Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Histórico da eleição de S.Exa. para o Senado Federal. Considerações sobre a situação social do País.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Histórico da eleição de S.Exa. para o Senado Federal. Considerações sobre a situação social do País.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 01/02/2006 - Página 2628
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • DEPOIMENTO, DIFICULDADE, ELEIÇÃO, ORADOR, SENADO, OPOSIÇÃO, PODER ECONOMICO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, COMPROMISSO, TRABALHO, BENEFICIO, POVO.
  • REITERAÇÃO, COMPROMISSO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), OPOSIÇÃO, LIBERALISMO, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, CAPITAL ESPECULATIVO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), FRUSTRAÇÃO, ALTERAÇÃO, DIRETRIZ, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, ALTERNATIVA, POLITICA SOCIO ECONOMICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, FALTA, ETICA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, DESVIO, RECURSOS, EFEITO, MISERIA, POPULAÇÃO.
  • DENUNCIA, FALTA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, POLITICA SOCIAL, BRASIL, DESNECESSIDADE, MELHORIA, LEIS, DEFESA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REGISTRO, DADOS, ORÇAMENTO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Muito obrigado, e tenha V. Exª a certeza de que não é uma provocação tola.

Senador Flexa Ribeiro, posso me considerar a menor partícula na dimensão do universo se comparada com um serviçal daqui, uma das meninas lindas, maravilhosas, que às vezes se trancam no banheiro para poder lanchar. Ganhando um salário miserável, às vezes não conseguem nem um vale transporte para ir para casa. Então, em relação às serviçais da Casa, considero-me uma medíocre partícula na dimensão do universo, mas nem em relação a Senador, nem a Presidente da República, nem a Ministro do Supremo, a ninguém, deixo que seja retirado aquilo que conquistei. Não é por promiscuidade com os setores poderosos do Estado de Alagoas, até porque sabem todos que havia uma moda em Alagoas que, para se sentar nestas cadeiras azuis, tinha de ser de família tradicional, tinha de ser das varandas dos usineiros, tinha de ser daqueles ricos e poderosos abençoados pela elite política e econômica que nunca me abençoou; muito pelo contrário. Tudo fez, Senador Flexa Ribeiro, para me esmagar, liquidar-me na alma e no coração. Imagine, Senador Mão Santa, o que eu passei para chegar aqui!

É por isso que, tendo a honra de ter aqui a minha Líder na Câmara dos Deputados, a minha querida Deputada Luciana Genro, vou falar durante 43 minutos. Eu sinto muito, porque vai ser para quem quiser e para quem não quiser ouvir. E deu o azar de ser V. Exª, que é tão querido e carinhoso, que terá de me agüentar, Sr. Presidente.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite roubar um minuto desses?

A SRª HELOÍSA HELENA (P - SOL - AL) - Pode começar, Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª nos encanta pela coragem da mulher que V. Exª sintetiza. Rui Barbosa está ali. Sabemos muito dele e, por isso, ele está ali. Mas um dos ensinamentos dele que muito me encantou foi a frase: “O homem - o homo sapiens, o homem e a mulher - que não luta pelo seu direito não merece viver”. Então, V. Exª segue a mensagem de Rui Barbosa, nosso patrono. Está no Código Civil que o direito é igual para todos. Mas não é só isso não. V. Exª, com esse tempo, vai premiar o povo brasileiro ao ouvir o que V. Exª pensa e será capaz de fazer por este Brasil, quando ele tiver a consciência como a do irmão do Chile, que elegeu uma mulher para Presidente.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Obrigada, Senador Mão Santa.

Senador Flexa Ribeiro, para completar, além de ter contado com a generosidade do povo de Alagoas, ainda aconteceu um fato no dia da eleição. Claro que eu achava que não iria ganhar a eleição para o Senado, era apenas uma vaga e sabe V. Exª exatamente como é a disputa. Dois dos cinco candidatos com os quais eu disputava eram muito fortes, apoiados por pessoas muito fortes e muito poderosas. Eu achava que não iria ganhar a eleição.

