Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre anúncio do PT de que irá processar o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em razão de denúncias contra o partido, em entrevista recente.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Questionamentos sobre anúncio do PT de que irá processar o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em razão de denúncias contra o partido, em entrevista recente.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2006 - Página 4736
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DENUNCIA, ALTERAÇÃO, DIRETRIZ, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PERDA, ETICA, DIFERENÇA, PERIODO, EXERCICIO, OPOSIÇÃO.
  • CRITICA, AMEAÇA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AÇÃO JUDICIAL, CALUNIA, DIFAMAÇÃO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO, EXPECTATIVA, UTILIZAÇÃO, REU, EXCEÇÃO, VERDADE, APRESENTAÇÃO, PROVA, DOCUMENTAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).
  • IMPORTANCIA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, CORRUPÇÃO, DESVIO, RECURSOS, GOVERNO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, DETALHAMENTO, DENUNCIA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, detesto a generalização. Ela é injusta e desestimula. Por isso, há necessidade de se fazer ressalvas, mesmo que seja às exceções, mesmo que seja à minoria. Daí a ressalva que faço a inúmeros militantes do PT quando faço a seguinte afirmação: o PT, na Oposição, realizava um enorme esforço para convencer a opinião pública de que era distinto dos demais partidos. Realizava um grande esforço para afirmar ser o PT diferente dos demais partidos.

Pois bem. Vinte e seis anos após, no governo, muda radicalmente e realiza um grande esforço para afirmar que é igual aos demais partidos. Portanto, uma mudança essencial, que não pode ser ignorada quando se analisa o quadro partidário brasileiro. O PT não é mais o mesmo. Mudou de forma transcendental e hoje quer ser igual aos demais partidos.

Faço referência a essa mudança quando a imprensa divulga que a direção do PT pretende impetrar ação contra o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso por calúnia e difamação pelo fato de ter denunciado corrupção no atual Governo.

Ouvi de alguns que o ex-Presidente não tinha esse direito porque havia corrupção no seu governo. Mas, se o PT, no governo, constatou a existência de corrupção no governo anterior e o Presidente Lula não tomou providências, prevaricou. E prevaricação é crime de responsabilidade, que implica até mesmo perda de mandato.

Portanto, não sei com que autoridade os defensores do atual Governo afirmam ter havido corrupção no governo passado. É possível que corrupção tenha havido; em todos os governos ela se faz presente.

No entanto, jamais se viu esquema de corrupção tão sofisticado, complexo e agigantado como aquele que as CPIs investigam no Congresso Nacional, instalado no Governo do Presidente Lula, com a sua complacência, participação direta ou indireta, conivência ou omissão.

Estaria errado o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso ao formular essas denúncias? Está certo o PT ao processá-lo?

Creio que esse processo pode ter o efeito bumerangue. Espero que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso possa se utilizar de um expediente conhecido no mundo jurídico quando o atingido pela denúncia é servidor público: a exceção da verdade. Que invoque o ex-Presidente a exceção da verdade e terá certamente um container carregado de provas documentais para levar aos tribunais.

As CPIs reúnem provas documentais indesmentíveis, provas testemunhais de importância, confissões estarrecedoras, indícios extremamente comprometedores. Não há como não se constatar, nesse momento, ter havido durante o Governo Lula a arquitetura, a implementação, a operacionalização de um esquema gigantesco de corrupção que provoca, sim, a grande indignação do País.

Ontem, na pajelança dos 26 anos do Partido, o Presidente recomenda que o PT peça desculpas e caminhe adiante. Mas basta pedir desculpas? Um pedido de desculpas é sentença judicial de absolvição ou sentença de absolvição judicial? Evidentemente, não.

O povo brasileiro não há de se conformar com um simples pedido de desculpas, depois de ter assistido, presenciado esse assalto aos cofres públicos, de forma jamais vista no Brasil.

O Waldomiro Diniz não existiu? De onde o Sr. Waldemiro Diniz estendeu os tentáculos da corrupção para merecer condenação? Exatamente do Palácio do Planalto, de onde preside o País Luiz Inácio Lula da Silva.

