Discurso durante a 220ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre as relações entre o Presidente Lula e o ex-Ministro José Dirceu.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre as relações entre o Presidente Lula e o ex-Ministro José Dirceu.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2005 - Página 43669
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, PRONUNCIAMENTO, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR, RESPEITO, DECISÃO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, INDEFERIMENTO, SOLICITAÇÃO, PRISÃO, PUBLICITARIO.
  • APRESENTAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, ENTREVISTA, JOSE DIRCEU, EX MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), OMISSÃO, FISCALIZAÇÃO, BANCOS, RESULTADO, IRREGULARIDADE, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, FALTA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, INFRAESTRUTURA, RESULTADO, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • CONTESTAÇÃO, DADOS, ESTATISTICA, GOVERNO, REGISTRO, AUMENTO, EMPREGO, REDUÇÃO, RENDA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Arthur Virgílio tem razão. Quero subscrever por inteiro suas palavras. Tive a oportunidade de ser o Relator, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando da indicação do nome, para Procurador-Geral da República, do Sr. Antonio Fernando.

Conheço S. Exª, que passou pelo Paraná durante boa parte da sua existência, deixando, na sua trajetória, a marca da qualificação profissional, do preparo intelectual e da correção imbatível do comportamento.

Portanto, razões certamente existem, de natureza jurídica, para a negativa relativamente ao pedido que se fez de prisão para o Sr. Marcos Valério. É evidente que todos nós, como disse o Senador Arthur Virgílio, entendemos existirem razões de sobra para a decretação da sua prisão, mas, obviamente, há detalhes de natureza jurídica que podem fugir à nossa percepção, mas que devem conduzir as ações de quem tem a responsabilidade de Procurador-Geral da República.

Por essa razão, nossa manifestação de apoio às palavras do Líder Arthur Virgílio.

Sr. Presidente, o jornal O Estado de S. Paulo publica matéria, assinada pela jornalista Ana Paula Scinocca, que revela que no mesmo dia em que o Presidente Lula afirmava que levaria José Dirceu para seu palanque, defendendo-o das acusações de ser o articulador do “mensalão”, nesse mesmo dia o Sr. José Dirceu classificava o Presidente da República como “personagem difícil”. Não sei o que tentou dizer com isso. Difícil em que sentido? No trabalho? No convívio social?

Recentemente, o Lula e o próprio José Dirceu disseram que foram traídos. Agora um diz que o outro é difícil. Enfim, por que eles não falam logo a verdade sobre toda essa história de traição e de dificuldades? Seria interessante que ambos pudessem informar a todos nós quem foram os traidores, porque o difícil nós já sabemos quem é. O José Dirceu já informa que o difícil é o Presidente Lula, só nos restando saber agora quem são os traidores.

Mas a crítica mais dura foi produzida em entrevista à revista Fórum. Dirceu contou que só saiu do Governo porque se deu conta de que Lula queria que ele saísse. Ao questionamento da revista sobre se havia problema pessoal com o Presidente, ele respondeu: “Uma mistura de coisas. O personagem é difícil...” Ele repetiu que o homem é difícil. “... Está ficando claro isso”, disse José Dirceu. Enfim, muitos imaginaram que ele saiu do Governo porque o Roberto Jefferson disse: “Saia daí, Zé!” Agora ele informa que saiu porque o Presidente é difícil.

Ele disse: “Eu sou só um símbolo”. E disse mais: “Na verdade, não sobrou nada no Governo”. São palavras do José Dirceu. Também afirmou ser uma opção de Lula estar indo devagar no que se refere à implantação de um governo de esquerda. “É uma opção que o Presidente fez. Ele é assim, fez uma opção pela segurança e pela estabilidade”.

Na verdade, depois de quase três anos, o Governo Lula ainda não mostrou a que veio. Apenas aparelhou a máquina, evidenciando o seu projeto de poder e a ausência de um projeto de governo. Aliás, o sonho de um projeto de poder de longo prazo levou o País a assistir ao maior escândalo de corrupção da sua história. Foi o que fez o Presidente Lula.

O José Dirceu, durante os trinta meses em que esteve à frente da Casa Civil, bateu cabeça com o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em relação à política econômica e reconheceu que deveria ter saído do Governo antes, quando Lula optou por seguir o caminho defendido pelo Ministro da Fazenda, e não por ele. “Quando a opção do Presidente é clara em relação ao caminho que o Ministro Palocci sempre defendeu, eu devia ter saído. Perto do final de 2004 eu devia ter saído”, disse ele. E acrescentou: “Não só por isso (por discordar do caminho adotado), mas também pela questão da reforma política, reforma ministerial, o papel do Partido”.

Enfim, o Deputado cassado passa a ser agora crítico contundente do Presidente Lula. E voltou a afirmar que sempre agiu de acordo com a determinação do Presidente. “Eu faço, fazia o que o Presidente decidia”, ressaltou ele na entrevista.