Sabe V. Exª que, no dia da eleição, geralmente nós, candidatos, andamos nas seções eleitorais cumprimentando as pessoas. Eu acordei paralisada no dia da eleição. Lembro que peguei o Evangelho. Dormi na casa de uma prima minha, a Lúcia, e o Evangelho do marido dela, o Guilherme, estava ao lado.

Eu o peguei e o abri, naquela mania que temos de abrir em qualquer página do Evangelho. Sabem o que tinha lá? “O eleito”. Olha, alguém não acreditar é difícil! Sabem aquela passagem da transfiguração? É aquela passagem em que Jesus leva Pedro, Tiago e João a um monte, e lá eles encontram duas pessoas que eles identificam como Moisés e Elias. Lá Deus diz: “Esse é o meu filho eleito”. Assim, eu não tinha nem o direito de ter dúvida, embora eu tenha ficado ainda com dúvida. Porém, na hora em que vi aquilo...

Então, foi muita benção, benção demais. Foi generosidade do povo e benção de Deus! É por isso que não deixo que ninguém tire meu mandato.

Senador Flexa Ribeiro e minha querida Deputada Luciana Genro, qualquer pessoa de Alagoas ou do Brasil tem todo o direito de achar que sou péssima Senadora. É normal isso. Uma pessoa pode achar isso, tem esse direito, do mesmo jeito que posso achar que determinados Senadores o são, por com eles não me identificar. Mas, em relação a uma coisa tenho a consciência tranqüila: dei tudo que eu podia dar da minha saúde, da minha capacidade de trabalho; dei tudo o que eu podia dar, e é isso que me dará, seja deixando o mandato, sendo reconduzida para qualquer outro mandato, voltando para a sala de aula ou tendo qualquer uma outra oportunidade, a consciência tranqüila. E, mais do que a consciência tranqüila, é preciso ter a certeza de que se podem olhar os caminhos que foram trilhados no mundo da política e ter a certeza de que não se vai poder apenas sorrir, mas se vai poder gargalhar para qualquer um, do mais simples ao mais poderoso, no mundo da política e dizer: “Eu o desafio, apresente uma mácula, apresente algo que me desonre como mulher, como mãe, como trabalhadora, como Senadora! Apresente uma única mácula!”.

Então, posso ter sido péssima Senadora, mas tenho a consciência tranqüila de que dediquei tudo que eu tinha - do meu amor, da minha capacidade de trabalho, da minha saúde - para honrar o povo de Alagoas e o povo brasileiro.

É por isso que não deixo ninguém, nem o Presidente Lula, nem o Presidente do Senado, nem o Presidente da Câmara, nem o Líder do Governo, nem o Líder de uma parte da Oposição, tirar meu mandato, por que ele foi dado pela generosidade do povo de Alagoas. Não foi concessão de ninguém, absolutamente, só benção de Deus e do povo de Alagoas.

É por isso que tenho dito várias vezes que, toda vez que ocupar a tribuna a velha polêmica - sobre a qual brinco, às vezes, dizendo que é um caso de amor mal resolvido, em que cada um quer ser o que o outro foi no passado - entre o setor da Oposição vinculado ao Governo passado e as representações do atual Governo, vou entrar no debate do mesmo jeito, porque representam o mesmo projeto, absolutamente o mesmo projeto.

Para nós, a tristeza se dá não com rancor, não com mágoa, não com lamentação, não com melancolia, com nada disso. Para nós, do P-SOL, o significado disso é mais dramático, porque uma coisa era o Governo Fernando Henrique legitimar e aprofundar o projeto neoliberal, sujeitando-se a uma inserção na globalização capitalista, subordinada aos interesses do setor hegemônico do capital, que é o capital financeiro. Até aí, nós combatíamos com a ferocidade que considerávamos necessária, porque passamos mais de vinte anos da nossa vida disputando, no imaginário popular, mentes e corações em torno de uma alternativa ao pensamento único, representado pelo projeto neoliberal. Fizemos isso por muito tempo.

