Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra decisão anunciada pela imprensa de que o STF deverá decidir pelo arquivamento do processo contra o ex-Ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, acusado de improbidade administrativa.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Protesto contra decisão anunciada pela imprensa de que o STF deverá decidir pelo arquivamento do processo contra o ex-Ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, acusado de improbidade administrativa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/01/2006 - Página 1840
Assunto
Outros > JUDICIARIO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • PROTESTO, POSSIBILIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ACOLHIMENTO, PROCEDENCIA, RECLAMAÇÃO, IMPETRAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ARQUIVAMENTO, PROCESSO, ACUSAÇÃO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), IMPROBIDADE, UTILIZAÇÃO, AERONAVE, FORÇA AEREA BRASILEIRA (FAB), TURISMO, FAMILIA, FERNANDO DE NORONHA (PE).
  • LEITURA, LEGISLAÇÃO, FIXAÇÃO, PUNIÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, EXECUÇÃO, IMPROBIDADE, ATO, PREJUIZO, PATRIMONIO PUBLICO.
  • SOLICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REVISÃO, DECISÃO, IMPEDIMENTO, ARQUIVAMENTO, DIVERSIDADE, PROCESSO, DESVIO, CONDUTA, INSTITUIÇÃO PUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - S. Exª merece, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi divulgado pela imprensa que, até o mês de março do corrente ano e até o fim deste mês, o Supremo Tribunal Federal decidirá, definitivamente, pela Reclamação nº1.238, impetrada em 2002, pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, contra a decisão da Justiça Federal de Brasília que foi contrária ao ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. Entende aquele Governo do Fernando Henrique que não se aplica, em tese, a Lei da Improbidade Administrativa - a qual eu tive a honra de ser Relator nesta Casa - aos seus ministros no caso específico.

Lembram-se que o Ministro Ronaldo Sardenberg usou o avião da FAB para um tour em Fernando de Noronha - ele, sua família e alguns amigos. A ação foi impetrada, houve o recurso. Ele foi condenado na Justiça Comum, e a informação que se tem é que, agora, o Supremo vai anular a decisão, absolvendo-o.

Argumentam os advogados - e suas ponderações já sensibilizaram seis Ministros do Supremo Tribunal Federal - que o agente político não responde pela Lei da Improbidade Administrativa. Essa é uma decisão fantástica que me custa crer o Supremo Tribunal Federal esteja na possibilidade, nas vésperas de decidir.

O agente político não responde pela Lei da Improbidade Administrativa. E, além disso, defendem os tucanos, que seus ministros já responderiam judicialmente na abrangência da norma dos crimes de responsabilidade - Lei nº 1.079/50.

Muito me preocupa essa interpretação do Supremo que está em vias de acontecer. Eu repito: caso o Supremo Tribunal Federal consolide esse entendimento, considerando procedente a reclamação do Governo Fernando Henrique Cardoso, as autoridades não responderão mais pelos desvios de conduta administrativa, abrindo grave precedente para mais uma monumental brecha na punição dos atores do setor público.

Ninguém mais será processado! Não se trata nem mais de impunidade pelo fato de o processo não andar. Ninguém mais será sequer processado, e, se essa decisão for tomada, no caso do ministro que usou o avião da FAB... Existem, hoje, 10 mil inquéritos, 10 mil ações análogas correndo nas Cortes brasileiras e que poderão ser arquivadas. Com essa decisão - arquivando o processo do ex-ministro Ronaldo Sardenberg, que usou os aviões da FAB em várias viagens de turismo para Fernando de Noronha - de que, repito, as autoridades não responderão mais pelos desvios de conduta administrativa, 10 mil processos que estão em andamento, a maioria deles provavelmente engavetados, mas que estão sendo processados, serão arquivados. Daqui para diante, ninguém mais pode ser processado por desvio de função.

