Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamenta o anúncio de que o presidente Lula vetará o Projeto de Lei da Câmara 142, de 2005, que trata da repactuação de dívidas oriundas de operações de crédito rural na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene).

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Lamenta o anúncio de que o presidente Lula vetará o Projeto de Lei da Câmara 142, de 2005, que trata da repactuação de dívidas oriundas de operações de crédito rural na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene).
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2006 - Página 5418
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VETO (VET), PROJETO DE LEI, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, ACUSAÇÃO, PREJUIZO, ATIVIDADE AGRICOLA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo Cavalcanti, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores presentes, brasileiras e brasileiros aqui presentes e que nos assistem através do Sistema de Comunicação do Senado Federal.

Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª, além de médico, é um homem público, governou o seu Estado - um dos maiores em área geográfica e talvez de maiores dificuldades, em razão da quantidade de terras em domínio de ONGs representando os americanos - e sabe o que é o campo.

Senadora Heloísa Helena, quero dar um testemunho, não sei se lhe agrada, mas o Senador Aloizio Mercadante - quero fazer o meu julgamento - é um homem de virtudes, um homem honrado, um homem honesto. E isso no PT é... É um homem de virtudes, bem dotado, estudioso, convida-nos freqüentemente ao debate qualificado, à ética de Max Weber, ética dos resultados, ética da situação, mas foi triste a influência que S. Exª exerceu no nosso pobre Presidente da República. Não é pobre pelo dinheiro não, é pobre pelo saber.

Atentai bem, Mozarildo Cavalcanti, entendo, como está no livro de Deus, que a sabedoria é ouro. E é sobre essa riqueza que falo. Não é a riqueza dos banqueiros, a que ele pode ter até fácil acesso, é a da sabedoria.

Napoleão Bonaparte disse que a maior desgraça é exercer um cargo para o qual não se está preparado. Senador Mozarildo Cavalcanti, digo isso sabendo. Uma vez fui convidado, em um embate político, a dirigir uma Emater do meu Estado - eu, médico cirurgião, urbano -, e me aconselharam: “É bom, tem umas cabines boas, o prédio é bom”. Aí pensei em Napoleão: a maior desgraça é exercer um cargo para o qual não se está preparado. Eu, cirurgião, não sabia nem distinguir um pé de feijão de um pé de... Que diabo eu ia fazer? “Estou fora.” E esse entendimento é que me fez estar aqui para ensinar.

Atentai bem. O Mercadante não entende nada de campo. Sei que ele é economista, temos debatido. Aliás, é talvez o melhor quadro deste PT. Mas, de campo...

Senadora Heloísa Helena, uma vez eu disse, no governo passado, o de Fernando Henrique Cardoso, para os mesmos, dessa dívida externa. Eu disse que os Estados não poderiam pagar aquilo, tinham que ter uma folga para ter investimento, que os governos já são comprometidos com a metade da folha de pagamento para funcionar. Tem o Poder Legislativo, tem o Judiciário, tem o Ministério Público, a Polícia, e a faixa de percentual de pagar a dívida era grande. Cheguei a dizer que todos eles eram office boys do FMI, do Banco Mundial, do BID, do Bird. Nenhum conhecia ou tinha visto um pobre; era São Paulo, Rio, Brasília, Paris, Washington, Japão. E é aí a história.

Senadora Heloisa Helena, nem falei para não cansar e para aprovar, mas quando olhei - eu estava aí, em cima -, na votação. Então, isso não vale nada. E o resultado é esse, Heloisa Helena.

O Senador Gilberto Mestrinho - aliás, vou confessar, porque ele me disse em segredo, e eu não guardo segredo, não sou baú -, quando entrei aqui, me disse: “Isso não dá certo, Mão Santa; é um bocado de desempregados e de famintos esse PT”. E olha aí. Profeta. Gosto de aprender com a experiência dos mais velhos, Heloísa Helena. Grande Mestrinho! É mestrão. Lá no Piauí chamam o Alberto Silva de Albertão. Mas, Senadora Heloísa Helena, ele disse: “Mão Santa, olhe como não tem ninguém, como está fraca esta festa” - a abertura do Congresso. Aí, eu refleti, Senadora Heloísa Helena, porque, lá no meu Piauí, eu, como Governador, tinha muito mais empolgação, autoridades, imprensa, povo. E ontem não havia ninguém. E ele foi mais: “Se tirarem os seguranças e os assessores, não fica ninguém aqui”. Esta é a verdade, Aldo. Esta é a verdade, Renan. É o quadro da moral, hoje, aqui, deste Poder, que não é Poder, eu sempre o chamei de instrumento da democracia. Poder é o povo, que paga a conta. Não tem nada de Judiciário, não é poder. O Executivo não é poder. Poder é o povo, que paga a conta. E Deus. Este é o meu entendimento. Mas ontem foi o quadro. E o Senador Gilberto Mestrinho disse: “Se tirarem os seguranças, se tirarem os assessores e os funcionários, olhem aí, que vergonha!” E o Boris Casoy não pode mais dizer isto porque - que vergonha! - tiraram o homem. Vejam como é o regime em que vivemos!

