Pronunciamento de Marco Maciel em 17/02/2006
Discurso durante a 2ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Avaliação positiva da convocação extraordinária do Congresso Nacional.
- Autor
- Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
- Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
LEGISLATIVO.
MEDIDA PROVISORIA (MPV).
EDUCAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
REFORMA POLITICA.:
- Avaliação positiva da convocação extraordinária do Congresso Nacional.
- Aparteantes
- Mozarildo Cavalcanti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/02/2006 - Página 5557
- Assunto
- Outros > LEGISLATIVO. MEDIDA PROVISORIA (MPV). EDUCAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL. REFORMA POLITICA.
- Indexação
-
- AVALIAÇÃO, RESULTADO, ATUAÇÃO, EFICACIA, CONGRESSO NACIONAL, PERIODO, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA.
- IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, JORGE BORNHAUSEN, SENADOR, AUTORIZAÇÃO, FABRICAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RADIAÇÃO IONIZANTE, MEDICINA, AGRICULTURA, INDUSTRIA.
- IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, RESTRIÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
- COMENTARIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AMPLIAÇÃO, DURAÇÃO, ENSINO FUNDAMENTAL.
- ANALISE, EFEITO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTONOMIA, ESTADOS, MUNICIPIOS, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, ELEIÇÕES, DESVINCULAÇÃO, AMBITO NACIONAL, OPINIÃO, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO ELEITORAL, BRASIL, REFORÇO, CONCEITO, FEDERALIZAÇÃO, PAIS.
- NECESSIDADE, RETOMADA, DISCUSSÃO, REFORMA POLITICA, INICIO, LEGISLATURA, CONGRESSO NACIONAL, SIMULTANEIDADE, ALTERAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, OBJETIVO, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, APERFEIÇOAMENTO, FUNCIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
- NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, ELEITOR, IMPORTANCIA, VOTO, EXERCICIO, CIDADANIA.
- ANALISE, FUNÇÃO, LEGISLATIVO, POSTERIORIDADE, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA, BRASIL.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) -
Sr. Presidente, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores venho hoje à tribuna fazer um rápido balanço da convocação extraordinária que se concluiu na terça-feira desta semana e também algumas considerações sobre a sessão legislativa que se instalou na quarta-feira passada, dia 15 de fevereiro, por prescrição constitucional.
Começaria dizendo, Sr. Presidente, que o balanço da convocação extraordinária foi positivo; diria que acima do que se esperava pelo número de proposições aprovadas. Sem querer descer a detalhes, mostrando as diferentes proposições acolhidas quer pela Câmara dos Deputados, quer pelo Senado Federal, gostaria de, num quadro muito sinótico, lembrar, como o disse o Presidente Renan Calheiros, que o Senado em 42 sessões, aprovou 123 matérias; no mesmo período, a Câmara dos Deputados fez 34 sessões e aprovou 101 matérias.
É lógico que ao se mencionar o número de matérias aprovadas, nós temos que reconhecer que algumas são mais significativas que outras. É sempre bom ter presente que nós não podemos ficar limitados a uma análise apenas de números. Nós devemos olhar não somente a quantidade, mas principalmente a qualidade da produção legislativa. É fundamental que o Congresso Nacional seja uma instituição capaz não somente de aprovar leis importantes, mas também de analisar o que é mais importante para o País, seu povo, suas instituições.
Entre as matérias aprovadas pelo Congresso Nacional durante a convocação extraordinária, destaco algumas propostas de emendas constitucionais. Começo lembrando que pela PEC nº 49 se alterou o caput do art. 21 da Constituição, que a meu ver representa grande passo para nosso País. A referida PEC, que é de autoria do Senador Jorge Bornhausen, foi aprovada pelo Senado e teve igual recolhimento na Câmara dos Deputados. Vai permitir excluir do monopólio da União a produção, comercialização e autorização de radioisótopos de meia-vida curta para uso médico, agrícola e industrial. Isso representa uma revolução na melhor utilização da medicina nuclear, não somente para o diagnóstico, mas também para o tratamento de enfermidades, sobretudo no campo da oncologia, ou seja, no tratamento do câncer. Além disso, essa emenda tem também significação no campo da agricultura. Por exemplo, a utilização de radioisótopos pode contribuir para a descoberta de lençóis aqüíferos, além de ajudar na conservação de certos produtos agrícolas. É também muito usada a radiação gama na conservação da cebola, por exemplo. Em Pernambuco, há uma região no São Francisco que produz cebola. Como se sabe, esse produto é altamente perecível, e a radiação gama pode conservá-lo por tempo mais longo, ensejando, conseqüentemente, o acesso ao mercado internacional. Portanto, essa e uma emenda importante.