O que é desolador para a Esquerda - por isso, a batalha será gigantesca, Senador Mão Santa - é o fato de o atual Governo, o Governo Lula, haver legitimado, no imaginário popular, a verborragia da patifaria neoliberal. Tudo o que passamos anos de nossas vidas dizendo simbolizar irresponsabilidade fiscal, social e administrativa, eles passaram a conduzir da mesma forma, enaltecendo o pensamento único como única possibilidade de se inserir na tal da globalização capitalista. Então, isso é muito grave.

Não é à toa que eu até brincava aqui, minha querida Deputada Luciana Genro, dizendo que falaria hoje, mesmo que fosse das novas luas de Saturno descobertas hoje. O universo é muito grande. V. Exª deve ter visto, meses atrás, que alguns cientistas descobriram a possibilidade de um novo anel de Saturno - gosto desses assuntos. Um novo anel de Saturno! Para V. Exª ter uma idéia, olhe como existe alta tecnologia e pesquisa: pode-se ouvir o barulho de uma sonda pousando em um planeta; pode-se detectar, com precisão, que um dos novos anéis de Saturno tem 300 quilômetros. Estão na dúvida ainda se descobriram uma nova lua, além das 34, perto de Pandora, que não é a maior lua de Saturno, e sim, a de Titã, ou se é um acúmulo de partículas. Tudo isso se sabe. Sabe-se de detalhes das galáxias e até da precisão: a 138 mil quilômetros do centro de Saturno, um novo objeto foi detectado. Sabe-se até o que existe na lua de Titã: podem ser os chamados hidrocarbonetos aromáticos, metano, etano, pode ser o congelamento de mares ou lagos com esses hidrocarbonetos aromáticos!

Vejam como se sabe de muita coisa! O que houve de revolução tecnológica, científica! Então, com essas coisas, temos de reconhecer que somos uma partícula na dimensão do universo.

O mundo descobriu tantas e tantas coisas, que não temos o direito, sob pena de acharmos que estamos no fatalismo do fim da história, de apresentar o projeto neoliberal como única alternativa possível e de mentir. Isto que é pior: mentir. Fico impressionada como o Governo não tem óleo de peroba para lustrar tanta cara-de-pau. Se fosse lenda, fantasia, se fossem coisas esotéricas, tudo bem, mas eles saem por aí, mentindo para a opinião pública em relação ao Fundo Monetário Internacional. É um Governo que legitima a verborragia neoliberal. Quem é honesto intelectualmente, quem analisa os memorandos técnicos, as cartas-compromisso, as cartas de ajuste, sabe exatamente o quanto esse Governo é subordinado a todo o receituário imposto pelo Fundo Monetário Internacional. E eles mentem na televisão, o Presidente da República mente. Mentem dizendo que resolveram o problema da dívida externa brasileira.

Pode uma coisa dessas? Tem lógica dizer uma coisa dessa com um superávit como esse? É um superávit construído às custas da dor, da miséria, do desemprego, da desestruturação de parques produtivos, da destruição de postos de trabalho. É muito cinismo! É por isso que o povo odeia político. É por isso que o povo odeia político e faz a generalização perversa, põe o vagabundo, o vigarista, o delinqüente de luxo junto com as pessoas de bem, independentemente das posições que elas defendam.

Respeito muito mais aquele que se reivindica de Direita ideológica, que defende uma visão de mundo completamente distinta da minha - estou aqui para combater o que ele está a defender, e ele está a combater o que estou a defender -, respeito-o muito mais do que a desonestidade intelectual, que sempre vem junto com a desonestidade de saquear os cofres públicos, de patrocinar tudo. Ninguém pode nem imaginar o que determinadas pessoas são capazes de fazer, e até eu me surpreendo ao tomar conhecimento do que essas pessoas podem fazer do lixo do luxo; do que existe de mais sórdido, de mais podre na convivência humana, na convivência política. É realmente impressionante o que vamos vendo todos os dias.

