Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao suposto monopólio da Geap - Fundação de Seguridade Social na prestação de serviços de saúde suplementar aos funcionários públicos federais.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SAUDE.:
  • Críticas ao suposto monopólio da Geap - Fundação de Seguridade Social na prestação de serviços de saúde suplementar aos funcionários públicos federais.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2005 - Página 44120
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SAUDE.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, TENTATIVA, GOVERNO FEDERAL, CONCESSÃO, MONOPOLIO, SETOR PUBLICO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SERVIÇO DE SAUDE, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, FAVORECIMENTO, ORGÃOS, PERSONALIDADE JURIDICA, DIREITO PRIVADO, IMPEDIMENTO, FISCALIZAÇÃO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), REPASSE, SUPERIORIDADE, RECURSOS.
  • REGISTRO, DISPUTA, PREENCHIMENTO, CARGO PUBLICO, ORGÃOS, ATENDIMENTO, INTERESSE, NATUREZA POLITICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • DENUNCIA, ILEGALIDADE, EXTENSÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, CONVENIO, ORGÃO PUBLICO, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, FUNDAÇÃO, ORGÃOS, ALEGAÇÕES, DESCARACTERIZAÇÃO, GESTÃO, EMPRESA.
  • APREENSÃO, EXTINÇÃO, CONCORRENCIA, SETOR, IMPLEMENTAÇÃO, ARBITRARIEDADE, EMPRESA, MONOPOLIO.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 8 de março de 2004 - portanto, há bastante tempo -, o jornal Folha de S.Paulo estampou a seguinte manchete: “Oposição e até base acusam governo de beneficiar o Geap com decreto”.

A notícia referia-se ao Decreto nº 4.978, de 3 de fevereiro de 2004, que assegurava à Fundação de Seguridade Social o monopólio dos serviços de saúde aos funcionários públicos federais em Brasília e nos Estados, de 28 Ministérios e outros órgãos.

No texto da reportagem, há uma citação do eminente Senador Jefferson Péres que, nesses 21 meses, se mostrou profética. O Senador disse em março de 2004, referindo-se à reserva de mercado para o Geap: “São tantos os fatos suspeitos ocorridos nos primeiros 15 meses do Governo, que só mesmo uma CPI teria poderes de investigar todos eles. É uma coisa atrás da outra, parece que há dois movimentos em marcha: o de arrecadar dinheiro para o caixa de campanha e o de aparelhar o Estado com pessoas do PT.”

Com mais de um ano de antecedência, o Senador Jefferson Péres não poderia ser mais preciso. O escândalo do mensalão confirmou os mais tristes prognósticos de S. Exª. Mas a dimensão dos escândalos que atingiram o Governo do Presidente Lula acabou relegando ao segundo plano esta tentativa de aparelhamento partidário por meio de apropriação privada de dinheiro público para fins políticos ou de outra natureza.

Hoje, eu gostaria de voltar ao assunto da Geap, para não deixar que tão grave manipulação dos interesses de tantos funcionários públicos fique ao sabor dos interesses de grupos políticos com interesses inconfessáveis.

A Geap é uma entidade fechada de previdência complementar cuja personalidade jurídica é de direito privado. Os negócios dessa empresa no setor público não estão, por conseguinte, sujeitos à fiscalização no Tribunal de Contas da União, embora ela opere exclusivamente com recursos públicos.

Os repasses anuais do Erário à Geap giram em torno de R$1 bilhão e não estão sujeitos à fiscalização, por ser um ente de direito privado. A contratação direta é feita mediante “convênios de adesão”, os quais nada mais são que um instrumento para burlar o devido processo licitatório, exigido na Constituição Federal e na legislação que rege as contratações do setor público.

Como é fácil observar, trata-se de uma quantia expressiva por qualquer critério de análise. Isso explica a ostensiva disputa por cargos na direção nacional do órgão e nas seções regionais do Geap, entre partidos ligados ao Governo, especialmente nos meios sindicais do funcionalismo.

Não é por acaso que os postos de comando do órgão têm sido preenchidos por quadros políticos e sindicais vinculados ao PT, que controla a maioria das organizações sindicais e associativas de servidores do Executivo Federal.

Um exemplo que não deixa dúvida é sobre a situação da atual diretora executiva. A médica Regina Ribeiro Parizi Carvalho é militante do PT, candidata a deputada estadual por São Paulo, tendo exercido a direção de entidades de funcionários da área de saúde pública. Ela foi designada para o cargo pelo ex-Ministro e ex-Deputado José Dirceu.

Embora a Geap seja de fato uma companhia privada, existe uma zona cinzenta nas suas relações com o setor público, da qual o petismo aproveitou-se para iniciar um esforço de ocupação político-administrativa da empresa com um único objetivo: obter o monopólio da administração e execução de planos de saúde suplementar em todo o Governo Federal. Estima-se que o valor potencial anual desse mercado pode superar os R$3 bilhões.

A confusão entre o público e o privado encontrou nas relações da Geap com o setor público um ambiente favorável para florescer. A Fundação foi instituída por grupos de funcionários públicos dos Ministérios da Saúde, da Previdência Social e do Instituto Nacional de Previdência - INPS, e da Dataprev. Portanto, das áreas de saúde e previdência, conjuntamente. Com esses órgãos, os funcionários usuários dos planos oferecidos compartilham a administração da empresa na modalidade de “empresa de autogestão”, cujo registro só recentemente foi concedido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

A instituição de convênios nessa esfera administrativa é regular e de acordo com a legislação do setor, isto é, a Geap deveria trabalhar com aquelas instituições que a criaram. Os próprios usuários do serviço gerem a empresa de modo compartilhado com os órgãos que a patrocinam. Mas é ilegal instituir esse convênio com outros órgãos públicos que não os fundadores da Geap, porque esse procedimento descaracteriza os princípios da autogestão. É o que diz a lei e foi consignado num acórdão do TCU, que analisou a questão.

