Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Farsa do atual Governo em alegar que rompeu com o FMI. Críticas à política econômica em vigor no País.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Farsa do atual Governo em alegar que rompeu com o FMI. Críticas à política econômica em vigor no País.
Aparteantes
Heráclito Fortes, José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/2006 - Página 2993
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, DIRETRIZ, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EFEITO, IMPOSSIBILIDADE, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, FALSIDADE, DECLARAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ROMPIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROTESTO, PRIORIDADE, FAVORECIMENTO, BANCOS, CAPITAL ESPECULATIVO, AUMENTO, DIVIDA INTERNA, TRIBUTAÇÃO, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, FORMAÇÃO, SUPERAVIT.
  • FRUSTRAÇÃO, SOCIALISMO, BRASIL, ALTERAÇÃO, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), LIBERALISMO, ECONOMIA.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, claro que, quando o Senador Mão Santa diz que ficamos trabalhando até tarde e essas coisas todas, sabe ele tanto quanto eu que o fazemos por cumprimento das nossas obrigações constitucionais. Se compararmos com os grandes problemas da Nação, com certeza, ainda são poucos os que trabalham e muitos os que preferem o esporte da vagabundagem política. Infelizmente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de fazer algumas breves considerações sobre a política econômica e a sua repercussão na vida cotidiana do povo. As ações mais simples de um Município relacionadas a educação, saúde, assistência social, segurança pública, recuperação de estradas, política agrícola, assistência técnica e desenvolvimento regional estão diretamente vinculadas a um tipo de política econômica, às opções de política econômica que se faz.

            Ao longo da história, independentemente das polêmicas ideológicas programáticas da Esquerda, da Direita, dos que se reivindicam de centro ou os cínicos enamorados da terceira via, independentemente de qualquer dessas visões, existiram também, dentro da própria estrutura do capital, muitas polêmicas entre os chamados monetaristas, desenvolvimentistas e aqueles que acham que o Estado tem que ter o maior papel na economia, inclusive na dinamização da economia local, na geração de emprego, na geração de renda. Há compreensões as mais diversas. E as compreensões e opções de política econômica que um país faz acabam moldando desde o planejamento das metas, das diretrizes, do chamado Plano Plurianual, até a execução orçamentária. Isso tudo está vinculado a uma política econômica.

            Estou trazendo isso por quê? Não é honesto intelectualmente, Senador Mão Santa, estabelecer que o atual Governo - da mesma forma que o Governo passado não teve a coragem de fazer - rompeu com o Fundo Monetário Internacional. É uma farsa intelectual e uma fraude política se afirmar isso porque, de fato, não aconteceu. No que diz respeito às relações com o Fundo Monetário Internacional e com as instituições de financiamento multilaterais, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, quem tem a oportunidade, por curiosidade científica ou por obrigação, como nós temos, de analisar os memorandos técnicos, as cartas compromissos, as cartas de ajuste das relações dessas instituições com o País, vê claramente que é uma farsa, um simbolismo de desonestidade intelectual, falar do rompimento. Por quê?

            O que há de mais importante - embora, na minha compreensão e na minha convicção ideológica, é o mais desprezível, mais abominável, o que mais conspira contra a soberania nacional - são as chamadas condicionalidades. Infelizmente, além da irresponsabilidade financeira, contábil, orçamentária que o Governo fez ao antecipar o pagamento ao Fundo Monetário Internacional sem sequer repactuar, como outros Países fizeram - inclusive a Argentina -, a opção de preservar as condições, tudo aquilo que o Fundo Monetário queria, tanto no Governo passado como no atual, quem analisa os fatos desde o início do Governo Lula pode ver que conseguiu. Até as pessoas que estão no Ministério da Fazenda, as principais personalidades e os principais técnicos, são os mesmos que serviram ao Governo Fernando Henrique. Trabalham no Governo Lula, mas, de fato, servem mesmo ao setor hegemônico do capital, que é o capital financeiro. Incluo a Srª Anne Kruger, que, para os oprimidos, é a irmã mais malvada do Fred Kruger, a responsável pela gerência da América Latina, e o atual Dr. Rato - nunca vi nome mais compatível com as atividades de roubo das Nações inteiras -, representante da América Latina no Fundo Monetário Internacional. Até nisto a América Latina leva azar: ora a irmã mais malvada do Fred Kruger, Srª Anne Kruger, ora o Sr. Rato - o nome dele é Rato mesmo.

            Esse tipo de política econômica mexe diretamente com tudo o que existe no País, desde as políticas sociais consideradas mais simples como viabilizar alternativas de saneamento básico ou moradia popular no mais simples Município de Alagoas, do Piauí, do Maranhão ou de São Paulo. Está tudo diretamente vinculado.

