Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação dos funcionários do Banco Central do Brasil com o cumprimento, pelo Governo, de acordo coletivo de reposição salarial da categoria. Posicionamento sobre a pesquisa do geneticista Bruce Lahn, publicada na revista científica Science.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Preocupação dos funcionários do Banco Central do Brasil com o cumprimento, pelo Governo, de acordo coletivo de reposição salarial da categoria. Posicionamento sobre a pesquisa do geneticista Bruce Lahn, publicada na revista científica Science.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/2006 - Página 1040
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, FUNCIONARIOS, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DESCUMPRIMENTO, GOVERNO FEDERAL, ACORDO, REAJUSTE, SALARIO, CATEGORIA PROFISSIONAL, SOLICITAÇÃO, EXECUTIVO, AGILIZAÇÃO, PROVIDENCIA, CUMPRIMENTO, PROMESSA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), TRANSCRIÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, AUTORIA, ESPECIALISTA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, AMBITO INTERNACIONAL, DESCOBERTA, ALTERAÇÃO, GENETICA, DEMONSTRAÇÃO, INFERIORIDADE, CAPACIDADE, PENSAMENTO, NEGRO, POPULAÇÃO, PROCEDENCIA, CONTINENTE, ASIA.
  • OPINIÃO, ORADOR, CONDUTA, CIENTISTA, TENTATIVA, JUSTIFICAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESCONHECIMENTO, CONTRIBUIÇÃO, NEGRO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, MEDICINA, MATEMATICA, RELIGIÃO, ARTES, QUIMICA, LITERATURA, REGISTRO, DIVERSIDADE, INVENÇÃO, AUTORIA, GRUPO ETNICO, FAVORECIMENTO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, BRASIL, MUNDO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final de outubro do ano passado, após longa e desgastante negociação, o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, assinou acordo coletivo com o Governo Federal, aceitando a proposta de reposição salarial de 6% a partir de Janeiro de 2006 mais 4% a partir de junho de 2006.

Como é de conhecimento de todos nós, os reajustes dos funcionários públicos têm de ser aprovados pelo Congresso Nacional mediante proposta do Poder Executivo. Ocorre que, decorridos quase noventa dias do encerramento das negociações, nenhuma mensagem foi encaminhada ao Congresso Nacional, e nem o sindicato da categoria recebeu quaisquer explicações.

Hoje pela manhã recebi em meu gabinete uma comissão de diretores do sindicato dos funcionários do Banco Central onde me foi entregue um documento expondo toda a situação que está angustiando a categoria. Eles querem o cumprimento daquilo que foi acordado.

Sr. Presidente, faço um apelo ao Governo Federal que agilize o mais rápido possível a concretização do acordo firmado. É fundamental, e aqui senhores, utilizarei uma expressão que me acompanhou por muitos anos nas negociações sindicais, acordo firmado entre patrão e trabalhador é para ser cumprido.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o segundo assunto é para dizer que em setembro do ano passado a conceituada revista científica Science publicou dois artigos do geneticista Bruce Lahn sobre dois genes associados com o tamanho do cérebro humano que teriam sofrido mutações significativas a cerca de 27 mil anos e 5.800 anos cada um deles.

O problema é que o geneticista relaciona estes genes com a inteligência e coloca os povos negros e asiáticos como sendo os menos providos de inteligência. Ele deduz, sem provas para isso, que os genes MCPH1 e o ASPM poderiam fazer parte dos genes fundamentais para que os humanos se diferenciem das demais espécies por termos a capacidade de pensar.

Lahn pesquisou a ocorrência desses genes em mais de mil pessoas distribuídas por todos os continentes e descobriu que as incidências mais baixas aparecem em populações da áfrica Subsaariana.

Sr. Presidente, vou ler um trecho da matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, do dia 28 de dezembro do ano passado, que fala sobre a explicação dada por Lahn.

