Discurso durante a 220ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de erradicação do trabalho infantil.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Necessidade de erradicação do trabalho infantil.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2005 - Página 43685
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, DISCURSO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, DATA, COMEMORAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESCARACTERIZAÇÃO, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, MOTIVO, INCORPORAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, RENDA MINIMA, FAMILIA.
  • ANALISE, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DEMORA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, BRASIL, COMENTARIO, VANTAGENS, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, EFICACIA, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, IMPLANTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ANTERIORIDADE, COMPARAÇÃO, INEFICACIA, EXECUTIVO, ATUALIDADE, GESTÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, RENDA MINIMA, FAMILIA.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AUMENTO, PENALIDADE, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MENOR, CRIAÇÃO, DIA NACIONAL, COMBATE, TRABALHO, INFANCIA.
  • APOIO, APARTE, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, QUESTIONAMENTO, FUSÃO, PROGRAMA, AUXILIO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, RENDA MINIMA, FAMILIA.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar o meu discurso, gostaria de cumprimentar o Senador e Professor Cristovam Buarque pela grande aula que nos deu sobre os direitos humanos, cuja Declaração amanhã comemora mais um aniversário. Pode ter certeza, Senador Cristovam, de que suas palavras ecoam hoje neste País de forma muito intensa, porque V. Exª, como todo bom professor, deu-nos a visão moderna, a visão prática do que seriam os direitos humanos, uma visão muito mais ampla, universal.

Parabéns pelo seu pronunciamento!

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dos muitos desafios a serem enfrentados pelo Brasil nos próximos anos, o trabalho infantil, como disse aqui o Professor Cristovam, faz parte também da luta que travamos em direção aos direitos humanos e merece atenção especial do Estado e da sociedade.

O cuidado das instituições com a infância brasileira é crucial para a garantia de um futuro melhor para os cidadãos e deve levar em conta os problemas gerados pelo trabalho infantil, que retira precocemente a criança da escola, comprometendo a sua boa formação, com desdobramentos funestos para o seu destino.

Por isso, quero registrar o meu inconformismo com a atual política do Governo Federal que representa um claro retrocesso quando o Governo toma a iniciativa de retirar a Bolsa Peti e incorporá-la ao Bolsa-Família.

Os objetivos dos programas são diferentes e, sem dúvida nenhuma, essa retirada da Bolsa Peti vai desestimular a jornada ampliada, a grande centralidade do projeto. Nosso objetivo não é apenas tirar a criança do trabalho, como também lhe devolver a auto-estima e principalmente a sua recuperação escolar.

A erradicação do trabalho infantil é motivo de preocupação internacional, uma vez que existem em nossos dias cerca de 350 milhões de crianças trabalhando nos cinco continentes.

Em face da sua gravidade, o tema foi contemplado nas Metas do Milênio, da Organização das Nações Unidas, importante documento que visa a reduzir drasticamente a pobreza e a miséria dos estados membros da entidade até o ano de 2015.

A Organização Internacional do Trabalho revela que o trabalho infantil gera um círculo de pobreza infinito, porque retira as crianças da escola, abaixa a escolaridade e diminui o seu potencial de renda assim que se tornam adultas.

Muito embora o Brasil tenha se comprometido a erradicar o trabalho infantil até 2015, em atenção aos objetivos da ONU, as estatísticas indicam que a promessa brasileira não será cumprida. De fato, estudos da Organização Internacional do Trabalho revelam que em 2003 havia 4,8 milhões crianças, entre 5 a 17 anos, trabalhando em nosso País. No lento e insuficiente ritmo atual, restarão ainda dois milhões e setecentos mil menores trabalhando em 2015. As projeções, infelizmente, revelam que o Brasil estará livre dessa mazela apenas no longínquo ano de 2022.

Srªs e Srs. Senadores, quero registrar que não temos mais tempo a perder a respeito deste tema. A rigor, eu diria que o Brasil, pelo potencial de sua economia e por sua capacidade de gerar riqueza, já deveria ter, há muito tempo, erradicado pelo menos grande parte do trabalho infantil, que é uma desonra e uma vergonha para todos nós.

Nas estatísticas a respeito do trabalho infantil, há dados que escandalizam os que lutam por um país mais justo e menos desigual. Cito como exemplo a impressionante cifra de 210 mil trabalhadores mirins com idade entre 5 e 9 anos, que têm a infância suprimida por tão criticável necessidade. O Brasil só tem a ganhar com a erradicação do trabalho infantil, cuja importância relativa na formação do nosso Produto Interno Bruto é totalmente irrisória.