            Esse modelo de ortodoxia monetária privilegia por meio do aumento dos juros e da carga tributária. Com esse modelo de política econômica, Senador Mão Santa, ou se chama o David Copperfield para fazer alguma mágica, ou faz fraude política, farsa técnica, ideológica, como muitos preferem fazer. Esse tipo de política econômica aumenta, por um lado, o montante da dívida pública interna - essa que é realmente extremamente agressiva, extremamente vinculada às opções econômicas que o atual Governo faz, copiando de forma medíocre o que o Governo Fernando Henrique fazia, aprofundando o projeto neoliberal. Pois bem, esse tipo de política econômica aumenta o montante da dívida pública nacional, e só existem duas outras opções para dar conta desse aumento do montante da dívida pública, que, como sabe V. Exª, está na casa de R$ 1,8 trilhão. Desse montante todo, R$ 848 bilhões são absolutamente intocáveis porque é só para viabilizar o interesse dos gigolôs sem pátria do capital financeiro. Esse tipo de política econômica aumenta o montante da dívida pública e só restam duas alternativas: aumentar a carga tributária para aumentar a arrecadação e dar conta desse tipo de pagamento. O Fernando Henrique aumentou a carga tributária e o Governo Lula aumentou também. Esse fato tem vários aspectos. O aumento da carga tributária incide diretamente sobre a classe média ou sobre a pobreza porque sabe V. Exª que o mais simples favelado brasileiro paga mais imposto do que o mais rico banqueiro do Brasil. O mais rico representante no Brasil paga menos imposto, proporcionalmente, do que paga o mais simples dos favelados porque paga indiretamente. Quando consegue uma migalha de dinheiro para ir comprar um quilo de arroz, ou um litro de água sanitária, numa bodega da mais simples favela, está pagando muito mais imposto do que o maior banqueiro.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senadora, permite-me V. Exª um aparte?

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Pois não, Senador José Jorge.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Para V. Exª respirar um pouquinho, também.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Está certo. Minha asma é implacável. Eu só tenho que agradecer a Deus porque a única coisa razoável da minha asma é que, como desde criança aprendi a falar sem respirar, talvez tenha condições de dizer alguma coisa no pouquinho de tempo que o P-SOL vai ter na televisão. É tão curtinho que nem vai dar tempo de falar.

            Senador José Sarney, estou dizendo que até a asma que Deus me deu vai me ajudar. Todo mundo dizia que eu não ia passar dos 7 anos de idade, porque eu era muito doente, tinha problema de rins, de pulmão, de respiração, mas acabei chegando aqui para alegria de uns e tragédia de outros.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - E vai passar muito dos 70. Senadora Heloísa Helena, eu também concordo com V. Exª quanto à questão da dívida pública. Não ouvi todo o pronunciamento de V. Exª, mas gostaria de falar mais uma vez - já estou falando pela terceira ou quarta vez - sobre o pagamento da dívida com o FMI. A dívida com o FMI tinha juro de 4% a 5% ao ano e foi paga com recursos advindos de empréstimos conseguidos no Brasil com juros de 18%. É como se um cliente das Casas Bahia, que tem juros de 2,99% - todo mundo vê a propaganda na televisão - usasse o cheque especial para pagar as prestações, ou seja, uma atitude totalmente irracional. A única explicação é a que ouvi de um amigo meu: o Ministro Antonio Palocci tem horror a juro baixo. Essa é a única explicação para que deixemos de pagar 4% ou 5% de juros ao FMI para pagar 18% aos bancos brasileiros. Então, V. Exª tem razão. A dívida passou de um trilhão em um momento internacionalmente bom. A situação internacional é boa. Deveríamos ter aproveitado esse momento para investir mais e, ao mesmo tempo, diminuir o percentual da dívida. Estamos hoje com um superávit de quase 5%, que é muito maior do que aquele que o FMI exigia, que era de 4,25% . Então, aquele governo que dizia que ia romper com o FMI está cumprindo mais ainda as metas do FMI e pagando-lhe antes do prazo. Não vi qual é o mérito disso.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª. O Senador Agripino teve a oportunidade de falar também. Isso é impressionante.

            Os Senadores do PFL, que tem toda uma construção programática vinculada - todos têm o direito de tê-la, porque ninguém tem de se envergonhar de ser da direita ou da esquerda, de assumir as suas convicções ideológicas ou programáticas -, conseguem ter uma relação mais progressista diante da globalização capitalista do que o PT. Isso realmente é impressionante. Nem Freud explicaria uma coisa dessas.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senadora Heloísa Helena, isso é porque a gente não gosta de juro alto; a gente gosta de juro baixo.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - É uma coisa impressionante. Realmente nem Freud explicaria essas mutações.