Diz: “Sua explicação para isso é genético-demográfica: as mutações criadoras das variantes só teriam ocorrido depois da saída dos humanos da África. Mas outra leitura é que os africanos de hoje, em geral, são desprovidos das versões de genes que Lahn associa com revoluções tecnológicas determinantes da condição humana”.

Um absurdo!!

O que será que esse geneticista, por sua porção racista, quer fazer? Para nós parece que ele busca criar uma grande confusão entre as capacidades intelectuais de brancos e negros.

Se pegarmos, por exemplo, uma criança ou um adulto, da Etiópia, subnutridos e que tiveram péssimas condições de vida e compararmos seu desenvolvimento intelectual com o de outros, brancos ou negros, da mesma idade, mas que tenham tido excelentes condições de vida o que teremos? Obviamente os resultados serão melhores para aqueles cuja vida foi melhor. Mas isso não significa que aqueles que são subnutridos, pobres, que não tiveram acesso ao estudo e a saúde não sejam capazes!!

Ao contrário. A capacidade é inerente a todos. As oportunidades e as condições econômicas, sociais e culturais é que diferem.

Esse geneticista esquece, ou desconhece, que muito antes de a Europa iniciar suas descobertas e suas conquistas, a África já era bastante antiga. Todos sabemos sobre as incríveis contribuições dos egípcios, povo por excelência negro. Contribuições nas mais diversas áreas: matemática, escrita, religião, artes etc.

Para citar um exemplo, por volta dos anos 2980 a 2950 AC no Egito antigo, viveu Imotep. Considerado por pesquisadores como o primeiro cientista de que se tem notícia, ele teria sido o arquiteto responsável pela construção da mais antiga pirâmide do Egito, a de Sacará. Também de acordo com pesquisas, Imotep teria sido médico e, devemos destacar, os gregos o igualavam a seu deus da Medicina. E em Roma era venerado como o “Príncipe da Paz na forma de um homem negro”.

Aí nos perguntamos: será mesmo que o grego Hipócrates, conhecido por todos como pai da Medicina, merece este título? Não queremos aqui desmerecer os avanços e as descobertas de Hipócrates, ao contrário, o que queremos evidenciar é que os negros são sim tão capazes quanto as demais raças e que a História nem sempre foi contada em sua plenitude.

Os antigos egípcios também tinham conhecimentos de química. Fato que pode ser visto por meio das cores utilizadas em peças de vidro e porcelana. Conheciam os efeitos dos ácidos sobre as cores, daí utilizarem diversas matizes em suas pinturas.

O historiador francês Count Volney, ao escrever sobre invenções e descobertas africanas disse que pessoas hoje esquecidas - os negros-, faziam inúmeras descobertas nas áreas das artes e das ciências enquanto outros povos ainda eram bárbaros.

Escreveu ele: “Uma raça de homens agora rejeitada pela sociedade por sua pele escura e seu cabelo enroscado cimentou no estudo das leis da natureza esses sistemas civis e religiosos que ainda governam o universo”.

Podemos dar as costas a isso e aceitar sem questionamentos a pesquisa do geneticista chinês? Acreditamos que não.

Não podemos nos esquecer que antes de serem levados de suas terras, os africanos viviam em comunidades muito semelhantes as que temos hoje. Com suas regras, com suas descobertas, com seus avanços.

A maioria dos historiadores concorda que os antigos impérios de Gana, Mali e Songhay (este destruído em 1591) desenvolveram sociedades científicas. Em 1864, Draper publicou “Uma História do Desenvolvimento Intelectual da Europa” em que falava sobre a superioridade do desenvolvimento social e artístico dos mouros.

Em Mali tivemos a universidade de Sankore, em Tombuctu. Foi apenas após ela existir que universidades foram fundadas na Europa.

Já na era romana, em 103 ac, um homem negro chamado Tiro inventou a escrita taquigráfica. Mas, o que aprendemos? Que, em 1837, o inglês Isaac Pitman inventou esse tipo de escrita.

