Pronunciamento de Augusto Botelho em 06/02/2006
Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Manifestação em defesa das atribuições investigatórias do Ministério Público em ações penais.
- Autor
- Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
- Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
JUDICIARIO.:
- Manifestação em defesa das atribuições investigatórias do Ministério Público em ações penais.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/02/2006 - Página 3229
- Assunto
- Outros > JUDICIARIO.
- Indexação
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- ANALISE, CONTROVERSIA, AUSENCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, EXERCICIO, MINISTERIO PUBLICO, PODER, INVESTIGAÇÃO, DETALHAMENTO, DEBATE, POLEMICA, JULGAMENTO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, do Estado do Piauí, Srªs e Srs. Senadores, como veremos mais adiante, nas sociedades democráticas mais avançadas, é formalmente assegurado ao Ministério Público o exercício de poder investigatório no âmbito da persecução penal. Todavia, em nosso País, essa questão tem gerado controvérsias, e julgamento definitivo pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal ainda não foi proferido. Evidentemente, o tema é de grande importância para o sistema penal brasileiro e coloca em evidência a validade de centenas de investigações e processos em tramitação.
Debates mais aprofundados sobre o assunto têm levado a polêmica para o terreno onde desponta uma analogia equivocada entre o processo penal brasileiro e o sistema de juizado de instrução vigente em diversos países europeus. De acordo com vários juristas, o Código de Instrução Criminal de 1808, de Napoleão Bonaparte, explicita de maneira clara a separação da função de acusação, da de instrução e da de julgamento.
Com base no citado diploma francês, o sistema clássico do juizado de instrução funciona assim: cabe ao membro do Ministério Público acusar, ou seja, declarar perante o juiz de instrução a intenção de punir determinada pessoa. Ao juiz de instrução, caberá, então, examinar os fatos e decidir sobre o andamento da investigação. Caso sua análise conclua que há elementos para tal, este poderá convocar pessoas para serem ouvidas, determinar busca e apreensão, estabelecer censura telefônica e decidir por prisão preventiva do acusado. Após o cumprimento de todos esses procedimentos, caso esteja convencido do ato delituoso atribuído ao investigado, mesmo assim, o juiz de instrução não decidirá por ele próprio e remeterá o processo para julgamento em outra instância.
Os juizados de instrução baseiam-se no princípio liberal da repartição de poderes. Em síntese, o procurador detém com exclusividade o direito de acusar, mas não possui os poderes de instrução que são conferidos ao juiz. Este, por sua vez, detém poderes consideráveis na instrução do feito, investiga no âmbito da tipificação, mas não julga. Assim, ao se eximir do julgamento, garante a imparcialidade da sentença final.
Em nosso País, em inúmeras situações, o nosso sistema reproduz a forma de ação do juizado de instrução. A diferença é que, em lugar do juiz de instrução, aparece a Polícia Judiciária. Dessa maneira, a equação é formada pelo Ministério Público, que acusa; pela polícia, que investiga; e pelo juiz, que julga. Como podemos observar, os três sujeitos exercem separadamente as suas atribuições, ou seja, não se confundem.
No juizado de instrução, a separação se dá entre a função de acusação e a de instrução, ou seja, entre a função do Ministério Público e a do juiz de instrução. A instrução realizada pelo juiz, em sua essência, é um ato totalmente diferente da investigação pré-processual, que é o objeto da polêmica no Brasil. Já vimos anteriormente que o juiz de instrução dispõe de poderes jurisdicionais e pode determinar a busca e apreensão, estabelecer censura telefônica e determinar prisão preventiva. Tais medidas, que interferem diretamente na liberdade e na intimidade do indivíduo, na ótica do processo acusatório, são negadas ao órgão acusador.
À guisa de conclusão, a investigação realizada no Brasil pela Polícia Judiciária e, em muitas situações, pelo Ministério Público distingue-se claramente da instrução. Ela baseia-se em oitivas, coleta de informações e de documentos, realização de perícias e outros procedimentos semelhantes. Dessa forma, segundo vários juristas, a ratio juris que, no juizado de instrução, veda ao Ministério Público a realização de atos de instrução não se aplica à investigação de natureza policial em nosso País.