            Por que estamos tratando disso? Porque isso mexe diretamente com a vida cotidiana das pessoas. Com esse tipo de política econômica, como eu dizia anteriormente, quase sempre se aumenta a carga tributária, o que vai pressionar os setores mais pobres da sociedade, vai pressionar a classe média, porque o setor empresarial, que estrutura parques produtivos, que cria postos de trabalho, que paga impostos, por mais que se sinta ameaçado com esse tipo de política econômica, tem o mecanismo de, para preservar a sua faixa de lucro, repassar o aumento da carga tributária para a mercadoria, onerando o já combalido orçamento doméstico das populações, ou desempregando; portanto, preservando a faixa de lucro, acaba gerando mais desemprego, porque a diminuição do consumo gera desemprego na indústria e no comércio. Se a indústria está com seus estoques inalterados, o comércio não vende. Assim, há desemprego no comércio, há desemprego na indústria, isto é, aumenta o desemprego. Então, esse tipo de política econômica não é bom.

            E qual é a outra opção? O setor empresarial tem muito mais poder de pressão no Congresso Nacional e no Executivo do que os mais pobres, do que a classe média ou os mais pobres entre os pobres e os mais simples favelados. Para preservar esse tipo de política econômica, eles fazem a segunda opção, que é a mais fácil, que é a opção abominável, desprezível e infame, de reduzir os investimentos nas políticas sociais. Portanto, ao reduzir os investimentos nas políticas sociais - quem analisa a execução orçamentária, quem não está no balcão de negócios sujos, ou no Executivo ou no Legislativo, sabe disso -, a execução orçamentária não é viabilizada justamente para que sobre dinheiro para encher a pança dos banqueiros e agradar os gigolôs das instituições de financiamento multilaterais e do setor hegemônico do capital, que é justamente o capital financeiro.

            Quando se analisa a execução orçamentária, o que foi aprovado no Congresso Nacional em 2004 para ser executado em 2005, quando se analisa, no mês de janeiro, o que foi executado do que estava previsto em 2005 para saneamento básico não chega nem a 1,5%; do que estava previsto para moradia, nem 2,5%; do que estava previsto para os investimentos na área de saúde, nem 8%; na área de agricultura, nem se fala; na área da reforma agrária ou da política agrícola também não. Na área de segurança pública, a infâmia de não ter realizado a execução nem de 1% do que estava previsto para os projetos de prevenção à violência ou os projetos de estruturação dos Estados. Então, é esse tipo de política econômica que viabiliza esse estado de coisas.

            Concedo o aparte a V. Exª, Senador Heráclito Fortes, antes de concluir meu pronunciamento.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Agradeço a V. Exª a oportunidade do aparte para também agradecer a justiça que V. Exª faz do PFL. V. Exª razão. O sentimento ideológico do PFL é híbrido. Eu, pelo menos, não acredito na ideologia de 99% dos que cantam e apregoam sentimentos insinceros quando não têm a caneta na mão. Senadora Heloísa Helena, os discursos feitos nesta Casa, no Congresso Nacional, por oposicionistas com ganância de poder, são de nos levar às lágrimas. Eles nos emocionam com o desprendimento e, acima de tudo, com a vontade de salvar a pátria. A posse é a frustração para o povo, mas alguns não esperam nem a posse. O Presidente Lula jogou toda a esperança que o povo brasileiro tinha nele naquela infeliz garrafa de Romanée-Conti. A comemoração já começou errada. O PT, do qual V. Exª fazia parte naquela época, mudou de roupa imediatamente. Sabe V. Exª que o abrigo do PT em Brasília, durante anos e anos, era o Hotel Torre. O PT já tomou posse do Blue Tree, o mais luxuoso de Brasília.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Nem me lembre do Blue Tree, porque foi onde eles me expulsaram; lá faziam as orgias sexuais com o dinheiro público roubado. Alguns. Alguns.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - E fizeram coisa de mau gosto, como tomar whisky selo azul com Coca-Cola.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Eu não sei, aí...