Quero apelar ao bom senso do nosso Supremo: é verdade que deve estar martelando no Supremo o fato de haver 10 mil processos parados, nas gavetas, aqui, acolá, sem andamento, e esta pode ser uma fórmula fácil para resolver a questão: arquivar tudo, enviar tudo para o arquivo geral. E, mais do que arquivar tudo, determinar que, daqui para diante, fatos delituosos como este não mais sejam processados. É uma liberação para tantas quantas pessoas do ministério quiserem visitar a ilha de Fernando de Noronha: que peguem o aviãozinho da Força Aérea e para lá se destinem. Como essa, são milhares de questões onde há abuso do poder político-administrativo, e nada acontece.

Quero lembrar ao Supremo Tribunal Federal que a Lei nº 8.429/92 é clara, direta e objetiva com relação a essa parte.

Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de identidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Art. 2º. Reputa-se agente público [ilustres membros do Supremo Tribunal Federal] para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas, no artigo anterior.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta.

Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Portanto, meus irmãos, primeiro, é incontroverso o entendimento de que o agente político é espécie do qual agente público é gênero.

Segundo, o fato de responder por crime arrolado em uma lei não exime de responder por outro crime correlacionado àquele em outra norma. Nesse sentido, a Lei da Responsabilidade Fiscal e a Lei da Improbidade Administrativa podem ser perfeitamente aplicadas simultaneamente.

Em outras palavras, o agente que responde por crime de improbidade administrativa não está isento de responder, se for o caso, correlatamente aos mesmos fatos e contingências por ilícitos da Lei de Responsabilidade.

Seria o mesmo que dizer que, em um crime fiscal, o mesmo criminoso só responde em uma esfera, ou somente sob um aspecto do conjunto de ilicitudes.

Por último, faço um apelo aos novos cruzados: se for o caso, em favor da ética, da moralidade, da probidade administrativa, que os autores desistam, retirem a Reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal. É melhor retirar essa ação do que vê-la ser resolvida da forma como quer o Supremo: por meio de uma decisão que manda para o arquivo dez mil casos semelhantes e que estabelece, daqui para o futuro, que é irresponsável, perante a Lei da Impunidade, o agente político.

É lamentável, Sr. Presidente, com todo o respeito que tenho ao Supremo Tribunal Federal, que seja dado esse encaminhamento num caso em que há essas dúvidas. O caso é, de fato, muito sério: há dez mil casos nas gavetas sem decisão. Não se decide nada, até porque teria de mandar prender ou algo que o valha vinte Ministros que usaram os aviões da FAB; teria de prender, mandar devolver o dinheiro ou algo que o valha um sem-número de agentes - Presidentes da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, do Banco Central - que cometeram esse tipo de ilicitude. Se se fizesse isso, se essa fosse a lei, se essa fosse a norma, é evidente que essa situação não se repetiria.

É evidente que, se o cidadão que hoje exerce o cargo de Ministro soubesse que, se não cumprisse sua responsabilidade, se não cumprisse seu dever, ele receberia punição, isso não aconteceria. Ao longo do tempo, isso não aconteceu. Ao longo do tempo, essas pessoas cometeram esse tipo de delito e continuam na irresponsabilidade. Ao longo do tempo, uma série enorme de ações populares, as mais variadas, ingressou no Supremo Tribunal Federal. Recorre-se para cá, recorre-se para lá, mas as ações não param e não são julgadas. Convivemos com a impunidade: são dez mil casos processados que estão sendo julgados, mas a impunidade é real.

E qual é a decisão do Supremo? A decisão do Supremo é mandar arquivar os dez mil casos e baixar uma norma para determinar que ninguém mais vai ser processado. Ninguém mais vai ser processado! Desaparece o crime, porque ninguém mais vai ser processado.

Admira-me o Supremo tomar uma decisão dessas! Considero-a um absurdo, ainda que se diga que é em prol da rapidez: a coisa não está acontecendo, essas pessoas não estão sendo punidas, então vamos encerrar. Eu não acredito!

Faço um apelo dramático ao Supremo Tribunal: faça o que quiser, cobre de nós, do Congresso Nacional, a decisão que fomos obrigados a tomar, mas que não leve a cabo essa decisão que é escandalosamente absurda!

Muito obrigado pela tolerância sempre gentil de V. Exª, Sr. Presidente. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/01/2006 - Página 1840