E o mensalão não existiu? Mas para quem não existiu o mensalão? Poderia o ex-Presidente Fernando Henrique ignorar a existência do mensalão? Não há neste País quem o ignore, não há, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Está absolutamente comprovado que o “mensalão” existiu - corrupção eleitoral assumida.

O próprio Presidente Lula, numa patética entrevista em Paris, confessou ter havido corrupção eleitoral na própria campanha e tentou banalizar o caixa dois como se fosse um instrumento utilizado por todos os partidos políticos, por todos os candidatos. Ou seja, o Presidente se esforça para dizer que o PT é igual aos demais partidos.

Depois, veio Duda Mendonça à CPI e disse meia-verdade, mas com meia-verdade forneceu elementos suficientes para o impeachment do Presidente da República. O povo brasileiro foi condescendente em excesso, foi generoso demais ao ouvir confissões que estarreceram, sustentando documentalmente inclusive a existência não só de evasão de divisas, como de pagamento de contas no exterior devidas ao Sr. Duda Mendonça, mas com a confirmação cabal e definitiva da existência do caixa dois na campanha do Presidente Lula.

O “valerioduto” não existiu? Os empréstimos fictícios utilizados para calçarem recursos espúrios oriundos dos cofres públicos e transferidos para a área política confirmaram a existência do mensalão. Poderíamos citar a Visanet como fonte de abastecimento do “valerioduto” por meio das agências do Sr. Marcos Valério, em conexão deletéria com instituições financeiras já sobejamente conhecidas do povo brasileiro, o Banco Rural e o BMG.

Há notas frias - verdadeira fábrica de notas -, cerca de 80 mil notas emitidas para justificar recursos advindos dos cofres públicos, especialmente da Eletronorte e do Ministério do Trabalho, com comprovação do órgão encarregado desse tipo de investigação no seio da Polícia Federal.

A Caixa Econômica, aparelhada para atender interesses partidários, celebrou contratos espúrios com o BMG na aquisição da Carteira de Créditos Consignados daquela instituição financeira.

Há os contratos superfaturados dos Correios; as licitações fraudadas certamente para que, por intermédio da iniciativa privada, se abastecesse o “valerioduto”, responsável pela manutenção de um esquema político de apoio ao Governo à custa do método espúrio da compra de votos, especialmente na Câmara dos Deputados. Há os cartões corporativos. Mostramos a existência de notas frias também junto à Presidência da República para justificar o saque com o cartão corporativo nos caixas eletrônicos. Evidentemente, são despesas fictícias, calçadas desonestamente, de forma ilícita, com notas fabricadas por empresa laranja, cujo proprietário divulgou-se como chapista em bar da Estação Rodoviária de Brasília.

Poderia falar dos fundos de pensão, falar do IRB, falar do escândalo de Santo André, falar dos escândalos de Ribeirão Preto, falar do escândalo da GTech, envolvendo os assessores diretos do Ministro da Fazenda, o Ministro Antonio Palocci, falar do suposto apoio financeiro de Cuba, com os dólares transportados em caixa de bebida, enfim, Sr. Presidente, o tempo é escasso para que possamos apresentar toda essa seleção de falcatruas cometidas sob a égide do Governo do Presidente Lula.

Isentá-lo como? Reelegê-lo como? É evidente que, durante a campanha eleitoral, vai se estabelecer o contraditório. Considero verdadeira afronta à inteligência do povo brasileiro, com todo o respeito, admitir-se, desde já, a hipótese de vitória do Presidente Lula diante dos escândalos de corrupção que se aliam à incompetência de gestão administrativa a que assistimos no Brasil hoje.

Sr. Presidente, concluo dizendo: ressalvo a existência dos que, na base de apoio do Governo, merecem ressalva. Eles existem. A generalização é injusta, mas infelizmente não há como não constatar que estamos diante de um Governo que se envolveu em um lamaçal de corrupção que não pode ser ignorado pela população brasileira.

 

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª pela colaboração com o tempo na tribuna.