E como se constrói isso? Às custas do quê? Às custas da ausência do serviço de saúde para o filho da Heloísa, para o filho do Senador Flexa Ribeiro, do Senador Mão Santa, da Deputada Luciana Genro? Não. É às custas da dor, da miséria, da desestruturação das políticas públicas e das políticas sociais para os pobres.

Todas as vezes que eles estão saqueando, roubando, pela Desvinculação de Receitas da União, mais de 20% da saúde, da assistência social, da previdência pública, é o aposentado que não consegue o reajuste do seu salário; é o desempregado que vai para a marginalidade, para o narcotráfico como último refúgio; é a menininha que vai para a rua vender o corpo por um prato de comida; é um menininho de cinco anos que vai virar olheiro do narcotráfico para lanchar um sanduíche de mortadela e que será introduzido ao crack, para a dependência ser eterna. É assim. Depois, choram quando vêem a mulher que joga uma menininha recém-nascida no lago.

A sociedade vai desestruturando tanto os laços de amor e de ternura que ninguém nem pode saber de quem tem mais pena: se de uma mulher que joga uma criança fora - cuja maternidade a sociedade canta em verso e prosa -, mulher essa da qual a sociedade já retirou tudo o que ela tinha de melhor, de amor, de ternura, que ela acaba por jogar fora a menininha e, depois, pergunta: “quem jogou ‘essa droga’ aí fora?”, ou se pela mãe cuja história apareceu na televisão, que perdeu o filhinho, Senador Flexa Ribeiro, porque ele caiu de uma árvore. Ele caiu de uma árvore, teve traumatismo craniano e morreu porque não teve acesso ao hospital.

Digo isso todos os dias e brigarei todos os dias, sabem por quê? Até para eu ficar com a consciência tranqüila. Quando eu estava com meu filho aqui, no Hospital de Base, em Brasília, sentada num banquinho pequeno, e ele, com traumatismo craniano, em coma, porque foi atropelado aqui, na cidade, e não havia medicação para conter o traumatismo craniano e a convulsão, quando eu estava ao lado dele, pedi a Deus, em todos os momentos, para me devolver meu filho, porque não teria condição de perdê-lo. Agora, eu tinha a consciência tranqüila, porque sempre lutei pelos serviços de saúde com dignidade. O meu filho também precisou dele. Ele ficou lá, num hospital intermediário, em um posto de saúde intermediário, jogado num banco, porque ninguém sabia quem ele era. Talvez, se soubessem quem era, a agilidade seria maior. Depois, descobriram que o quadro dele era muito grave, e o Corpo de Bombeiros o levou para o Hospital de Base. Ele podia ter ficado com uma seqüela para o resto da vida, podia ter morrido, como ocorre com muitas outras crianças.

Muitas mulheres passam por agonias das mais diversas na hora de ter um filho e ficam rondando às portas dos hospitais. Há tantas crianças pobres que viram assassinos potenciais, que matam outras crianças pobres ou os filhos da classe média - crianças que não têm o carro blindado, que não têm segurança na porta de suas casas, e que podem ser assassinadas também.

Por que isso acontece? Por obra de Deus? Uma ova! Acontece por causa da irresponsabilidade dos governos.

Fica realmente muito difícil agüentar, fica realmente muito difícil agüentar a demagogia eleitoralista, a vigarice política, a apropriação da dor e da miséria de um pai e de uma mãe de família, porque, do mesmo jeito que um velho coronel, safado, entregava, no Nordeste, a cesta básica e manipulava politicamente essa cesta básica, o mesmo fez o atual Governo - e o governo passado fazia do mesmo jeito! O atual Governo entristece muito mais por fazer isso. Apoderam-se das políticas de assistência social ou políticas compensatórias - ou qualquer nome que seja dado a essas políticas - e ficam manipulando a dor e a miséria do povo, dizendo que o Governo tem de fazer isso, porque este é o único Governo que pode fazer esse tipo de política. Poderia ser uma política nobre de assistência social, um eixo estratégico de desenvolvimento e de acolhimento até que a pessoa tivesse acesso ao emprego, mas vira a mesma política de manipulação eleitoreira!

