Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Juscelino Kubitschek de Oliveira, pela passagem dos 50 anos de sua posse como Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Juscelino Kubitschek de Oliveira, pela passagem dos 50 anos de sua posse como Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 01/02/2006 - Página 2539
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, HISTORIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENDEREÇAMENTO, ORADOR.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros, a quem presto homenagem pelo trabalho que desenvolve no Congresso Nacional, Governadores Joaquim Roriz e Marconi Perillo, querida amiga Anna Christina Kubitschek Pereira, Sr. Arcebispo Cardeal Dom José Falcão, Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, meu prezado amigo, grande Senador e um grande Presidente do Supremo Tribunal Federal, que prestigiou esta Casa, Maurício Corrêa, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores admiradores de Juscelino Kubitschek de Oliveira, falo como um privilegiado; um privilegiado que conviveu com JK, que sentiu suas aflições e seus momentos de grande alegria. Falo com o conhecimento de quem não sendo contemporâneo, entretanto, pôde viver o seu governo e, sobretudo, as suas angústias.

Falo, Sr. Presidente, com a segurança de quem, com a rebeldia, que ainda hoje conservo, de divergir do seu Partido, muitas vezes esteve ao lado de Kubitschek contra o seu próprio Partido, conforme até carta que tenho aqui e que, infelizmente, não vou poder ler, dada a limitação que V. Exª fez do meu tempo. Entretanto, duas delas peço licença a V. Exª para ler.

Falo para dizer que a posse de Juscelino Kubitschek não foi fácil. Foi fruto da coragem pessoal dele, porque todos os grandes chefes militares daquela época lhe mandavam recado, senão até pessoalmente lhe diziam para desistir. Ele não desistiu, baseado naquele bilhete que Schmitd, seu grande amigo, colocou no bolso dele: “Deus me poupou o sentimento do medo”. E assim foi Juscelino no seu governo.

Cinqüenta anos em cinco, como já falaram aqui, reais. Ele realizou em cinco anos mais do que em cinqüenta. E por mais que queiram imitá-lo, isso não acontecerá no País em outra oportunidade. Juscelino era Juscelino. (Palmas.)

Como se disse há pouco, foi o único Presidente que chegou com um plano de metas e cumpriu todas! Todas! Trinta metas distribuídas em cinco setores! Brasília foi a 31ª meta, a meta-síntese. E já se falou aqui na criação de Brasília. Brasília foi criada - vou dizer aqui, agora - pela coragem de Juscelino e pela descrença do Congresso.

O Congresso aprovou a mudança porque sabia que era impossível fazê-la. (Palmas.)

Mas, aprovada a mudança, Juscelino teve a lei que ele sempre cumpriu como ninguém, o mais democrático regime possível. Cumpriu a lei e fez Brasília. Realizou Brasília com muita coragem e determinação, sem que isso prejudicasse suas outras metas: 43,4% de investimentos em energia; 29% em transportes. Aumentou os investimentos em alimentação em 4%; indústria de base, 20,4%; educação, 4%. Naquela época.

Depois Juscelino fez crescer a produção industrial do Brasil em 80%, quando o Brasil realmente deu o grande passo para ser uma nação industrializada.

Foi criticado na época, mas venceu todas as críticas com a realização verdadeira, não com a falsa realização do discurso. Era com a realidade das metas, que ele cumpria com todo o rigor.

A indústria automotiva - e esta que hoje é orgulho do Brasil - ele fez crescer 600%. E a siderurgia cresceu no seu tempo 100%. Duas novas usinas, que ele criou com muita coragem e determinação, deram ao País 36% a mais de energia. Construiu estradas impossíveis em mais de 20 mil quilômetros. Criou o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene, que outros mataram e que nós, agora, queremos ressurgir com o apoio de V. Exª, Sr. Presidente Renan Calheiros. (Palmas.)