Por fim, de maneira bem abrangente, no que se refere especificamente à exclusividade da polícia nas investigações criminais e à luz dos princípios jurídicos e da exegese constitucional, devemos dizer que esta exclusividade não deve ser considerada. Neste caso, é importante destacar que a atribuição ao Ministério Público de também conduzir investigações criminais não diminuem em nada a competência da autoridade policial; muito pelo contrário, servirá apenas para fortalecer as nossas instituições, reforçar o combate contra o crime organizado. É importante destacar que esse é o pensamento da relatora especial das Organizações das Nações Unidos para questão dos grupos de extermínio, segunda a Drª Asma Jahangir, que no final de 2003, em viagem ao nosso País, incluiu em seu relatório que os poderes do Ministério Público deveriam ser reforçados para credenciá-lo no combate decisivo contra esse tipo de delito.
Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, o Código de Processo Penal italiano de 1988, já afastado o sistema de juizado de instrução, estabelece, em vários dos seus artigos, que o Ministério Público e a Polícia Judiciária, no âmbito de suas atribuições podem realizar investigações necessárias para as determinações inerentes ao exercício da ação penal.
No caso do alemão, o Código de Processo Penal reconhece igualmente o poder investigatório do Ministério Público em processos criminais. De maneira geral, na Alemanha o Ministério Público pode exigir informações de todos os funcionários públicos, realizar por si mesmo ou requerer da polícia qualquer tipo de diligência. É importante dizer que as autoridades e funcionários do serviço de polícia são obrigados a atender ao requerimento do Ministério Público.
Também no Japão, os promotores públicos podem investigar qualquer ofensa criminal. Por sua vez, nos Estados Unidos, nenhum cidadão americano ignora a força do Ministério Público. Lá, a instituição age rapidamente em cumprimento da lei e tem levado inúmeros criminosos ao banco dos réus.
Assim, como acabamos de destacar, em vários países de democracia avançada, o Ministério Público exerce plenamente a prerrogativa de investigação no âmbito da persecução penal. Por outro lado, devemos entender que, quanto mais ampla é a investigação, maior é a certeza por parte dos cidadãos de que os crimes estão sendo apurados e de que a impunidade está sendo combatida, doa a quem doer.
Em nosso País, diante do avanço preocupante da criminalidade, não é hora de fomentar a separação entre Polícia Judiciária e Ministério Público, defendendo em favor da primeira a exclusividade do poder investigatório. Lamentavelmente, de maneira superficial, muitos procuram defender essa exclusividade, que é, sem dúvida nenhuma, extremamente prejudicial à nossa sociedade.
Devo dizer mais uma vez que, quando o Ministério Público investiga, não está usurpando a função da Polícia Judiciária. Em verdade, está em atividade própria, ou seja, em busca da definição do seu posicionamento, haja vista que sua principal função no terreno criminal é promover a ação penal pública. Mais ainda, não podemos deixar de reconhecer que, quando um membro do Ministério Público colhe elementos para respaldar o seu conhecimento investigatório, não está presidindo nenhum inquérito policial, mas sim agindo nos limites de suas atribuições funcionais, visando apenas a busca de uma melhor clareza dos fatos.
Sr. Presidente, ao terminar este pronunciamento, gostaria de emitir algumas opiniões sobre a importância da ação do Poder Judiciário na construção da democracia, em seu aperfeiçoamento, em sua manutenção e maturidade.
Nas sociedades institucionalmente mais ajustadas, a Justiça é mais independente, não se submete às pressões do poder das elites e procura exercer suas funções mantendo distância dessas imposições de classe. Pois bem, nessas sociedades, onde as instituições repousam sobre alicerces bem mais seguros, todos os cidadãos são tratados igualmente perante a lei e a presença da Justiça é efetiva em todos os espaços da vida social.
Indiscutivelmente, nessas condições, o Judiciário consegue cumprir mais confortavelmente o seu papel democrático encontrando, no cumprimento da ética e no respeito aos direitos fundamentais do homem, que são os dois mandamentos mais importantes da vida social, a base de sustentação de suas ações. Para ser um bom advogado, um juiz honesto, um jurista respeitado, um eminente homem da lei, enfim, para poder andar de cabeça erguida e em dia com os seus atos e decisões profissionais, os representantes da Justiça não podem esquecer nunca que a ética e o respeito aos direitos dos cidadãos estão na essência das instituições democráticas verdadeiras,
Sr. Presidente, explica-se por que os princípios napoleônicos, que respaldaram o capitalismo europeu no século XIX e inspiraram a criação do sistema judicial brasileiro, sempre conseguiram permanecer vivos em nossas estruturas. Felizmente, porém, estamos conseguindo nos libertar dessas amarras.
Ainda bem que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, definiu o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais individuais. Assim, a Carta Magna conferiu à Instituição a legitimidade privativa para propor a ação penal pública.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.