Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Projeto de Gestão de Florestas Públicas, aprovado ontem.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Considerações sobre o Projeto de Gestão de Florestas Públicas, aprovado ontem.
Publicação
Republicação no DSF de 08/02/2006 - Página 3549
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • PROTESTO, APROVAÇÃO, PROJETO, GESTÃO, FLORESTA, TERRA PUBLICA, REGISTRO, HISTORIA, EVOLUÇÃO, INTERESSE, ESTRANGEIRO, REGIÃO AMAZONICA, APREENSÃO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, CONCESSÃO, TERRITORIO NACIONAL.

            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, V. Exª me propõe o impossível. Quero inicialmente agradecer a referência elogiosa com que sempre, com bondade e com carinho, V. Exª me distingue. A minha admiração é recíproca pelo trabalho e pela tenacidade de V. Exª, que sempre demonstrou ser testemunho das próprias convicções. Posso dizer que as convicções de V. Exª não são idiossincrasias, não são veleidades pessoais. Não. São os interesses maiores da Nação. Por isso, V. Exª encarna sempre, nas suas manifestações - que são constantes, até poderíamos dizer diárias -, os ideais do País. Portanto, quero parabenizá-lo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passei o dia refletindo exatamente sobre aquilo que aconteceu ontem neste plenário. Matéria vencida, prejudicada, não há mais o que dizer, mas me vejo na obrigação, porque são 35 anos de Amazônia.

            Muito jovem, recém-formado na Faculdade de Direito de Porto Alegre, ainda cursando Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dirigi-me para a Amazônia, com todo o vigor dos jovens dias. Sentia pulsar o mundo no meu peito, achava que poderia transformar aquela realidade. Quando se descortinava sobre meus olhos a imensidão da planície amazônica, aberta como a liberdade, senti tremer no peito aquilo que seria não o presente, mas o futuro do Brasil.

            Muitas vezes, singrando os rios, percorrendo a floresta, pude sentir a fraqueza humana - por que não dizer a pequenez humana? - diante da imensidão dos galhos das árvores que tentavam afrontar o céu, cabendo ao transeunte a escuridão propriamente dita da sombra das copadas.

            Tudo isso me fazia lembrar Louis Agassiz, quando disse: “Não faço ciência, mas deliro”. Eu delirei nessa Amazônia imensa. Eu delirei por tantas vezes, pensando que seria um território para o Brasil do futuro, para os brasileiros do amanhã.

            Quantas vezes resistimos a tentativas de conceder terras públicas da Amazônia?! A Constituição, a legislação proibia-o expressamente. Foi feita a abertura, admitindo que a pessoa física e até a pessoa jurídica poderiam adquirir lotes, menores inicialmente e, depois, sem limites.

            Depois de tudo isso, quando se deu essa abertura e sobretudo quando os conceitos de empresa nacional foram mudando, não sendo mais pelo controle do capital, mas, sim, pela sua organização - a sede no Brasil, em outras palavras -, o subsolo, que era reservado aos brasileiros, às empresas nacionais, foi escancarado para empresa nacional ou estrangeira. Já nem havia mais a necessidade de ter sede aqui. É a senda do caminho dos interesses alienígenas, que cada vez mais marcham triunfalmente sobre a Amazônia, deixando atrás de si a esperança, o desespero - por que não dizer melhor? -, a preocupação.

            Sr. Presidente, foi dito que o que será concedido é muito pouco, 300 milhões de hectares. É muito pouco para a Amazônia. É uma Rondônia e quase um Acre juntos. Mas é pouco, porque “a Amazônia é maior do que isso”. Temos o Estado do Amazonas, o Pará, alguma coisa do Maranhão, Roraima, Amapá e um pedaço do Tocantins.

            Mas isso ainda diz pouco, Sr. Presidente. Como é que vamos defender com palavras? Sei que as palavras têm um poder de transformar a realidade. Foi necessário um século de filosofia para se plasmar a Revolução Francesa. Foi quase meio século de pregação para defender a integralidade do território nacional. “Integrar para não entregar”, dizia o Projeto Rondon, que, pela primeira vez, conduziu-me para aqueles confins, Sr. Presidente.

            E agora? Agora, talvez como Cristo, tenho de chorar sobre Jerusalém, sobre a minha Amazônia, fora dos muros da cidade. Chorar e pensar que a água do meu pranto possa lavar a dor que hoje se abate sobre todos os amazônidas. Porque agora é a lei que permite. Primeiro, era a pregação, era a teoria; agora, é a prática que abre uma janela. E os interesses vão entrar sorrateiramente - por que não dizer firmemente? -, pela mão segura da lei.

            Sr. Presidente, talvez eu tivesse de dizer: Ó Brasil que apedrejas teus profetas. Ai de ti, Brasil, que apedrejas teus profetas!

            Nós, os profetas da Amazônia, fomos apedrejados de maneira vil e brutal! Foi uma derrota cruel. Não contra nós, porque o homem público passa, como passam as nuvens no céu. Nas silhuetas dos séculos, a nossa vida é tão pequena, e, no tempo do universo, nós não somos nem um grão de areia na praia. Mas as nossas idéias calam fundo e são capazes de transformar a realidade. São abstrações, são projetos, são concepções de uma realidade que pode ser feita à nossa imagem e semelhança, à imagem e semelhança das idéias, daquilo que acreditamos, daquilo que propagamos, daquilo que sonhamos. E, quando sonhamos coletivamente, não deliramos, mas construímos, com absoluta certeza, o futuro.