Esopo, famoso escritor que influenciou o pensamento ocidental, era negro e havia sido levado para a Grécia a cerca de 3 mil anos como escravo.

Na era moderna podemos destacar a invenção de Garret Morgan. Um afro-americano que inventou o sistema automático de sinais de trânsito em 1923.

Segundo minhas pesquisas Sr. Presidente, Morgan, possuía apenas a educação escolar elementar. Começou sua vida de trabalhador como técnico de máquinas de coser e inventou um sistema para aperfeiçoar essas máquinas. Também inventou a primeira máscara de gás em 1912, obtendo uma patente do governo norte-americano.

Ele criou uma companhia para fabricar as máscaras que ia bem até que seus clientes descobriram a cor de sua pele. Para enganar seus clientes ele inventou um creme para alisar os cabelos.

Outro grande inventor foi Elijah McCoy que, em 1872, inventou um sistema de gotejamento para máquinas de vapor que permitiu engordurá-las durante a marcha. Segundo pesquisadores, seu dispositivo para engordurar as máquinas de vapor foi muito importante para a revolução industrial do século XX.

Na América do Norte temos outros exemplos: Charles Drew foi pioneiro no desenvolvimento do banco de sangue; William Hinton publicou, em 1935, o primeiro manual médico escrito por um afro-americano, baseado em sua investigação da sífilis; George Washington Carver, na década de 20, desenvolveu novos métodos de cultivo que salvaram a economia do sul dos Estados Unidos.

Richard Spikes desenvolveu a caixa de câmbios automáticos para os automóveis em 1932. A oftalmologista Patricia Bath, em 1986, inventou um dispositivo laser que vem sido usado nas cirurgias de cataratas. Philip Emeagwali, imigrante nigeriano nos Estados Unidos, realizou, em 1989, o cálculo de computador mais rápido do mundo. Sua conquista alterou a forma de estudar o aquecimento global e as condições do tempo. Além disso, tem ajudado a determinar a maneira como o petróleo flui sob a terra.

Temos ainda o cientista ganês, Raphael Armattoe, indicado ao Prêmio Nobel de Medicina em 1948. Ele encontrou a cura para a doença do verme da água da Guiné na década de 40.

Isso sem falar de Mandela e Marthin Luther King, ícones mundiais da luta dos negros pela igualdade.

Aqui no Brasil, apenas para citar alguns nomes, temos nosso grande mestre Aleijadinho; o poeta e jornalista, José do Patrocínio; a guerreira africana Luiza Mahin, que teve importante papel na Revolta dos Malês na Bahia.

E o que falar de Machado de Assis, maior escritor da língua portuguesa? E de Rui Barbosa, guardião da República e um dos homens mais cultos da vida nacional?

Devemos destacar também o papel do engenheiro baiano André Rebouças, um dos heróis do movimento abolicionista. Inclusive, o túnel Rebouças, um dos maiores do Rio de Janeiro, foi feito pelos irmãos Rebouças, negros.

E a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro que foi fundada em 1829 por um homem negro? Será que nossas crianças não merecem saber quem foi Joaquim Cândido Meirelles, este grande homem da saúde brasileira? Aliás, o fato de ele ser negro não consta nos relatos encontrados sobre Joaquim Meirelles.

O que queremos é mostrar que idéias racistas como a do geneticista Bruce Lahn não podem ser simplesmente aceitas. Se fizermos isso estaremos perpetuando o racismo.

Precisamos estar cientes de que todos, brancos, negros e índios, possuem as mesmas capacidades. O que não temos hoje são as mesmas oportunidades e, para que isso seja alterado é que estamos aqui. Mas capacidades, pelo pouco que pude relatar, não podemos negar que são iguais para todos.

Talvez o geneticista Bruce Lahn, ao colocar os asiáticos e os negros como humanos menos inteligentes esteja falando sobre si mesmo. Afinal, como chinês ele nada mais é que asiático. Não é justo que africanos e asiáticos paguem pela incapacidade desse cientista.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/2006 - Página 1040