Por fim, disse que a coisa mais certa que fez foi entrar e sair do Governo. Insistiu: “Embora devesse ter saído antes, no fim de 2004 ou em março, abril de 2005”.

Seguro de si, falou que a crise atingiu o PT, presidido por ele até a chegada de Lula ao Palácio do Planalto. Defendeu que se a sigla ainda estivesse sob seu comando, não teria sofrido um estrago dessas proporções. Só não afirmou que passou a comandar muito mais do que o Partido. Não sendo Presidente do PT, comandava o PT a partir do Palácio do Planalto; portanto, com mais força.

Ele disse: “quando eu era Presidente isso não acontecia”, citando o desrespeito aos mecanismos de controle e fiscalização da sigla. Enfim, as declarações de José Dirceu vêm exatamente no momento em que o Governo se transforma em Torre de Babel.

O Governo Lula, na verdade, deu seqüência à política econômica do Governo Fernando Henrique, inovando apenas em um aspecto: adotou políticas bem mais severas e se tornou adepto da ultra-ortodoxia, a ponto de o Presidente Lula se transformar no protótipo de gestão econômica para o FMI.

Estamos, agora, diante de uma verdadeira Babel quanto aos rumos da economia brasileira. E os responsáveis pelo caos instalado não são os opositores do Governo, mas o próprio Presidente da República, a Chefe da Casa Civil e outros integrantes do Governo. Por exemplo, o Presidente da Petrobras, na condição de dirigente de uma estatal de petróleo que opera no mercado globalizado de bolsas, arvora-se em emitir pareceres sobre política econômica.

Os investidores não estão alheios a essa “baderna”. O Presidente Lula, num momento, fala em “reparo”; logo em seguida, em “ajustes”; no outro, nega, de forma peremptória, mudanças na economia. Ninguém entende mais nada. E o mercado, que é suscetível a qualquer turbulência, Senador Heráclito Fortes, como opera diante de tanta inconsistência do Governo, diante dessa balbúrdia?

O próprio Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles*, faz discurso em praça pública atacando os críticos do Governo; isto é, não os críticos do Governo da Oposição, mas os críticos do Governo do Governo, ou seja, os críticos de dentro do Governo. Aliás, o Presidente do Banco Central deve ouvir as críticas daqueles que, na CPI, fazem agora uma constatação: o Banco Central não cumpriu seu dever de fiscalizar as instituições financeiras do País, passando pelo Banco do Estado do Paraná*, o grande escândalo de evasão de divisas, pelo Banco Santos*, chegando agora ao “valerioduto”. Não tenho nenhum receio de errar ao afirmar que o “valerioduto” existiu porque o Banco Central permitiu. O Banco Central tinha o dever de fiscalizar as falcatruas do sistema financeiro, mas se omitiu, foi conivente, complacente, e possibilitou a existência do “valerioduto”. Sabia das irresponsabilidades porque os técnicos do Banco Central estiveram por diversas vezes nessas instituições financeiras constatando irregularidades flagrantes, e o Banco Central não tomou qualquer providência para conter esse processo escandaloso.

Aliás, ressalve-se o papel dos servidores do Banco Central, os técnicos qualificados que lá atuam. Não são eles os responsáveis. Fizeram a sua parte, investigaram, constataram, mas lamentavelmente havia uma blindagem por parte das autoridades do Banco Central relativamente a essas instituições financeiras. Cabe não aos técnicos, aos servidores do Banco Central, mas aos dirigentes da instituição dar explicações sobre o que ocorreu em relação ao “valerioduto”, com a permissão, com a cumplicidade das autoridades que representam a instituição que deveria fiscalizar e tomar providências.

Afirma o colunista Kennedy Alencar, do jornal Folha de S.Paulo, que a administração Lula virou a “casa da mãe Joana”, quando se trata de falar de ajuste fiscal, política monetária e câmbio. A Ministra Dilma Rousseff adota postura similar a de uma colegial rebelde e esquece que suas declarações são gravadas e reproduzidas nas redações dos grandes jornais do País. Enfim, “Torre de Babel”, “casa da mãe Joana”, como diz Kennedy Alencar*, é um Governo perdido, sem rumo e sem destino, aguardando o encerramento do mandato.

Enquanto isso, uma reflexão importante não pode ser ignorada - a do Economista Márcio Pochmann, Professor da Unicamp, que foi Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo na gestão de Marta Suplicy. Suas ligações políticas, portanto, são com o Partido dos Trabalhadores. Daí, a importância da análise que faz, porque é insuspeita. O Professor afirma que o Brasil não vai conseguir eliminar a desigualdade apenas com programas de transferência de renda. O País precisa de políticas de crescimento econômico sustentado, com maiores investimentos públicos em saúde, educação, habitação e infra-estrutura.

Márcio Pochmann critica os rumos adotados pelo Governo. Para ele, “a política econômica não tem um compromisso com o crescimento econômico e com a distribuição de renda, que é a meta de todo Governo que quer construir um Brasil mais justo e democrático”. Ele avalia que os programas de transferência de renda não devem ser tratados com prioridade na área social. “Importante mesmo é termos programas que avancem especialmente naquelas políticas que dêem cidadania, como é o caso da política da saúde e da educação”.