O governo passado fazia a mesma coisa: era a relação promíscua com o Congresso Nacional; era o velho balcão de negócios sujos; era a seletividade de Senadores e Deputados, que deixam que o Governo ponha uma etiqueta na testa: aquele que tem etiqueta na testa tem a emenda liberada; o que não tem a etiqueta na testa não pode ter sequer a liberação daquilo que pode viabilizar políticas públicas para os seus respectivos Estados. E são sempre os mais escolhidos, porque os governos gostam disso, precisam disso, dessa ausência de independência entre os Poderes; da possibilidade de venda dos Parlamentares, de governos que se vendem. Esse tipo de promiscuidade.

O Fernando Henrique fez a mesma coisa no processo de reeleição e na tentativa da eleição. O Governo Lula faz a mesma coisa. Aí, o Presidente da República, de forma ardilosa, sabida e esperta - porque é um dos homens mais brilhantes que este País já teve -, vai para todas as inaugurações - claro, ele não é tolo! - e diz que não sabe se é candidato. E participa de todas as inaugurações - por causa dessa maldita reeleição que o Congresso aprovou - e faz campanha política, faz campanha eleitoral. E diz que não é candidato, porque, se passasse a ser, isso se constituiria em crime eleitoral.

Então, realmente fico impressionada.

É por isso que o povo odeia o político, porque o povo acha, começa a achar, pela generalização perversa, que todos são iguais. Fazem o discurso, mas, quando tocam os tapetes supostamente sagrados do palácio, mudam de lado: patrocinam a traição, passam a fazer exatamente o que condenaram ao longo da história recente. É a mesma coisa.

Isso, realmente, dá muita tristeza.

Falta alternativa? Não. Isso é que é o pior, porque se trata de tudo aquilo que apregoamos: o controle de capitais, a repactuação da dívida pública interna, uma política de juros que não seja extorsiva, o alongamento do perfil da dívida pública interna, o aumento dos investimentos públicos naquilo que dinamiza a economia local, que gera emprego, gera renda.

Não é preciso ninguém inventar investimentos nas políticas sociais. Qual é a proposta para a saúde? Não precisa inventar, cumpra-se a lei; qual a proposta para a educação? Precisa inventar? Precisa mandar projeto para o Congresso Nacional? Porque se criou uma lenda também para a governabilidade. A história da governabilidade é para garantir que a patifaria e a delinqüência de luxo continuem existindo no balcão de negócios sujos, onde se sentam corruptos dos dois lados. E eles dizem sempre exatamente isto: qual o projeto que precisa aprovar?