Homem sem ódio e sem mágoas. Quem conheceu Juscelino - e muitos aqui o conheceram - sabe que era um homem bom. Até mesmo as ofensas mais calorosas que sofria ele perdoava, porque trabalhava, e quem trabalha esquece os ofensores. Assim era Juscelino! Jacareacanga e Aragarças foram revoltas terríveis. No dia 8 de julho de 1976 - aniversário até do Embaixador Paulo de Tarso -, pouco antes da sua morte, eu vinha no avião da Varig em que ele embarcou também. Estava a meu lado Délio Jardim de Mattos. Eu disse: “Délio, eu quero trocar de lugar com aquele Diretor da Varig para ir com o Juscelino”. E Délio me disse: “Vá, ele merece, ele nos perdoou duas vezes de duas revoluções que não deveria perdoar”.

Assim era Juscelino. A alegria dele contagiava o Brasil. Posso dizer que convivendo, como convivi, com um grande amigo seu, que agora está retratado nessa grande novela - a Rede Globo está levando ao conhecimento do País o nome de um homem público, notável, que foi Juscelino -, o meu amigo Augusto Frederico Schmidt, também tão atacado, foi realmente um amigo fiel de JK e soube aconselhá-lo na hora difícil, porque Juscelino ouvia e assimilava o que seus amigos diziam; não era um autoritário, um surdo à vontade do povo; ao contrário, a vontade do povo era a sua meta maior que todas as outras. (Palmas.)

Naquele tempo era fácil, e eu acompanhei com ele dois Presidentes da República que vieram antes da inauguração de Brasília: o Presidente Lopes Mateo, do México, e o Presidente Eisenhower. Vim com ele, e veja se isso hoje seria possível... Acompanhei Juscelino para receber Eisenhower. Hoje, a segurança não deixaria, o Exército muito menos, o Itamaraty acabaria... Mas, para Juscelino, nada disso importava. O que importava era o que ele queria fazer e ele fazia da maneira que quisesse. Poucos foram e serão assim neste País.

Portanto, esse homem foi para a eleição com o candidato que ele achava difícil de vencer, mas que as circunstâncias impunham. Foi e não ganhou a eleição. O seu candidato foi o Marechal Lott. Venceu Jânio Quadros.

A posse de Jânio Quadros foi difícil. No dia da posse, às três horas da manhã, Juscelino me telefonou e disse: “Antonio Carlos, por favor, veja se fala com o Juracy e outros amigos para impedir que o Presidente Jânio Quadros faça o discurso, que eu já conheço. Se ele o fizer, mesmo naquele pódio, eu lhe darei uma bofetada”.

Quem vê não pensa que isso fosse de Juscelino. Mas foi. E o Jânio Quadros não fez o discurso. E o que fez? Colocou o discurso na “Hora do Brasil”, quando Juscelino já estava voando para a Europa.

Esse período foi difícil na vida dele e me coube - aí está Déa, mulher de Carlos Murilo -, a pedido de Carlos Murilo, a triste obrigação de lhe dar a notícia da cassação para evitar constrangimentos maiores. Ele morava na Vieira Souto, 206, e se fosse qualquer medida mais coercitiva - foi coercitiva -, ele iria para a Embaixada da Espanha. Morava ali o Embaixador da Espanha. Felizmente, nessa hora, não foi preciso, mas o Juscelino sofreu demais. Participei da sua eleição, ao seu lado, em Goiás, em 61. Se não me engano, 4 de junho de 61. Ele foi eleito Senador por Goiás e lhe tiraram o mandato por uma tal linha dura que sempre foi combatida pelo Presidente, mas o Presidente não teve a energia, meu querido amigo Presidente, de segurar os rebeldes, entre os quais se destacavam Costa e Silva e Carlos Lacerda, na exigência da cassação de Juscelino. Aí veio o seu período mais duro, até uma eleição para a Academia Brasileira de Letras, à qual ele tinha todo o desejo de pertencer e com toda razão pertenceria. Escolheram outro candidato, não discuto o seu valor literário, mas ele foi derrotado politicamente, inclusive com a traição de um amigo, o que ele jamais esperaria. E ele perdeu por um voto. Isso o magoou tanto quanto a cassação; aquela injustiça dos homens, aqueles mais letrados. Mas posso dizer que o Presidente Sarney votou nele. (Palmas)

Eu gostaria, Sr. Presidente, de prosseguir, mas quero ler ao final uma carta ou duas do próprio punho do Presidente - eu recebi, estão todas elas aqui. Numa delas ele me pedia - vale a pena ser lida - para aquele que morreu ao seu lado. Veja como ele fazia isso com uma pessoa tão humilde: Geraldo Ribeiro.

