Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relembra que na data de hoje, são passados 37 anos da data da assinatura do Ato Institucional 5 - (AI-5).

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Relembra que na data de hoje, são passados 37 anos da data da assinatura do Ato Institucional 5 - (AI-5).
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2005 - Página 44167
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, ASSINATURA, ATO INSTITUCIONAL, FECHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, IMPOSIÇÃO, CENSURA, OBSTACULO, LIBERDADE DE PENSAMENTO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, AVALIAÇÃO, HISTORIA, BENEFICIO, DEMOCRACIA.
  • COMPARAÇÃO, VIOLENCIA, ATO INSTITUCIONAL, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, FALTA, EDUCAÇÃO, EMPREGO, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, fico contente que V. Exª esteja na Presidência e que os Senadores Jefferson Péres, Alberto Silva e outros também estejam presentes porque fazem parte de uma geração que se lembra de alguns fatos. Há certas datas que o País não pode deixar de lembrar, há certas datas que não temos o direito de esquecer. E fico contente que haja aqui crianças de escolas do Distrito Federal para lembrar isso.

Há 37 anos, foi assinado o AI-5, um dos atos mais aberrantes da história brasileira. Há 37 anos, o Brasil mergulhou na escuridão da escuridão, mergulhou no momento mais dramático da ditadura, que já estava implantada.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Arthur Virgílio, com o maior prazer. Peço apenas um minuto.

Naquela noite, o Brasil ainda não dispunha dos sistemas maravilhosos de comunicação de hoje. Mas todos nós tomamos conhecimento, e nos arrepiamos. Muitos fugiram, correram, se esconderam, alguns foram presos. A partir daquele momento, a censura passou a ser brutal. O Congresso foi fechado; esta Casa não tem o direito de se esquecer daquela data, porque foi uma data contra o Congresso.

A partir daquele momento até o dia da eleição do Presidente Emílio Médici, vivemos o período de exceção dentro da exceção. Foram longos anos vivendo dentro de uma ditadura e debaixo de um regime que não permitia fala, não permitia opinião, não permitia o Congresso, e tivemos de nos submeter àquilo. Além de todos os males cometidos durante aquele período, houve o pior de todos, talvez, que foi a suspensão do diálogo entre Governo e Oposição, entre pensar, repensar, debater e discutir, o que, certamente, se tivesse se mantido, teria evitado muitos e muitos dos erros pelos quais até hoje estamos pagando. A dívida certamente não seria do tamanho que é hoje, a desigualdade, a concentração de renda não teria tomado o rumo que tomou, a industrialização teria sido mais solidária, teria havido mais compromissos sociais. Por isso, vim aqui em nome da Liderança do meu Partido, o PDT, para lembrar essa data.

Hoje, no jornal O Globo, li uma frase do ex-Ministro Fernando Lyra, ex-Deputado também, que merece ficar escrita nos Anais. Ele disse que nós, democratas, tínhamos de recordar o AI-5 com a mesma visão e perseverança com que os judeus relembram o holocausto, para que nunca mais se repita aquilo que aconteceu no Brasil.

Ouço as palavras, com muito prazer, do Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª aborda, de fato, um tema que não pode ser esquecido. Essa data para mim é inesquecível mesmo, pois meu pai foi cassado no dia sete de fevereiro de 1969, o que foi publicado no Diário Oficial do dia seguinte, dia oito de fevereiro. Passei momentos difíceis. Minha formatura foi atrasada, porque eu era retirado de sala de aula prova sim, prova não. Eu nunca sabia quando eu poderia completar uma prova. Eu era retirado de sala de aula e, nem mesmo se eu tirasse notas acima de 10 em cada matéria - mas eu não podia tirar mais do que dez -, não poderia passar de ano. Então, eu ia trancando, trancando, até que, anos depois, consegui me formar, embora minha turma me considere como dela, porque sabe exatamente que outros, como eu, passaram pelos mesmos percalços: as prisões, as perseguições, as humilhações. Meu pai, com 48 anos de idade, com uma carreira política fulgurante, foi arrancado da sua tribuna e nunca mais teve oportunidade de a ela voltar pelas injunções da vida. Mas não me quero prender a uma questão pessoal. Quero dizer que foi um momento de conflito entre a rua que se levantava - os estudantes e os intelectuais à frente - e a ditadura, que precisava afirmar-se como força dominante. E o fez da maneira mais brutal. Foi o momento mais brutal de afirmação do poder e da força no Brasil. Foi inesquecível mesmo! V. Exª está de parabéns pela lucidez com que aborda um tema que, repito, não pode sair da cabeça dos brasileiros. Quem não viveu aquele momento tem de saber dele pelos mais velhos. Quem o viveu tem de relembrá-lo. Meus parabéns!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Arthur Virgílio.

A Senadora Heloísa Helena havia pedido um aparte, mas creio que não haverá tempo.

Concluirei, Sr. Presidente, dizendo que, nesses 37 anos, o Brasil mudou. Ganhamos, outra vez, um Congresso aberto, com toda a liberdade. A imprensa é absolutamente livre. Hoje, não há ninguém cassado do ponto de vista daquele momento. No entanto, ainda há AI-5! Há um AI-5 pesando na cabeça de milhões de analfabetos que não conseguem vagas em cursos para aprender a ler; há um AI-5 sobre a cabeça das crianças obrigadas a abandonar a escola antes de concluir o ensino médio; há um AI-5 sobre a cabeça dos milhões de meninos e meninas que trabalham em vez de estudar e daqueles que estão ainda em situação pior, que se prostituem; há um AI-5 sobre a cabeça dos milhões de pais de família que, por falta de emprego, não conseguem levar para a casa o alimento dos filhos.

Precisamos, Sr. Presidente, casar a democracia que construímos quando derrubamos o AI-5 político com o atendimento das necessidades sociais. Enquanto não fizermos isso, a democracia, ainda que seja uma grande conquista, não terá valido a pena suficientemente porque não terá chegado a todos os brasileiros.

Sr. Presidente, agradeço-lhe por ter-me concedido mais tempo. Meu Partido e eu queremos deixar registrado aqui que essa data não pode ser esquecida, para que não seja repetida.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2005 - Página 44167