A propósito, gostaria de lembrar que em Pernambuco, ao tempo que fui Vice-Presidente da República, iniciamos a construção do Centro Regional de Ciências Nucleares, hoje em estágio bastante avançado, que se beneficiará também, da aprovação dessa emenda, e concorrerá para, entre outras atividades, melhorar o desempenho do pólo médico de Pernambuco. Pernambuco tem uma medicina bastante avançada, e naturalmente, com a Emenda Constitucional nº 49, os nordestinos, sobretudo os portadores de doenças mais graves, não serão compelidos a se deslocar para fazer tratamento, por exemplo, em São Paulo, como ocorre com freqüência em todo o Nordeste, o que dificulta e encarece muito o custo do tratamento.
Outra PEC aprovada e para a qual também não podemos deixar de chamar a atenção diz respeito ao novo tratamento dado às Medidas Provisórias. Elas foram criadas na Constituição de 1988 e representam a continuidade, sob nova forma, dos antigos decretos-leis do regime militar. Mas me parece que a emenda pior do que o soneto, ou seja, os seus efeitos sobre a produção legislativa por parte do Congresso, foram muito grandes o que está contribuindo, e muito, para que a atividade congressual se processe de forma inadequada. Ou seja, estamos mais do que convencidos que esse é um instituto que precisa ser revisto. Há até quem defenda, talvez numa posição mais radical, que esse instrumento deveria ser expelido, expungido do texto da Constituição. De toda maneira, é um tema em debate. E precisamos encontrar uma solução correta para a edição de Medidas Provisórias, que tem sido feita de forma indiscriminada, sem, às vezes, atender aos pressupostos constitucionais de urgência e relevância, contribuindo para reduzir a análise das proposições de iniciativa do Congresso Nacional, ou seja, está havendo uma redução acentuada de aprovação de matérias de iniciativa dos Deputados e dos Senadores em função do grande número de Medidas Provisórias. Elas trancam as pautas e têm prioridade na sua apreciação porque são apreciadas. A meu ver - friso, mais uma vez -, isso não é bom para o Congresso Nacional e, de modo especial, para o Brasil.
Também devo mencionar o projeto de Lei que aprovamos, que amplia em um ano a duração do ensino fundamental. Isso é algo que deve ser encarado como positivo, porque, a exemplo do que já ocorre no mundo, cada vez mais, fica evidente a imprescindibilidade de fazer com que o Brasil dê à educação a prioridade que os países mais afluentes dão - porque são mais afluentes, são também mais influentes. Na verdade, se considerarmos a experiência da Europa, da Ásia, dos Estados Unidos, vamos verificar que o Brasil precisa investir cada vez mais e melhor na área da educação. O ensino fundamental é à base de tudo, e temos cada vez mais que aumentar a carga horária, criar condições para que haja uma educação integral.
Com a sanção do projeto, ele vai ajudar no sentido de que a educação seja a grande prioridade brasileira. Insisto em dizer que educação é a grande questão do País, a questão estrutural com que se defronta o País. Nesses tempos de mundialização, de globalização, fica muito evidente porque, se desejamos ter uma participação maior na comunidade internacional, se queremos aumentar a nossa inserção na comunidade internacional, será fundamental investir em educação, ciência e tecnologia. Sem esse caminho, obviamente, não teremos a competitividade necessária para dar ao País a presença que ele pode ter no mundo, neste novo milênio, neste novo século que surge.
Desejo também, Sr. Presidente, mencionar, entre as matérias aprovadas, esta pela Câmara dos Deputados, a PEC que extingue o instituto da verticalização, inédito na legislação brasileira.
A verticalização foi adotada por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a uma consulta, em 2002. A resolução foi publicada em 19 de abril de 2002 e representou para nós algo sem precedentes na legislação político-eleitoral brasileira. E diria até que, semelhante ao instituto da verticalização, talvez nós só pudéssemos, na nossa história político-partidária, tomar como exemplo o voto vinculado, adotado nas eleições de 1982, ainda durante o regime militar, ao tempo que governava o País o Presidente João Baptista Figueiredo.
Desde 1932 - vou tomar 1932 como exemplo porque foi o ano em que foi editado o Código Eleitoral, após a Revolução de 30, uma revolução transformadora para nosso País - até nossos dias, nós não conhecíamos algo semelhante ao que foi estabelecido pelo TSE, o chamado instituto da verticalização.