Mas, Senadora Heloísa Helena, eu ali. Sabe quantos votaram contra o Projeto de Lei nº 142/05, a renegociação da dívida agrícola? Eu contei: o Senador Aloizio Mercadante, o Senador Eduardo Suplicy, seu companheiro, e outros. Foram quatro votos. Isto aqui, então, não vale nada. Quatro votaram contra. E agora vem: “Governo vetará renegociação de dívida agrícola”. Ou este Congresso, Renan, tem moral e dignidade! Vamos derrubar o veto desse Presidente, esse Presidente que saiu aí e pegou uma lavagem cerebral dos paulistas. Essa é a verdade.

Ô, Heloisa, eu vou dar meu testemunho. O Lula não tem essa experiência e essa vida. Heloisa Helena, eu vou citar um quadro que vale por dez mil palavras. Em 1979, eu era Deputado Estadual, e o Governador era Lucídio Portella, que foi Senador, austero, correto. Seu Líder era Juarez Tapeti, um dos maiores homens da política piauiense. Eu era o vice-líder. Senadora Heloisa Helena e Senador Mozarildo, o Lucídio não gostava muito de viajar, mandava que eu inaugurasse as eletrificações. Olha que o Piauí é comprido, o rio Parnaíba, eletrificamos quase tudo ali vizinho do Maranhão. Eu ia como Deputado, representando o Governador. Olha, Heloisa, quanta saudade das fazendas, da alegria, chamamos lá safra, no Nordeste. Era peru, era galinha, era churrasco, era bebida, uma alegria, uma riqueza, uma festa. Há vinte anos. Eu sou testemunha, eu ia ao campo. Depois, Deus me permitiu governar o Piauí por 6 anos, 10 meses e 6 dias; e Senador agora, levando, às vezes, benefício. Heloisa Helena, quero lhe dizer que não é o calor humano, não. Todos os homens do campo estão empobrecidos, todas as fazendas. Um quarto de século!... Os pratos rachados, as cadeiras, os banheiros... Todos empobreceram. Não tem mais aquele peru, aquela festa, não tem mais ninguém no campo.

Ô, Lula, V. Exª diz que não gosta de ler, que dá mais trabalho ler uma página de um livro do que fazer uma hora de esteira. Por isso que ele está magrinho. Mas que em uma hora de esteira ele tenha pelo menos uma reflexão e um minuto do que Franklin Delano Roosevelt disse. Pegou o país na recessão, pós-guerra, presidente quatro vezes, Lula, dos Estados Unidos. Franklin Delano Roosevelt disse: “As cidades podem ser destruídas; elas ressurgirão do campo. Mas, se o campo for destruído, as cidades morrerão de fome”. E o nosso campo, Lulinha paz, amor e ignorância de montão, está destruído! Destruído! Vou dar só um exemplo, Lulinha paz, amor e ignorância à beca: V. Exª tomou muita água Perrier. Eu ando por esses restaurantes. Heloisa Helena. Eu fui ao Bargaço, que é do nosso Nordeste, da Paraíba, de Pernambuco. Não sei se tem em Alagoas. Aí olhei. Uma água Perrier é R$6,50. Milhares tomaram dela na farra do PT! Um litro de leite custa R$0,75. Uma água que esses ricos bebem custa R$6,50, enquanto um litro de leite, R$0,75! O leite é a base do campo; é a pecuária; é a bacia leiteira; é a fixação do homem do campo e custa R$0,75. Este é um País doido, louco, em que se toma uma água Perrier por R$6,75.

Senadora Heloisa Helena, fui recentemente ao campo. Olha, uma saca de milho - 60 quilos, um fardo - custa R$15,00. Imagine o que significa para o homem do campo 60 quilos de milho: horas, dias, meses de infortúnio. E o homem do campo está devendo.

Aprovou-se aqui, numa noite, um projeto que já pensei... Heloisa Helena - sou cirurgião, igual a Juscelino Kubistchek, fui médico da Santa Casa e tal, fui Prefeito, Governador e até casado -, pensei que essa porcaria já tinha sido resolvida. Estou aqui há 10 anos. Eu sou da CAE. Discursei lá, e é por isso que eu fiquei até sem palavras. Aqui, vi agricultores com dívida. Quem pode pagar esses bancos?

Senadora Heloisa Helena, eu tenho um exemplo. De repente, fui Prefeito da minha Cidade. Olha, a minha Adalgisinha disse que nunca passou tão mal. Eu era cirurgião famoso, pois estudei. O Prefeito não tinha tempo, diminuiu-se a renda. Lembro-me de que eu tinha cheque Ouro quando entrei nessa Prefeitura. Heloisa Helena, para sair desse cheque, foram quatro anos, porque é difícil. Eu, médico, cirurgião, prefeito! Como o agricultor vai pagar?