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Mas vamos para a frente. Trocaram a Camelo - já disse isso uma vez, aqui tem uma loja de roupa chamada Camelo, que vende vender roupa a partir de R$90,00 - pela Ricardo Almeida, consagraram o Porcão, jogaram por terra tudo aquilo que pregaram a vida inteira, Senadora. Agora, V. Exª sabe por que o Palocci é defendido por nós ou pelo menos por mim em alguns casos? Porque é o melhor dos ministros que o Fernando Henrique teve na economia brasileira. O Palocci está cumprindo tudo aquilo que foi acertado pelo governo passado com os organismos internacionais, item por item, não faltou a nenhum. Daí por que eu defendo o Palocci. O segundo motivo é que eu tenho medo de que algum cabeça-de-vento do PT assuma o Ministério da Fazenda e arrombe o cofre. E aí jogamos por terra tudo que fez ao longo do tempo. Aliás, estou vendo que hoje o meu esforço não é em vão. Eu vi uma aula de economia que a Senadora Ideli, que neste momento deve estar lutando para ser Líder do seu Partido novamente, deu sobre economia. Não sei se é liberal, se é retrógrada a posição dela. Agora, que é uma posição bonita é, que é uma posição de paz com o FMI é, e que é uma posição tímida de aplauso ao Palocci, que teve coragem de fazer aqui, comemorando a tal da evolução dos R$15 mil, que, infelizmente, não tem a mesma coragem de fazer, quando Palocci necessita nos embates que tem nas CPIs que funcionam nesta Casa. De qualquer maneira, Senadora Heloísa Helena, a posição ideológica do PFL é sincera, porque acreditamos que a ideologia do homem brasileiro é a caneta. Que história mais bonita que a do José Dirceu? Dê-me um gesto que caracterize um homem de esquerda que o José Dirceu tenha adotado como chefe da Casa Civil? Muito obrigado.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª e, mais uma vez, volto a repetir: tenho todo respeito por quem tem convicções ideológicas vinculadas ao pensamento de direita. Estou para combatê-las todos os dias. Agora, existe realmente a coerência. Por isso defende a política econômica, porque é a mesma política econômica que o Governo Fernando Henrique fazia. Nós esbravejávamos com veemência. Então, por uma questão de coerência...

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Quero dizer a V. Exª que tenho horror à direita também. Não digo no meu caso.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Mas esse pensamento da ortodoxia monetária... não estou falando das pessoas. Esse tipo de pensamento econômico, ou seja, mesmo sob a égide da globalização capitalista, não ter a coragem de repactuar a dívida interna, alongar o perfil da dívida, estabelecer controle e monitoramento de capitais e aumento de investimentos, esse é um tipo de pensamento econômico vinculado à direita. Que a direita o defenda ou que setores que se reivindicam de centro ou neoliberais o façam é absolutamente legítimo, porque nós estamos num mundo, graças a Deus, onde as pessoas têm todo o direito de defender as suas convicções. O que é alarmante para nós, na esquerda - e repercute de forma terrível para a esquerda socialista democrática -, é porque nós passamos mais de vinte anos disputando, no imaginário popular, alternativas ao pensamento único. Nós condenamos com veemência. Nós impedimos a aprovação de projetos que significavam o aprofundamento do projeto neoliberal. E, a partir do momento em que o Governo do que era o maior Partido de esquerda da América Latina, o PT - porque, hoje, quem não é desonesto intelectualmente sabe que é a ferramenta do triunfo ao neoliberalismo e a maior liderança popular da América Latina, que é o Presidente Lula -, passa a legitimar a verborragia da patifaria neoliberal, a endeusar a mística do superávit, da responsabilidade fiscal, que é irresponsabilidade fiscal, social e administrativa, isso é gravíssimo para nós. Porque quem sempre defendeu esse modelo econômico tem a ousadia de ficar o tempo todo passando na cara - porque apanhou durante vinte anos - e, aí, agora, vai devolver com igual eloqüência ou ferocidade aquilo que passamos a história disputando.

            Então, é muito ruim para a esquerda, é grave para a esquerda. Primeiro porque todos fazem a generalização perversa. Qualquer cidadão brasileiro tem o direito de, ao analisar um compromisso, discurso, pronunciamento ou uma prática de alguém da esquerda, dizer: eu já vi essa conversa antes, fulano de tal era assim também e quando tocou os tapetes supostamente sagrados do Palácio mudou de lado, patrocinou a traição de classe. Então, isso não é ruim para o pensamento ideológico da direita. Não é. Isso é muito grave para quem se reivindica da esquerda socialista e democrática, porque quando a experiência do Presidente Lula legitima o projeto neoliberal, legitima no imaginário popular a verborragia do pensamento único, cria um problema gravíssimo para todos aqueles que, durante anos, construíram alternativas ao pensamento único e, ao tentar disputar, inclusive durante o processo eleitoral, vão ficar numa situação muito difícil.