Meu caro Antonio Carlos - eu era Presidente da Eletrobrás -, o Geraldo Ribeiro, das pessoas mais amigas e mais presentes na minha vida para falar com alguém em meu nome, não necessita de uma apresentação. Neste caso, porém, sou eu quem deseja que ele leve a você esta carta, estas palavras de minha grande amizade. Um pedido dele, ou para ele tem sempre o meu interesse especial, e, direi mais, caloroso. Afetuoso abraço.

O pedido era para a filha desse motorista que se formou com tanto desvelo, com tanto esforço, seu amigo pessoal, embora um homem pobre, muito pobre, escuro, mas seu amigo mesmo - a Vera Brant pode testemunhar essas coisas, pois participou muito da vida de Juscelino. Era para ser nomeada advogada da Eletrobrás, que eu presidia. De logo, criou-se um embaraço porque ela estava grávida, não podia ser nomeada, mas, no outro dia após a morte de Juscelino, eu fui a Eletrobrás e, ela mesmo grávida, foi nomeada e ainda hoje trabalha na Eletrobrás. Era o meu dever cumprir o desejo de meu amigo desaparecido.

            Quando tomei posse na Eletrobrás, ele faz esse bilhete:

Meu caríssimo Antonio Carlos, de coração estou assistindo à sua posse. Direi que os parabéns devem ser dados ao Brasil, que reintegra, agora, no seu serviço, um dos mais destacados estadistas deste período de nossa vida. Abraços afetuosos. Juscelino Kubitscheck.

            Vou cumprir, Sr. Presidente, a sua vontade. Um dia voltarei a esta tribuna para ler tantas outras cartas, mas V. Exª vai me permitir que eu leia esta, porque esta é o Juscelino por inteiro, e o Juscelino precisa ser conhecido por inteiro neste Brasil para que vejam que foi o maior Presidente da República, contemporâneo, do passado, de todas as épocas. Isso eu sempre disse, inclusive em pleno regime militar. Não faltei a ele nem a sua família. (Palmas) Sofria Juscelino, e esta carta, cujo original vou ler, é do dia 5 de março de 1961, quando ainda não havia tido o golpe militar:

Meu caro Antonio Carlos, desde que parti do Brasil, estou querendo lhe escrever, mas, embora aparentemente desocupado, não me sobra tempo para o que desejo fazer. O telefone, as visitas constantes, os compromissos, felizmente, vêm absorvendo o meu tempo e me dando paciência para esperar o dia do regresso.

Gosto de viajar, porém só agora descobri que o meu turismo é nacional.

Qualquer pequena cidade do Brasil me desperta mais interesse e curiosidade. As grandes, velhas e iluminadas cidades deste continente morreram na minha admiração. Representam ciclos do tempo já ultrapassados e não ostentam este sabor de coisa nova, cheirando a futuro.

Mas o motivo desta carta é não divagar sobre assuntos a respeito dos quais conversaremos na minha volta.

Quero daqui, distanciado do cenário em que lutei cinco anos com vigor e esperança pelo progresso do nosso País, mandar-lhe um afetuoso e definitivo abraço de amizade e de gratidão.

Você acompanhou passo a passo a via-crúcis desse período presidencial, várias vezes, como cireneu, ajudando-me a galgar alguns calvários, e em todas as horas a sua palavra, a sua atitude e o seu coração constituíram pontos extraordinários à minha atuação.

Muito obrigado - obrigado mesmo - e saiba, agora, que sou seu amigo para sempre e sempre.

Abraços do Juscelino Kubitschek. (Palmas.)

            Sr. Presidente, eu esperava que o tempo me permitisse apresentar algumas belas fotografias e outras cartas, mas não vou fazê-lo. Vou dizer apenas que hoje posso repetir aquilo que o maior dos brasileiros, Rui, ouviu de João Mangabeira: “Salve o Sol!” Nós podemos dizer de Juscelino: Salve o Sol, que iluminou o Brasil e que ainda continuando iluminando os homens públicos que querem o desenvolvimento desta terra.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/02/2006 - Página 2539