Sobre este tema, um estudo da OIT, em conjunto com a Unicamp, indica que, se o trabalho infantil fosse totalmente erradicado em nosso País, o decréscimo da renda nacional seria apenas de 1%. Em contraponto a essa minúscula perda no prazo médio de dois anos, a renda nacional aumentaria em 37%, graças à melhor preparação da nossa juventude para o trabalho na idade certa.

Embora o quadro brasileiro seja, até o presente momento, desalentador, registramos nos últimos tempos grandes avanços. Entre os anos de 1992 e 2003, a quantidade de crianças e adolescentes trabalhando sofreu uma redução na ordem de 41%.

Ações criativas e inovadoras, surgidas no governo passado, e também continuada neste, embora com as modificações a que eu me referi aqui, melhoraram significativamente as nossas estatísticas. Um exemplo é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), implementado em 1996 pela Secretaria Especial de Assistência Social, com foco nas crianças e adolescentes entre 7 e 15 anos.

O atual governo caminha para se converter na maior decepção da história recente do Brasil, sobretudo porque elevou demais as expectativas, em razão inversa ao cumprimento de suas promessas de campanha.

Muito embora o País tenha ratificado as convenções da OIT, comprometendo-se a erradicar trabalho infantil até 2015, o Palácio do Planalto não vem imprimindo o ritmo desejável às ações de combate a este grave problema.

O Presidente Lula comprometeu-se formalmente com a OIT e sempre, na sua fala, não esquece de mencionar a sua condição de menino retirante, pobre e deserdado da sorte, porém, com pouca preocupação com nossas crianças que hoje se encontram também abandonadas pela sorte.

No entanto, não soube até agora catalisar os esforços do seu governo na redução do trabalho infantil.

Por esse motivo, a Srª Laís Abramo, diretora da OIT no Brasil, não descarta a possibilidade de retrocesso no tema, segundo revelou matéria do jornal O Estado de S. Paulo, de 25 de novembro de 2005. Ela atribui esse retrocesso a razões que já são do conhecimento do público: má gestão, deficiência no repasse dos recursos, atraso, não-acompanhamento do projeto, tudo isso significa um retrocesso que todos nós não queremos.

Durante o governo passado, o PETI vinculava a complementação de renda das famílias à comprovação da freqüência escolar. Além disso, outra exigência benéfica foi a jornada semanal ampliada de estudos, que acredito ser a maior razão do sucesso do programa, pois o estudante que se candidatava ao auxílio da Bolsa se comprometia a estudar ainda mais, o que garantia o seu afastamento do mundo do trabalho.

Já o atual governo achou por bem focar as ações na mera cessão de recursos às famílias, como foi feito e criticado aqui com a Bolsa Família, sem a exigência, pelo menos enérgica, de uma contrapartida, que é a razão maior da Bolsa, que seria estimular e propiciar oportunidade para que a criança esteja na escola.

Essa centralidade do Projeto Bolsa Família foi desprezada até pouco tempo, e, recentemente, pelo apoio e pela crítica da mídia, esse Programa passou a controlar, mas, infelizmente, ainda controla apenas 70% dessas bolsas. Isso nos preocupa muito porque, se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil tem esse objetivo - e até agora tem dado certo -, o que é mais importante, principalmente o sucesso dessa criança na escola, poderá ser profundamente afetado, se for incorporada a Bolsa Família, que não tem as mesmas preocupações do Programa, tampouco tem o acompanhamento, como acontece com o PETI, da Organização Mundial do Trabalho.

Essa mudança na política estatal, de modo algum, garante o aumento da escolaridade no Brasil e pode redundar em um desperdício imenso de recursos públicos.

Srªs e Srs. Senadores, se quisermos integrar todos os cidadãos brasileiros, a partir de um parâmetro elevado, dignificante e socialmente justo, é imperativo afastar as crianças brasileiras do trabalho precoce.

De minha parte, tramitam no Senado dois projetos de lei de minha autoria, visando a tornar mais duras as penalidades para aqueles que se utilizam da mão-de-obra infantil.

O primeiro projeto propõe a alteração do art. 434 da Consolidação das Leis do Trabalho para atualizar o valor das multas aplicáveis em razão do descumprimento das normas protetivas do trabalho do menor, nas hipóteses em que ele é admitido pela nossa legislação: a partir de 16 anos; ou 14 anos, para o contrato de aprendizagem.

O montante arrecadado com a aplicação das multas referenciadas nesse artigo será direcionado para o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente.