“Governo vetará renegociação da dívida agrícola”, diz a matéria de O Globo. Minha mãe, Terceira Franciscana, está no Céu - é a única certeza que tenho. A Senadora Heloisa Helena já andou lendo alguns trabalhos dela. Mas eu sempre aprendi com minha mãe, cujo pai era empresário, tinha até navio: “A caridade começa com o de casa”. Na hora da mesa, ela via a comida e contava quantos empregados haviam, Senador Luiz Otávio.

E o Lula sai fazendo caridade. A Venezuela deve? Não deve mais. O Paraguai deve? Não deve mais. Cuba deve? Não deve mais. A África deve? Não deve mais. O Haiti deve? Não deve mais. E o nosso homem do campo, com uma dívida que não pode pagar.

Este plenário, o povo pagou. Há três anos - está aqui o Presidente da CAE - que eu já pensei que essa porcaria já estava resolvida. Na calada da madrugada, só quatro foram contra. Vetaram. Então não vale nada. Fecha isso e assume logo aquele sonho do José Dirceu de fazer deste País uma Cuba. Assuma! Aqui, somente quatro foram contra, e vetaram.

Ô, Renan, V. Exª, que é do Nordeste e o outro, Presidente da Câmara Federal, também é do Nordeste, mas foi para São Paulo fazer uma lavagem cerebral porque o Lula foi para lá...

Essa renegociação diz: são 16,7 bilhões - 5,7 bilhões, quase 6 bilhões, Senador Luiz Otávio, V. Exª, que, com muita sabedoria, preside a Comissão de Economia. Lá se discutiu, foi analisada e aprovada.

Senador Cristovam Buarque, o próprio Banco Central já analisou que está perdido. Está há 10 anos lá. Não se paga porque não se tem. Quantos velhinhos estão morrendo enforcados, se suicidando porque não têm mesmo, o campo está ruim. O litro de leite custa R$ 0,75; a água Perrier é R$ 6,50. Vai entrar a Justiça, vem a execução, e daqui a 10 anos o que ganhará este País, Lulinha paz e amor? Daqui a 10 anos vão tomar as terras dos nossos que ficaram no campo, dos que trabalharam, dos que produziram. Um fardo de 60 quilos de milho custa R$15,00; 60 quilos de arroz custa R$20,00. Vão tomar daqui a 10 anos. Essas terras para esses bancos, esses pecadores. Os que morreram, com certeza, vão para o inferno. Mas, os bancos vão tomar; e o que os bancos vão fazer com essas terras? Vão tirar, vão destruir o maior patrimônio que temos no Nordeste, a família. O banco vai tomar e o que o banco vai fazer com isso?

É a dependência, é a subserviência ao senhor do dinheiro.

Está aqui, Senador Cristovam: vão vetar. O Líder do Governo, Mercadante, economista, só vê o dinheiro. Falta a sensibilidade, falta o apoio e o carinho que o Presidente da República tem que dar para fazer marketing, sair simpático e querer ser o líder das Américas e do mundo.

A África está devendo? Dispensa. O Paraguai está devendo? Dispensa. A Bolívia? Dispensa. A Venezuela? Dispensa. Por que não o nosso nordestino? Antes dele, chegou alguém e disse: o nordestino é, antes de tudo, um bravo. E eu quero lhe dizer: ele é, antes de tudo, um homem trabalhador e que sofre as intempéries.

Essas nossas palavras aqui são para entusiasmar este Congresso a fazer valer a sua origem. Isto aqui tem que ser um contrapoder, tem que frear o Poder Executivo. Se ele vetar, temos que ter altivez para derrubar o veto.

Estas são as nossas palavras, principalmente para aqueles da região do semi-árido: neste Senado, dos nove Estados, são 27 Senadores, e não poderemos voltar jamais ao Nordeste e dizer que vão tomar as terras deles, aquilo que eles herdaram dos seus avós e dos pais, eles que ficaram no campo trabalhando, esperando o inverno que não chegou e que foram assaltados. Pior do que a falta de chuva é a falta de consciência e a falta de vergonha dos nossos governantes: “vamos tomar as terras desse povo”.

É isto que queremos que, ainda, reste coragem neste Congresso. Aí, sim, ó Renan! ó Aldo! - paulista, já foi para São Paulo - vamos derrubar esse veto presidencial. Aí, no reinício da festividade, o Mestrinho não vai estar me chamando a atenção e dizendo: ô Mão Santa, que vergonha! Não tem ninguém.

Não tem ninguém mesmo porque ninguém pode aplaudir e acreditar num Congresso que é simplesmente subserviente e dependente do Poder Executivo. Ele não representa o povo porque o povo é a dignidade, é a coragem e o trabalho que eu vejo em cada homem do campo do meu Piauí e do Nordeste do Brasil.

Era o que eu tinha a dizer, Senadora Heloísa Helena.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2006 - Página 5418