Na área de saúde, temos a legislação mais avançada do mundo. A Lei Orgânica da Assistência Social é a mais bela declaração de amor do planeta Terra para os pobres, oprimidos, marginalizados, moradores de rua, deficientes, crianças pobres. É a mais bela declaração de amor! Na área de educação, do mesmo jeito. Encaminharam o Fundo da Educação Básica, que não vai significar muito. Imaginem o que significam R$1,2 bilhão ao ano - para um Governo que joga na lama da especulação R840 bilhões - para ser fatiado para as creches, pré-escolas, ensino fundamental, ensino médio, ensino profissionalizante, educação de jovens e adultos em mais de cinco mil Municípios brasileiros? Sabem o que é isso? Uma quantia absolutamente insignificante.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª tocou em muitos assuntos. Eu estava pensando, primeiro, no respeito que tenho por V. Exª em relação à sua dedicação em ser solidária, seja quando ocorreu o episódio do seu filho, que, atropelado, precisou da assistência da mãe ao lado dele. V. Exª procurou agir como mãe e enfermeira, que sabe, e dedicar o seu tempo a ele, o que pude testemunhar, quando ocorreu aquele acidente. Mas também achei interessante a observação de V. Exª a respeito da triste situação da mãe que, de tão desesperada com a sua filhinha de dois meses, que, não se sabe bem por que, declarou para as autoridades policiais: “Eu quero saber quem é que jogou essa droga da minha filha na Lagoa da Pampulha”. Isso impressionou a todos que leram, hoje, os jornais. Como poderia chegar uma mãe a esse estágio? V. Exª, com sensibilidade, procurou ver o motivo, o que levou a sociedade a deixar uma mãe nesse estado, em que, não podendo prover o carinho, a alimentação ou o que seria necessário para cuidar de sua filha, possivelmente chegou a um ato de desespero como esse. Agora, detida, ela está lendo nos jornais que sua filha será, provavelmente, encaminhada para adoção pelo Juizado de Menores. V. Exª também observou algo que eu gostaria de comentar um pouco, que os programas de transferência de renda têm um caráter assistencialista, com similaridade ao que era a distribuição de bens pelos coronéis do Nordeste antigamente.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Não é a política no papel, é a manipulação política que os Governos fazem. Isso não tem relação, teoricamente, com o que V. Exª tão bem defende. Respeitosamente, nós acolhemos muitas dessas proposições também.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Certo. Sabe V. Exª que tenho procurado acompanhar bastante de perto o trabalho do Ministro Patrus Ananias. Ainda na semana passada, estive com ele em Campinas, onde ele dialogou com as mães beneficiárias de programas como o Bolsa-Família e outros. No Município de Campinas havia, inclusive, oito programas, mas, no diálogo com as famílias, percebi que ficava difícil para cada uma delas saber os detalhes de cada um dos programas e qual o direito que mantêm. Percebo que é um avanço em relação ao que ocorria. Nesse sentido, a intenção do Ministro Patrus Ananias, que V. Exª sabe procura agir com muita seriedade, é fazer com que esse programa, o Bolsa-Família, tenha um caráter que não seja nunca encarado como uma dádiva do Presidente, do Ministro, do Governador, do Senador, do Deputado ou do Vereador. Isso deve ser um direito da família, um direito da pessoa, e, portanto, deve ser evitado esse caráter eleitoral. O debate que V. Exª promove serve para que as pessoas todas no Governo venham a amadurecer com relação a isso. Sabe V. Exª que tenho, inclusive, me oferecido, a V. Exª e ao P-SOL - a presença da Deputada Luciana Genro constitui-se até em um reforço -, para, a qualquer momento em que desejarem, realizar um debate sobre para onde vamos com o programa Bolsa-Família e aquilo que já é lei, mas que deve ser instituído gradualmente, ou seja, a Renda Básica de Cidadania. O Senador Mão Santa sabe que, no dia em que quiser, posso ir a Guaribas, a Acauã ou, como ele tem nos convidado, ao Delta do Parnaíba para discutir a Renda Básica de Cidadania. Quem sabe, se ele me convidar para essa finalidade, aí que eu vou mais depressa ainda para o Delta do Parnaíba. Quero refletir a respeito dos dados que, hoje, foram divulgados pelo Diretor do Departamento do Banco Central, Sr. Altamir Lopes, com respeito à evolução dos juros da dívida do setor público - somados os juros da dívida pública dos Municípios, dos Estados e da União. Por que quero me referir a isso e, inclusive, comparar com a evolução do Bolsa-Família? Eu quero que logo chegue o dia em que, no