            Sr. Presidente, eu tinha que fazer, aqui, hoje, este desabafo. Foram vários e-mails que recebi exatamente nessa linha de repúdio ao que aconteceu. Alea jacta est!. A sorte está lançada, sim, mas ainda há tempo de reagirmos a tudo isso!

            Entendo que o orgulho nacional foi duramente golpeado, sobretudo o sentimento de nacionalidade. Não vamos ficar em silêncio um só minuto e vamos repetir, repetir cem vezes, a verdade para ver se ela vira uma mentira, ou se possamos afirmá-la como verdade, porque é a mentira que tem pernas longas, e não a verdade - infelizmente devo dizê-lo. Como disse Goebbels, e V. Exª já repetiu tantas vezes aqui: “A mentira repetida cem vezes vira verdade”. Mas a verdade repetida mil vezes vira mentira! Porque as pessoas não acreditam no óbvio. Há uma crise do óbvio. Ninguém quer saber da verdade! Ninguém quer saber da coisa séria! Alimentamo-nos no estrépito dos escândalos!

            Vivemos num tempo, Sr. Presidente, em que vale a pena lembrar Aristófanes, sim, um clássico da comédia grega, um cômico, e, por que não dizer, um satírico, que se referia: “Será que nós homens públicos estamos realmente preparados para exercer a atividade política, que deve ser uma ação virtuosa voltada para o bem comum, para o interesse coletivo?” Será que estamos preparados para pensar mais no coletivo do que em nós próprios? - como é o caso que situei aqui, muito bem, da figura, do personagem de Juscelino Kubitschek.

            Mas, não! Talvez Aristófanes tenha razão, quando o oráculo de Delfos insinuou que poderia ser rei um salsicheiro - para mim, nenhum preconceito contra o salsicheiro. Mas exatamente na sua inexperiência, vou chamar assim, com simplicidade, ele pergunta a um dos personagens da comédia, Demóstenes. Não é o nosso Demóstenes Torres, é outro personagem mais antigo de mais de 400 anos antes de Cristo. Diz o salsicheiro: “Mas diz-me cá uma coisa: como é que eu, um salsicheiro, vou me tornar num senhor?”.

            E Demóstenes responde: “Mas é precisamente nisso que está a tua grandeza: em seres um canalha, um vagabundo e um valdevinos”.

            Não é essa a imagem do homem público que podemos admitir! Não é essa. Será que exatamente é o que ele, mais adiante, se refere, é os que têm êxito, aqueles que conseguem transpassar esse caminho da decência, da dignidade, dos valores que devem sustentar a sociedade, os valores éticos e morais.

            E o salsicheiro, alçado a rei: “Mas admira-me como vou ser capaz de governar o povo?”.

            E Demóstenes: “É muito simples. Continua a fazer aquilo que já fazes: misturas os negócios públicos, amassá-los todos juntos, numa pasta. O povo, conquistá-lo quando quiseres, com mas palavrinhas delicadores, lá da tua especialidade. Tudo o mais o mais necessário à demagogia. Tem-lo tu de sobra, voz de safado, baixa condição, ar de valdevinos. Tens tudo que é preciso para governação. As profecias e o oráculo de Apolo estão de acordo”.

            Sr. Presidente, evidente que não podemos admitir esses conceitos na política moderna. Mas, talvez, algum resquício de verdade ainda sobreviva naquelas observações satíricas, sim, que não era exatamente a proposta, mas aquilo que acontecia, já nesse tempo, na política. Aqueles que enganam os povos, aqueles que mentem, aqueles que conseguem, sobretudo, ludibriar para levar ao sucesso projetos próprios, e não projetos do povo nem projetos da Nação.

            Por isso, talvez, não quero absolutamente culpar ninguém, não quero estabelecer uma responsabilidade sobre ninguém, mas sobre nós do Congresso, que abrimos as portas para a ocupação, agora sob o manto da lei, da nossa Amazônia, que foi preservada até hoje como um dos últimos capítulos da geografia natural, como um dos últimos capítulos do Gênese.

            Como disse Euclides da Cunha, lá naquela terra em formação, nem os rios adquiriram os cursos definitivos, ainda estão buscando o seu futuro, ainda estão buscando o definitivo. É exatamente aquela região que poderia buscar os definitivos com todos da Nação brasileira numa extensão territorial.

            Sr. Presidente, venderam os nossos ativos, a privatização levou as empresas do povo brasileiro. Todas as empresas públicas de maior representação, sobretudo as financeiras, foram embora, o patrimonial. Agora o que resta deste Brasil é a grandeza de seu povo e a grandeza territorial. O povo e o território constituem a essência na formação nacional. O território também, hoje, se encontra ameaçado.

            Oxalá, Sr. Presidente, que amanhã não estejamos aqui mais como representantes da Amazônia, porque poderemos ser anexados a outra potência. E aí vamos chorar como Cristo e dizer: “Ai de ti, Brasil, que não soubeste manter a integralidade do teu território! Ai de ti, Brasil, que perdeste a unidade porque, em momentos impensados, as concessões foram além dos limites do território”.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/02/2006 - Página 3549