Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cumprimentos ao Partido dos Trabalhadores pela passagem dos seus 26 anos de fundação que serão completados na próxima sexta-feira.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Cumprimentos ao Partido dos Trabalhadores pela passagem dos seus 26 anos de fundação que serão completados na próxima sexta-feira.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/2006 - Página 3591
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), COMENTARIO, HISTORIA, ELOGIO, LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Alberto Souza; Srªs e Srs. Senadores, era sábado e fazia um calor danado. Havia uma alegria no ar em São Paulo, e a gente, lá, sabia que era mais ou menos assim em todo o País. E não era por causa do carnaval que se aproximava. Era uma alegria de grande profundidade. Àquela época, isso era possível, porque o País ainda vivia a tristeza da ditadura, mas o céu já começava a clarear. No dia 10 de fevereiro de 1980, foi fundado o Partido dos Trabalhadores, o PT, que, no seu nascimento, já carregava muita história.

O PT teve uma gestação bonita, grande, feita de muita luta e sofrimento. A idéia nasceu da necessidade de a maior parte da população ter direito à sua vez no País, que, fora alguns períodos de democracia, vinha há praticamente cinco séculos comandado por pessoas que apenas viam seus próprios privilégios e que não percebiam que nas suas mãos, naquele momento, havia tantos que acreditavam que era importante que os trabalhadores pudessem ter pleno direito à cidadania. Eram pessoas que, muitas vezes, não se davam conta de que cada bem produzido no País continha a contribuição tão significativa de brasileiros que tinham braços, músculos, rosto, pensamento, sentimento, alma, vontade e esperança de que as coisas pudessem ser melhores. E essas pessoas queriam ter a possibilidade de discutir abertamente qual deveria ser sua justa recompensa.

A história do PT é também a história da redemocratização do Brasil. Nasceu dos que se levantaram contra o autoritarismo, contra as arbitrariedades, contra a ausência de leis, contra o estado de exceção, contra a presença de um aparelho repressivo, que falava a linguagem da tortura e da morte. O PT rompeu com esse medo, mostrando que a coragem dessa gente persistia e que de nada havia adiantado machucar tanta gente, exilar tantas cabeças importantes, impedir a sobrevivência de tantos profissionais, matar quase 400 pessoas e sumir com muitos desses corpos. O seu espírito democrático está entre nós até hoje, e, em seu nome, desde o primeiro momento, o PT abraçou a bandeira dos direitos humanos, fundamental para a vida civilizada em sociedade.

O PT também nasceu de amplos setores populares, que já estavam saindo às ruas naquela época, em plena repressão, defendendo o direito a uma vida mais digna. Refiro-me ao Movimento contra a Carestia, ou Movimento do Custo de Vida, que veio lá da Zona Sul de São Paulo e que cresceu por todo o País, com Aurélio Peres, Irma Passoni e muitos outros. Era o pessoal que se reunia em tantas cidades, nas caminhadas que eram chamadas de Panela Vazia. Era a mesma panela que a população usou nas Diretas-Já, o maior movimento que o País já conheceu, assumido desde o primeiro momento pelo Partido dos Trabalhadores.

Diziam jornais de todo o mundo, diante do nascimento do Partido dos Trabalhadores: “É a maior novidade política”. Esse Partido reuniu, da melhor forma, os movimentos sociais, organizou as reivindicações populares, levantou a auto-estima daqueles a quem a cidadania era um sonho distante. Procurou dar voz a quem não a tinha. Procurou dar vez a quem não tinha direito à passagem. Colaborou para que o povo brasileiro tivesse uma noção mais clara de que a Nação era de todos nós. O PT foi uma das marcas da nossa criatividade, conhecida no mundo todo.

Tive afinidade com o PT desde quando se iniciou o movimento de sua concepção. Eu era professor na escola de Administração de Empresa de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, e redator de Economia na Folha de S.Paulo quando, em 1978, fui fazer uma palestra para os estudantes de Economia da Fundação Santo André. Um dos alunos daquela classe, Oswaldo Cavignato, era amigo e assessor do então Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, o Lula, e o levou para assistir à minha palestra.

Fiz uma exposição a respeito da política salarial, da distribuição da renda, ressaltando como, especialmente naqueles anos, era diferente a influência que, de um lado, tinham os empresários sobre os condutores da política econômica e que, do outro lado, tinham os trabalhadores, que dificilmente tinham acesso aos Ministros da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e outros.

Eis que, depois da minha exposição, abri espaço para perguntas. E, ali, o Presidente do Sindicato, Lula, formulou uma pergunta e fez uma observação, o que provocou uma reação no professor, que disse: “O que dirá o Diretor da Faculdade quando souber que está aqui um perigoso líder sindical?”. Então, eu disse aos estudantes que era importante que eles levassem sempre em consideração, na hora de tomarem decisões de economia, de política econômica, a opinião dos trabalhadores e não apenas a dos empresários.