Senado, teremos a oportunidade de dialogar com os diretores do Copom e do Banco Central para discutir exatamente esse ponto. Veja, Senadora Heloísa Helena, em 2003, primeiro ano do Governo Lula, os juros pagos pelo setor público, no Brasil, somaram R$145,2 bilhões. Em 2004, passaram para R$128,2 bilhões. Eu, preocupado com esse volume tão grande, perguntei ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, há cerca de um ano e meio, como seria a evolução para 2005. Eu me lembro, com muita clareza, que ele disse que a previsão do Governo era de baixar, progressivamente, mais e mais. Mas, Senador Mão Santa, os dados hoje divulgados mostram que houve uma evolução para muito mais: de R$128,2 bilhões, em 2004, para R$157,1 bilhões. Assim, acredito que será importante dialogarmos com os diretores do Banco Central, do Copom e com o Presidente Henrique Meirelles. Por mais sincera que seja a postura deles, os objetivo de combate à inflação e outros, essa evolução do pagamento de juros é algo preocupante. Observemos a evolução do programa Bolsa-Família: em outubro de 2003, quando instituído, 2,3 milhões de famílias estavam nos programas que foram unificados e, em dezembro desse mesmo ano, 3,5 milhões de famílias. Em dezembro de 2004, esse número passou para 6,5 milhões, para 8,7 milhões no final de 2005 e será de 11,2 milhões em meados deste ano. No ano passado, o total de recursos pagos pelo Bolsa-Família foi de R$6,5 bilhões, valor significativo. Para este ano de 2006 serão R$9 bilhões, quase R$10 bilhões. Quando comparo esse valor com os R$157,1 bilhões de juros pagos, sinceramente fico preocupado e tenho o dever de, construtivamente, perguntar ao Ministro da Fazenda, meu amigo Antonio Palocci, ao Presidente e ao Ministro Henrique Meirelles: “Por que aquela previsão não caminhou na direção desejada?” V. Exª sabe da estima que sinto pelo Presidente Lula e que digo isso como seu amigo e alguém que quer ajudá-lo, porque essa evolução me preocupou. Não se trata de uma questão fácil de ser resolvida. Se, porventura, um dia o povo brasileiro a escolher para governar o País, tenha consciência V. Exª de que não será fácil resolver esse problema. O Presidente do Banco Central tinha-nos dito que os juros iriam diminuir - era a sua previsão -, mas aumentou o valor dos juros pagos. Fico pensando sobre isso e almejo debater o assunto com os diretores do Banco Central. Já os convidei. Aliás, recordo-me que foi em abril do ano passado que sugeri ao Ministro Antonio Palocci, na CAE, tornarmos transparente, em tempo real, as reuniões do Copom, transmitindo-as ao vivo. Disse-me S. Exª: “Penso que isso é um pouco demais! Mas quem sabe V. Exª convidaria os diretos do Banco Central para aqui debaterem”. “Ótimo”, disse-lhe. Então, apresentei um requerimento, que foi aprovado. Mas, até hoje estou esperando eles aparecerem. O convite foi feito. Então, sugeriria que, especialmente depois de 15 de fevereiro, o Presidente Luiz Otávio os convide para que eu possa lhes perguntar como vamos destrinchar o problema e fazer com que os juros pagos venham a ser muito menos importantes do que, por exemplo, o Programa de Transferência de Renda, principalmente se levarmos em conta que quem recebe os juros no País, normalmente, são as pessoas que detêm títulos, como as instituições financeiras e aqueles que depositam nas instituições financeiras e compram títulos da dívida pública, que normalmente estão nos estratos mais altos de renda. Claro, isso envolve milhões de pessoas, inclusive a classe média. Mas é necessário observar - vou concluir - que os dados do PNAD, de 2004, mostraram progresso na melhoria da distribuição, na diminuição da desigualdade. E os mais diversos economistas, como Ricardo Paes de Barros, José Alexandre Scheinkman, Lena Lavinas, João Sabóia ou Rodolfo Hoffman, todos reconheceram uma melhoria da distribuição da renda. Mas, nessas observações, como nas de Rodolfo Hoffman, que destrinchou os dados, ele próprio destacou que, dentre os que recebem o Bolsa-Família, que são as famílias mais pobres, exatamente pôde se identificar quem são os receptores do Bolsa-Família, porque são os que recebem outros rendimentos, e, dentre essas famílias, não há qualquer uma que, porventura, receba rendimentos na forma de juros. Os que recebem rendimentos na forma de juros estão nos estratos mais altos. Mas receberam um volume muito significativo. Imagino que o próprio Presidente Lula esteja preocupado com isso. Faço essas observações construtivamente, como uma reflexão deste momento.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - É claro.

