamentar os três últimos instrumentos da soberania popular, expressos no art. 14 do texto constitucional, pois entendemos que na regulamentação atual existem notórias deficiências.

Outra proposta de emenda constitucional que o Senador Pedro Simon e eu apresentamos, também com o apoio de diversos Senadores, visa resolver polêmicas como a ora suscitada pela determinação do governo, de realizar o megaprojeto de transposição das águas do Rio S. Francisco e que põe a nu uma falha grave no sistema de repartição de competências entre os Poderes da União. Verificou-se, por meio desse episódio, que a Constituição Federal não confere ao Poder Legislativo atribuição alguma no que tange à realização de obras de construção de barragens, ou de transposição de águas, em rios que banhem mais de um Estado. O mesmo se diga em relação a obras de grande porte em rios que servem de limites com outros países, ou se estendem a território estrangeiro ou dele provêm. Tal assunto não está previsto no rol das atribuições do Congresso Nacional, objeto dos arts 48 e 49 do texto constitucional; isso significa que o Poder Executivo é livre para tomar tais decisões e de pô-las em execução, submetendo-se tão só à apreciação posterior dos demais Poderes da União.

Essa situação de desequilíbrio institucional precisa ser urgentemente corrigida.

Por essas razões, propõe-se incluir tal matéria na relação dos assuntos que são da competência exclusiva do Congresso Nacional, cuja função constitucional precípua é a de zelar pelo equilíbrio federativo, representar o povo soberano perante o Poder Executivo e fiscalizar a atuação do Presidente da República no desempenho de sua função de manter relações com Estados estrangeiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2005 - Página 43485