O Presidente do Sindicato, Lula, naquela ocasião, sentiu-se constrangido e saiu da sala. Respondi às demais perguntas, e, ao término daquela conferência, estavam ali o hoje Presidente Lula, o Sr. Oswaldo Cavignato, Devanir Ribeiro - creio - e outro colega de Lula do Sindicato. Conversamos no pátio da Fundação Santo André, oportunidade em que Lula me disse: “Apareça no Sindicato; vamos conversar mais”. Foi daí que nasceu uma longa amizade e uma grande trajetória. Aquele que tinha como história a de um retirante nordestino e que carregava consigo o sonho de milhares de trabalhadores por melhores condições de trabalho e de vida passou a coordenar as ações para a criação do Partido dos Trabalhadores.

Com muita honra, em 10 de fevereiro de 1980, em razão da afinidade que eu, então Deputado Estadual, tinha com aqueles movimentos sociais, fui convidado a participar da fundação do Partido dos Trabalhadores. Hoje, Lula é Presidente do Brasil. Na verdade, aquela palestra que mencionei se deu em 1976, dois anos antes de ocorrer um outro passo importante. Em agosto de 1978, eu, então candidato pelo MDB a Deputado Estadual, convidei o Presidente Lula para um diálogo comigo em frente à Livraria Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, em São Paulo. Ali, no calçadão, nós travamos um diálogo, por sugestão de meu amigo Caio Graco Prado, que era o editor da Editora Brasiliense e responsável pelo Leia Livros, juntamente com Cláudio Abramo. Eis que então tivemos um diálogo, eu, o Presidente Lula e José Afonso da Silva, que era o secretário do Sindicato dos Padeiros. Ali, nós demos mais um passo importante de afinidade.

Exatamente nesse diálogo, segundo Osvaldo Bargas, hoje Secretário de Relações do Trabalho, foi a primeira vez em que Lula formulou o pensamento, publicamente, da formação de um Partido dos Trabalhadores. Eu, então, era Deputado Estadual pelo MDB, em 1979. Tamanha foi a minha interação com os próprios metalúrgicos do ABC, os lixeiros, os professores e os movimentos sociais, que, juntamente com os Deputados Geraldo Siqueira, Irma Passoni, Marco Aurélio Ribeiro e João Batista Breda, passei a fazer parte do PT, desde a sua fundação.

Lembro-me daquele sábado, naquela tarde bonita, nos jardins do Colégio Sion, na Avenida Higienópolis, de Mário Pedrosa assinando a Ficha nº 1, da emoção de Paulo Freire, da alegria de Apolônio de Carvalho, das lágrimas de Perseu, Zilá e Lélia Abramo. E dos militantes que vinham das organizações políticas, como o Movimento pela Anistia, com Luiz Eduardo Greenhalgh e tantos outros, que davam uma idéia do que era antes a batalha na clandestinidade e que agora podiam mostrar seu rosto. Havia tantos jovens, como Alípio Freire e Julinho de Grammont, que se abraçavam e distribuíam a todos a estrela, que se tornou símbolo do Partido que haviam ajudado a criar; e os militantes mais antigos, como Manoel da Conceição, David de Moraes, Paulo Skromov e outros; Freitas Diniz, do Maranhão; Antonio Carlos, de Mato Grosso; Benedito Marcílio e Airton Soares, que foram da primeira Bancada de Deputados Federais do PT.

Vinte e seis anos depois, lembro-me dos vários programas introduzidos pelo PT, como o Orçamento Participativo, o Programa Saúde da Família, o Programa de Garantia de Renda Mínima e do Bolsa Escola e tantas outras iniciativas nas áreas da educação e da saúde, que representaram o fortalecimento de coisas tão importantes.

Para nós também foi muito importante o Movimento por Ética na Política. A luta pela democratização, por ética na política, pela realização da justiça foram os marcos principais para nós, que hoje somos 800 mil filiados.

Sr. Presidente, ao encerrar minha palavra de cumprimentos ao Partido dos Trabalhadores por seus 26 anos, que serão completados nesta sexta-feira, quero transmitir uma preocupação e uma discordância com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em sua entrevista ao Programa Roda Viva, procurou generalizar procedimentos como se fossem de todo o Partido. E ele próprio, que reconheceu erros graves em seu governo e em seu partido, não generalizou da mesma maneira tais erros para todo o Partido.

Então, não se pode qualificar um partido pelos erros que foram cometidos e que precisam ser reconhecidos, superados. E eu gostaria de transmitir a pessoas como Heloísa Helena - que acabou sendo expulsa, contra o meu voto -, Plínio de Arruda Sampaio, meu companheiro Cristovam Buarque e outros que resolveram deixar o Partido dos Trabalhadores e que compartilharam comigo suas reflexões antes de tomar as suas decisões, assim como Paulo Paim, que aqui está, que avaliamos que seria importante, em que pesem erros que tivessem sido cometidos, prosseguir em nosso Partido, prosseguir com os ideais que fizeram com que nós viéssemos a fundar o Partido dos Trabalhadores.

E eu espero que inclusive as avaliações críticas que ora são formuladas por Cristovam Buarque, hoje no PDT, e Heloísa Helena, no P-Sol, possam fazer bem aos caminhos que eu avalio possam ser trilhados pelo PT, pelo Presidente Lula e por todos aqueles que, levando essa estrela no peito, estão à frente de mandatos no Executivo ou no Parlamento em todo o Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/2006 - Página 3591