Agradeço-lhe de coração, Senador Eduardo Suplicy, até porque V. Exª já está oficialmente convidado, assim como a querida Deputada Luciana Genro, para participar dos seminários sobre políticas sociais que vamos fazer, especialmente na área da assistência social. Então, não há nenhum problema em relação às políticas públicas, que têm um caráter não necessariamente compensatório, mas de garantir a sobrevivência de um homem, de uma mulher ou de uma criança, até que ele possa ter a realização plena do ser humano, que é o acesso ao trabalho. É isso que realiza um homem e uma mulher, mesmo que seja um salário miserável, mesmo que não esteja sendo realizado aquilo que significa o seu sonho, naquilo que você deposita a sua alma e o seu coração, mas é completamente diferente de um aspecto de política transitória, até que se possa realmente se inserir no mundo do trabalho.

Se compararmos inclusive o orçamento público, ao qual fazemos muita pose, vemos que o Orçamento compreende R$1,670 trilhão. Deste total, R$850 bilhões são intocáveis. O resto pode ser manipulado e garimpado por Senadores e Deputados fazendo pose de que mexemos no Orçamento. Se nas políticas de assistência social ou compensatórias que servem para manipulação eleitoreira está sendo destinado isso, imagina analisar a execução orçamentária, como já tive a oportunidade de tratar aqui várias vezes.

Na área de segurança pública, os projetos de prevenção à violência não tiveram a execução nem de 4% do que estava previsto; os investimentos para a saúde não tiveram a execução nem de 9% do que estava previsto; na área de moradia popular e de saneamento, que, como já disse várias vezes, não apenas melhoram as condições de vida da família, significam instrumentos de dinamização da economia local, de geração de emprego e de renda, nem 2% do que estava orçado na área de habitação foram executados; nem 1,8% na área de saneamento básico foi definitivamente executado. Enquanto isso, enchem a pança dos banqueiros, do capital financeiro. Os gigolôs das instituições de financiamento multilaterais e do capital financeiro, esses têm os seus direitos absolutamente intocáveis, enquanto a grande maioria da população fica à mercê do tráfico de influência, da intermediação do interesse privado e da vagabundagem política, de, para se ter acesso ao recurso, precisa ter um traficante de influência no mundo da política para liberá-lo. E outras coisas horrorosas. Vamos vendo orgias financeiras, que vão até às orgias sexuais com dinheiro público roubado. E a impunidade campeia. E o povo brasileiro, Senador Flexa Ribeiro, generaliza de uma forma tão perversa que quem tem um bom coração, quem acha que o mundo da política deve servir para outro fim, como o da justiça social, e até quem defende idéias completamente distintas das minhas, está literalmente frito. O mundo da política é visto como o mundo da delinqüência de luxo, da impunidade e da vagabundagem recompensada. Isso é realmente muito triste. Ver o bandido ser premiado tira - não tira nosso estímulo, porque, certamente, não se vai tirar o estímulo de quem está aqui até esta hora da noite, como nós - o estímulo de muitas mulheres e homens de bem e de pais espalhados pelo Brasil que querem ensinar aos seus filhos que é proibido roubar, e vêem a impunidade ser recompensada, realmente, é muito duro.

Só vou encerrar antes do tempo para que o meu querido Senador Mão Santa tenha a oportunidade da palavra também. Sinto cansar os funcionários da Casa, os telespectadores, os ouvintes da rádio Senado, mas volto a repetir, Senador Flexa Ribeiro, que enquanto Deus me der, mesmo com as minhas cordas vocais combalidas, cheia dos nódulos, de fendas e outras coisas mais, a capacidade de lutar, vai ser difícil alguém me tirar essa capacidade de luta.

Agradeço a paciência de V. Exª e a de todos.

Encerro o meu pronunciamento, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/02/2006 - Página 2628