Concedo a palavra ao Senador Jefferson Péres, pela Liderança do PDT. A seguir, ao Senador Antonio Carlos Magalhães, pelo PFL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pela Liderança do PDT. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, fujo um pouco das questões nacionais para abordar uma questão que preocupa, ou deveria preocupar, a todos nós, que é a crise desencadeada nos países islâmicos em razão das charges que caricaturaram o profeta Maomé.

Sei que muitos cidadãos, inclusive do povo, estranham quando se aborda um tema internacional, porque a idéia é a de que o País tem tantos problemas, tantas mazelas, e este Senador sobe à tribuna para tratar do que acontece lá fora.

            Em primeiro lugar, o que acontece lá fora tem repercussão aqui, Senadora Heloísa Helena, queiramos ou não. Em segundo lugar, estamos em um mundo com rápido processo de globalização, e mais e mais nos transformamos naquilo que McLuhan chamava de “aldeia global”. Não podemos ficar indiferentes, Senador Tião Viana, ao que acontece no resto do mundo. O que está ocorrendo nos países muçulmanos dá a impressão de que a profecia de Samuel Huntington, de que haveria um choque de civilizações, está para se positivar. Não me parece que haja incompatibilidade insanável entre a cristandade e o Islã. Civilizações muito diferentes, Senador Mão Santa, podem conviver pacificamente. Os exemplos são muitos. Agora mesmo, China e Índia, que são praticamente duas civilizações, inserem-se pacificamente na ordem mundial, sem nenhum problema maior.

O que nos separa tanto dos países muçulmanos, como mostra a crise atual, provocada por uma simples charge publicada em um jornal dinamarquês? Em primeiro lugar, é preciso não partir de um exagero, de um excesso, praticado pelo cartunista dinamarquês, para justificar ou tentar justificar covardemente a violência da reação no mundo islâmico. Eu, se fosse chargista, não mexeria com o tema religião em respeito às crenças alheias. Não se deve brincar com isso, seja qual for o ramo religioso. Mas o cartunista usou do seu direito de livre expressão. Por que uma reação tão despropositada, tão desproporcional à ofensa? Já ouvi alguns tentando justificá-la, citando exemplos do que aconteceu aqui no Brasil.

Outro dia, ouvi um suposto analista dizer: “Quando um pastor evangélico chutou uma imagem de Nossa Senhora, suscitou reações também dos católicos”. Modus in rebus, Senador Ramez Tebet, como se diz em Direito. Houve reação de indignação verbal, mas não vi ninguém depredar a igreja do Pastor. O Pastor não foi agredido. Eu diria que foi uma reação compreensível de quem se sentiu ofendido com aquele gesto gratuito do Pastor evangélico. Mas, devido a uma simples charge, sair às ruas depredando embaixadas, queimando carros, agredindo, ameaçando até matar, Senador Tião Viana, é, realmente, uma reação insana.

É claro que essa reação parte de fanáticos, mais do que tolerados, eu diria mobilizados, induzidos por governos autoritários, como os da Síria e do Irã, que tentam lançar mão da velha tática de buscar inimigos externos a fim de desviar a população dos problemas internos e, ao mesmo tempo, justificar o autoritarismo. É como se dissessem para aquela massa de pessoas inflamadas pela religiosidade: “Está vendo em que dá a liberdade de expressão? Dá nisso, na ofensa às suas crenças mais caras”. É uma justificativa de ditaduras.

O que há de errado com a religião muçulmana? Nada, Senador Tião Viana. É uma religião respeitável, com valores que temos que respeitar. O que há de errado é com as sociedades muçulmanas. O que há de errado com elas é que não conheceram a reforma nem o iluminismo. Até hoje, não souberam, em primeiro lugar, separar religião de Estado, lá não existe Estado laico; em segundo lugar, não cultuam as liberdades fundamentais de expressão, de reunião e de associação. São sociedades que vivem como na Idade Média ainda. O problema não é a religião muçulmana, são as sociedades, que precisam dar um salto de modernidade.

Em vez de hostilizá-los também, todos nós - refiro-me aos políticos e líderes religiosos do Ocidente - temos que tentar abrir um diálogo com aquelas sociedades na busca de um entendimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2006 - Página 4736