O Economista ainda avalia que a política econômica está intensificando a desigualdade no País. O Brasil está num caminho equivocado. Este ano, por exemplo, nós devemos ter alguma coisa como 8,5 milhões de famílias recebendo do Programa Bolsa Família, uma quantidade de recursos que equivalerá a apenas 0,2% de todo o Produto Interno Bruto brasileiro.

No entanto, por força da política econômica de alta taxa de juros, nós devemos ter alguma coisa em torno de 7% de todo o Produto Interno Bruto, o que equivalerá a R$150 bilhões, sendo transferidos para uma parcela muito pequena da população (estimamos que em torno de 20 mil grandes famílias receberão uma quantia significativa desses juros.)”. Veja, portanto, o contraste gritante que retrata bem as desigualdades sociais neste cenário de injustiças abomináveis.

Pochmann avaliou que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, divulgados recentemente, não asseguram que houve de fato uma queda da desigualdade no País. Segundo ele, a discussão sobre desigualdade e sobre a redução da pobreza deverá ser acompanhada de melhor análise dos dados. E apontou uma limitação na pesquisa: os dados dizem respeito tão-somente à renda do trabalho.

Gostaria de destacar um aspecto, em especial, da análise que faz o Economista da Unicamp: os programas de transferência de renda devem necessariamente ser combinados com outras políticas. É bom destacar que os programas de transferência de renda são de baixo custo (baratos), e, por isso, são estimulados por agências multilaterais como o Fundo Monetário Internacional.

Como ressalta o estudioso, é imprescindível termos programas que avancem especialmente naquelas políticas que dêem cidadania, como é o caso da política da saúde e da educação. Na educação, por exemplo, apenas 35% dos jovens na faixa etária de 15 a 17 anos estão matriculados no ensino médio. Se quisermos chegar ao patamar do Chile, por exemplo, que tem 85% dos seus jovens matriculados no ensino médio, nós precisaríamos incorporar 4,8 milhões de jovens. Mas nós não temos escolas para incorporá-los. Isso significaria a construção de 50 mil salas de aula, a contratação de 500 mil professores, etc. Quer dizer, essa política de cidadania, de verticalização da proteção social, certamente custa muito mais. E, para isso, não há recurso porque a política econômica significa atualmente constranger os recursos na área social.

Concordamos com a visão do economista: áreas como educação, saúde, habitação, transporte e infra-estrutura só avançarão no Brasil se houver de fato investimentos públicos.

Conclusão: infelizmente, os investimentos nessas áreas foram consideravelmente reduzidos na gestão do Presidente Lula. Nos dois primeiros anos do Governo, 2003 e 2004, houve uma compressão na área da saúde e da infra-estrutura que fez com que os gastos na média dos dois primeiros fossem inferiores aos dois últimos do último Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. No entanto, se olharmos o que ocorreu com os recursos da assistência social, em que estão os programas de transferência de renda, veremos que, justamente nesse segmento, houve aumento de recursos. Há um balanceamento que favorece a transferência de renda às famílias, para que elas possam comprar mercadorias, mas não há investimentos necessários em educação, habitação e saúde.

Aliás, neste ano, o Governo Lula não realiza mais do que 60% do Orçamento na área de saúde. Numa área fundamental como é a área de saúde, o Governo apresenta uma execução orçamentária lastimável. Imagine, Senador Alberto Silva, nas demais áreas do Governo.

O que as estatísticas do Governo escondem: de janeiro a setembro de 2005, tivemos expansão de 1,5 milhão de postos de trabalho com carteira assinada. No entanto, de cada dez ocupações, nove foram criadas com remuneração de até dois salários mínimos. Então, aumentaram-se os postos de trabalho, mas são postos de baixa remuneração, o que vem ocorrendo acompanhado da redução de empregos de maior salário.

Portanto, é preciso considerar esse fato. Quando o Governo alardeia a geração de empregos, é preciso considerar que muitos que percebiam salários mais significativos foram demitidos no primeiro momento e posteriormente foram recontratados. Todos nós nos lembramos da grande demissão no primeiro ano do Governo Lula. Cresceu o desemprego no primeiro do Governo Lula, de maneira significativa, e, depois, tivemos a recuperação, mas com salários inferiores aos praticados anteriormente.

Esse é um fato que tem que ser destacado na análise que se faz sobre geração de emprego no Brasil. Embora o Presidente diga que não disse que geraria 10 milhões de empregos, isso ficou registrado por todos durante a campanha eleitoral. Foi uma promessa emblemática, repetida com muita insistência. Mas o Presidente da República disse que não prometeu. É evidente que isso não assusta mais porque o Presidente da República, em matéria de compromissos, de honra, de ética, de respeito às promessas realizadas, está levando nota zero.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2005 - Página 43669