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senadora Heloísa Helena, o discurso de V. Exª irá marcar esta Casa pela coragem com que V. Exª ataca alguns pontos. Mas vamos lá para o Colégio Eleitoral. O Brasil inteiro vestiu-se de esperança naquela mudança - estou falando até porque estou aqui com um dos que teve grande participação, o vice-presidente da Chapa Tancredo. Tancredo Neves conversou com o Presidente do PT, Lula, para que integrasse aquela frente e participasse do Colégio Eleitoral. V. Exª sabe, a história já mostrou, que o PT não só não concordou, mas também expulsou alguns que tiveram a coragem de votar pelo Colégio de Líderes...

(Interrupção do som.)

 

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) -... como a única fórmula existente na transição política. Passam-se os anos e os documentos estão vazando aí. Tem um livro recente: “Já vi esse filme” - os segredos da ética partidária petista estão surgindo. Uma das alegações de não ter dado certo o apoio do Presidente, então do PT, Lula ao Colégio Eleitoral é porque, nas suas reivindicações, constava participação na administração dos fundos de pensão brasileiros, que era coisa recente, novíssima naquela época. Senadora, isso foi noticiado - e ninguém desmentiu - por quem era militante do Partido na época e por quem conviveu com isso. Já era essa vocação que o ex-Ministro Gushiken tem por esse assunto tentador, que é a administração dessa área. Mas, veja V. Exª que, anos depois, surge uma versão, que não foi desmentida, de que o desacerto foi porque Tancredo Neves não concordou com alguns pontos, principalmente com esse.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Não tenho como testemunhar isso, sinceramente. Mas V. Exª falou dos fundos de pensão, e estes estão lá com mais de 40% da nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o Planeta Terra. É a vinculação com o narcotráfico, com a lavagem de dinheiro e a vinculação com os fundos de pensão. Que tenhamos até autoridade no Congresso Nacional, já que temos a prerrogativa regimental e constitucional para fazê-lo, de abrir. Há vários requerimentos meus, desde o ano passado, para a abertura de procedimento investigatório na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado sobre fundos de pensão. Infelizmente, a base de bajulação do Governo, que é maioria na Casa, impede, obstaculiza, faz qualquer coisa de uma forma às vezes cínica, dissimulada, para impedir...

(Interrupção do som.)

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Já estou terminando mesmo, Senador Mão Santa. Só para concluir.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª iniciou o pronunciamento...

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Estando V. Exª na Mesa, que é um democrata, eu não brigo para ter tempo. Eu só brigo pelo cumprimento do Regimento ou quando alguém que está presidindo a Mesa trata de forma diferente os Senadores. Eu já disse ao Presidente que anteontem estava à Mesa: o tempo que ele der para o Senador Aloizio Mercadante, para o Senador Arthur Virgílio ou quem quer que seja, eu exijo o tempo absolutamente igual, porque quem senta nessa cadeira de Presidente...

            O Senador José Sarney, mesmo sabendo que um dos motivos para eu ir à Comissão de Ética do PT foi justamente não ter dado voto a ele, não concordar com a indicação de Henrique Meireles, sempre foi um democrata quando estava na Mesa. Sabe o Senador Sarney. Um democrata. Até porque tem muita gente que, para agradar o Governo que serve, persegue aqueles pelos quais o Governo não nutre uma relação de amizade, porque sabe que não pode dobrar, não pode acovardar, não pode botar um cabresto.

            Tem muita gente que faz isto: eu agrado o rei de plantão batendo na Heloísa; então, bato na Heloísa para, de alguma forma, agradar o rei de plantão.

            Eu aproveitei até para fazer esse testemunho porque, em nenhum momento - e o Senador Sarney foi Presidente nos meses de mais turbulência e mais confusão minha com o PT e com o Governo Lula. E em nenhum momento foi capaz de um único gesto de indelicadeza política ou de espírito antidemocrático em relação a mim, quando eu estava em qualquer momento ou em qualquer discussão nesta Casa.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, como seremos os mesmos de sempre na sexta-feira, vou deixar para tratar a questão do salário mínimo amanhã e dessa cantilena enfadonha e mentirosa que o Governo Fernando Henrique usava e que o Governo Lula copia de forma medíocre de que o aumento do salário mínimo quebra a Previdência, quando quem quebra a Previdência são os saqueadores dos cofres públicos, inclusive o próprio Governo, que saqueia 25% por intermédio da Desvinculação de Receita da União para compor o superávit às custas do dinheiro da Previdência, da assistência social e da saúde.

            Vou deixar o tema do salário mínimo para amanhã.

            Obrigada por sua generosidade, Senador Mão Santa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/2006 - Página 2993