Nosso segundo projeto acrescenta o art. 207-A Ao Código Penal, visando criminalizar a contratação de menores de dezoito anos para o trabalho perigoso ou insalubre. A pena de detenção varia de seis a dois anos, se o crime não constituir fato mais grave.

O Senado já aprovou e se encontra na Câmara dos Deputados o terceiro projeto de nossa autoria, que cria o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, cuja data é 12 de junho, a mesma do Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil.

Concedo um aparte ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senadora Lúcia Vânia, primeiro, fico feliz que haja, nesta Casa, alguém que traga esta luta. Segundo, compartilho totalmente da sua preocupação com o destino da Bolsa PETI. Transformaram o Programa Bolsa Família de programa educacional em programa transferência de renda. Mesmo que esteja na lei, a exigência da freqüência não consegue ser feita porque ela misturou programas diferentes. O que está por trás disso é uma concepção. O Governo Lula não consegue pôr a educação como instrumento libertário, mas pensa na renda como instrumento libertário. Isso não vai dar certo. Ou educamos ou não conseguimos os resultados devidos. Mas eu queria aproveitar, além de parabenizá-la pelos projetos, para fazer uma proposta: por que não juntamos a Comissão de Assuntos Sociais e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e convocamos os dois Ministros, o da Educação e o do Desenvolvimento Social, para que nos expliquem e ao Brasil inteiro o que estão fazendo? Porque, ao meu ver, estão abandonando um belíssimo projeto, no qual eu e V. Exª tivemos um papel, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso levou para o Brasil e que está sendo descaracterizado, perdendo a razão de ser, que era não só eliminar o trabalho infantil, mas colocar toda criança na escola e em horário integral, que era a jornada ampliada. Eu creio que não podemos apenas fazer discurso. Eu faço discurso, a senhora faz discurso, e não fazemos nada? Como é que tentamos recuperar a Bolsa Família para virar Bolsa Escola outra vez? Como é que recuperamos a função educacional do PETI, em vez de deixar que seja um PETI Família, que é o que eles vão fazer? Então, a minha proposta - não sei se dá neste ano; neste ano não é mais possível - é que, no próximo ano, convoquemos os dois Ministros, e, talvez, também, o Ministro dos Direitos Humanos - a Secretaria vai voltar a ser Ministério agora - para que os três juntos nos expliquem o que estão fazendo, porque, aparentemente, estão destruindo um projeto que tinha uma bela causa. E eu concluo, Srª Presidente, dizendo que o Banco Mundial acaba de fazer um estudo contendo o que se deve e o que não se deve fazer para reduzir a pobreza no mundo. O primeiro item do que se deve fazer é a idéia da Bolsa Escola. Só que nem vem com esse nome mais, vem com o nome de Progresa, que é o projeto que os mexicanos pegaram daqui, levaram para lá e estão fazendo melhor do que nós. Perdemos a paternidade ao mudar o nome para Bolsa Família e tirar a nitidez da preocupação educacional do programa. Eu lamento que com o PETI estejam fazendo o mesmo.

A SRª LUCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Eu agradeço ao Senador Cristovam. Gostaria de incorporar o seu aparte ao meu discurso, Senador, e dizer da minha alegria com as colocações feitas por V. Exª, principalmente quando objetiva convidar os Ministros dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento Social e da Educação para nos explicar. Realmente, talvez eles tenham alguma coisa a dizer em relação a isso.

Comungo com V. Exª do mesmo pensamento em relação ao Bolsa Escola, porque foi um desastre, uma tristeza, ver esse programa que estava dando certo e que já tinha sido ampliado para quase 10 mil famílias estar, hoje, incorporado ao Bolsa Família, sem a preocupação com a centralidade na educação. Creio que essa seja nossa preocupação e a de V. Exª também.

E V. Exª tem sido um professor de todos nós nessa ação, com a sua experiência. O sucesso da implementação do Bolsa Escola, aqui no Distrito Federal, se deve, sem dúvida alguma, à sua iniciativa, ousadia até mesmo, naquela ocasião, de implementar um projeto tão bonito quanto aquele. Ficamos muito tristes de ver que mudam os governos e mudam os programas, sem preocupação alguma de se dar continuidade àquilo que deu certo. Portanto, os meus agradecimentos ao seu aparte.

Quero, por fim, encerrar a minha fala dizendo que acreditamos que esses três projetos que apresentei são uma pequena contribuição que estamos dando para colaborar com a erradicação dessa chaga que tanto marca o Brasil no cenário mundial.

Obrigada, Srª Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2005 - Página 43685