Em janeiro de 2004, deu-se um episódio que ilustra essa confusão entre os interesses público e privado no governo petista. Dirigentes do Geap e representantes dos Ministérios da Saúde, Previdência e Planejamento, INSS e Dataprev reuniram-se na Casa Civil para redigir o Decreto nº 4.978, de 2004, que assegurava formalmente à Fundação o monopólio da assistência à saúde dos servidores federais em geral.

A certeza de que o poder tudo pode, inclusive contrariar a lei, levou os participantes a documentar e registrar em ata a reunião e o que nela foi tratado. Uma cópia dessa ata, inclusive, foi publicada, à época, pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Tratava-se de um escândalo, um dos primeiros documentados no Governo Lula e que seria ultrapassado pelos fatos descobertos em 2005. Ou seja, representantes de interesses privados - no caso, os dirigentes do Geap - reuniram-se no Palácio do Planalto com o Ministro de Estado e seus assessores para escreverem um decreto com regras que beneficiavam os primeiros direta e objetivamente. Então, o decreto foi feito para beneficiar aquelas pessoas que o elaboraram e que não eram do Governo.

O Decreto nº 4.978/04 foi assinado pelo Presidente Lula, em um ato de ofício, e os então Ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o do Planejamento, Guido Mantega, dando a uma empresa privada, dirigida por uma corporação de servidores e militantes partidários, acesso privilegiado a um mercado potencial de R$3 bilhões.

A repercussão do escândalo na mídia, no Congresso Nacional e a reação da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados e do TCU obrigaram o Governo a rever a decisão. O Presidente da República tratou de contornar o problema mediante um novo decreto, providenciado às pressas, em que se restabelecia a situação anterior.

No final de abril de 2004, o Plenário do TCU decidiu, finalmente, pela ilegalidade dos convênios de adesão firmados pela Fundação com órgãos e entidades da administração pública. Pelo acórdão, apenas os convênios com patrocinadores históricos da Geap são legais.

Apesar dessas derrotas, Governo e Geap não se deram por vencidos e continuam a insistir na implementação do projeto monopolista. A partir da publicação do acórdão do TCU, mediante recursos protelatórios, reiteradamente aceito pelo Tribunal, os advogados da Geap conseguiram prorrogações sucessivas da vigência dos convênios que já somam mais de 500 dias, ou seja, a estratégia protelatória representa uma prorrogação da ilegalidade por um ano e seis meses.

A bem da verdade, deve-se dizer que alguns órgãos públicos chegaram a promover licitações, como o caso do Ministério de Minas e Energia e do Departamento da Polícia Federal, mas sob pressão da Geap e do alto comando do Governo, não homologaram os respectivos processos de concorrência. É razoável imaginar que foram orientados a aceitarem a prorrogação dos convênios.

Tendo em vista os fatos que estamos expondo, considero que é fundamental que o Congresso Nacional e o TCU fiquem atentos aos movimentos cada vez mais fortes do Governo no sentido de determinar o monopólio da prestação de serviços de saúde para os servidores públicos do Executivo Federal, seja por intermédio da manutenção de convênios irregulares da Geap, seja por meio da criação de uma nova fundação, à semelhança do que a Ministra Dilma Rousseff sugeriu ao TCU, que continuaria fora do alcance do Tribunal e seria também uma medida inconstitucional visando burlar a legislação de concorrências públicas.

O monopólio dos serviços de saúde no setor público suprimiria a concorrência saudável entre as centenas de empresas de previdência e saúde complementar que atuam no mercado nacional, tiraria o direito de escolha dos funcionários públicos e o que parece mais perverso, submeteria os órgãos públicos a “convênios de adesão” cujos valores seriam arbitrados pela própria empresa monopolista, o que poderá representar uma fonte de desvio de recursos sem controle, nem fiscalização.

Aliás, nesse aspecto, deve-se lembrar que a Geap teve seus sigilos fiscais e bancários quebrados pela CPMI dos Correios para análise de supostas operações de R$37,8 milhões no mercado financeiro mediante a intermediação da corretora de seguros Bonus Banval e dos Bancos Rural e BMG, os mesmos do esquema do “valerioduto”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para encerrar, gostaria de dizer que a última prorrogação concedida pelo Tribunal de Contas foi no dia 14/8/2005, pelo prazo de 120 dias, e vai até o dia 14/02/2006. Portanto, nós estamos numa situação em que não é possível mais haver essas prorrogações. São prorrogações irregulares. A Geap foi feita para prestar serviço a um determinado grupo e não pode estender essa prestação de serviço a outros órgãos, a não ser que seja participante de licitações. Ninguém quer proibir a Geap de participar. Ela pode se inscrever, participar das licitações e ganhar, se tiver um preço melhor e um serviço melhor. Todos nós sabemos que esses sistemas monopolistas tendem a aumentar o preço e piorar a qualidade do serviço.

Assim, é necessário que o Governo, por meio do Executivo, e nós aqui do Legislativo, acompanhemos esse processo e que o TCU tome providências definitivas para acabar com esse abuso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2005 - Página 44120