Entendemos que foi muito oportuno que a Câmara tenha permitido - a exemplo do que já ocorrera no Senado no ano 2002 -, durante a convocação extraordinária, encerrar a votação da matéria e que agora está pendente de promulgação por parte do Congresso Nacional.
Acho que isso foi muito importante para o País e para as suas instituições. E, sobretudo, Sr. Presidente, a desverticalização vai representar, algo muito importante para a nossa Federação, algo muito importante para a vertebração de verdadeiros partidos políticos no País, para dar ao eleitor melhores condições para o exercício do voto. Também que foi muito importante para o processo democrático brasileiro.
Digo que a desverticalização vai ser importante para a Federação porque parto do pressuposto de que a verticalização retirou dos Estados e do Distrito Federal a possibilidade de decidir de acordo com os interesses das respectivas Unidades Federativas. O Brasil é um Estado federal, um estado composto, portanto, desde a Constituição de 1891, que foi a Constituição que institucionalizou a República, proclamada em 1889.
A meu ver, a verticalização, por determinar que as coligações nacionais é que condicionam as coligações dos Estados, representou um retrocesso numa grande conquista brasileira que foi a Federação. É bom ter presente - e insisto muito neste ponto sempre - que o Brasil, ao se converter em república, foi automaticamente transformado também em república federativa. Já o decreto de Deodoro dizia, em 15 de novembro de 1889: “O Brasil é uma república federativa”.
E até vou mais além. Vejo aqui Rui Barbosa, entronizado no nosso Plenário como a iluminar nossos passos, que foi um dos grandes pró-homens da República, antes de ser republicano foi federalista e só se converteu em republicano quando se convenceu de que, sem a república, não era possível estabelecer a Federação no nosso País.
Sinto que a Federação no Brasil ainda não é algo concreto, real. É lógico que especialistas em Direito Constitucional vão dizer, certamente, que a Federação brasileira nasceu de um Estado unitário e que as verdadeiras federações são aquelas que nascem de Estados que se unem para estabelecer uma Federação. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os Estados Unidos, com a Alemanha; o caso da Suíça também pode ser dado como exemplo, apenas para dar três exemplos.
Eu também não vou aqui fazer um histórico sobre como isso se processou nesses países, mas é bom lembrar que, diferentemente do que aconteceu nos casos a que me referi, a Federação no Brasil nasceu de um Estado unitário. Ela nasceu sofrendo de uma debilidade congênita porque, no Império, o Estado era unitário e, conseqüentemente, era muito grande a concentração de atividades e atribuições na Corte, ou seja, nós éramos um Estado unitário caracterizado por uma grande concentração do poder central nas mãos do Imperador. Isso fazia com que as então províncias, como assim se chamavam, tivessem limitada possibilidade de deliberação.
É lógico que se poderá dizer que o Ato Adicional de 1834 representou um momento de diástole, de fortalecimento das então províncias. Mas logo depois, em 1840 - se não estou equivocado - veio a Lei de Interpretação, que novamente fez uma sístole, concentrou novamente os poderes em torno do poder central.
Então, esse desejo federativo foi que marcou um grande período na nossa história, inclusive com algumas revoluções - em meu Estado, Pernambuco, a Revolução de 1817, mas, sobretudo em 1824, tida até como uma Revolução Autonomista. E sempre se atentou para esta questão de que um país com as dimensões do nosso não poderia ser governado a partir de uma única instância central.
A verticalização representa mais um retrocesso no campo da afirmação da Federação. E isso não é bom para a cidadania, porque, quanto mais concentração há em torno do poder central, menos participação tem o cidadão. E a democracia começa na cidadania.
Por outro lado, a verticalização é muito inconveniente para o fortalecimento dos partidos, porque, quebrando toda uma vertebração da formação dos nossos partidos, a verticalização retira a autonomia de que os partidos, no plano regional, dispõem para fazer suas composições, de acordo, inclusive, com as peculiaridades locais, que são muito diferentes da questão nacional.
Sabemos que as eleições são feitas, no modelo federativo em vigor, em três grandes instâncias, chamadas circunscrições pela própria lei, se não me engano no art. 86 do atual Código Eleitoral, estabelece que a circunscrição nacional, que é aquela instância em que se delibera sobre a eleição do Presidente e Vice-Presidente da República; a circunscrição regional, que diz respeito aos Estados e Distrito Federal - são 27 unidades Federativas no Brasil; e, finalmente, a circunscrição municipal, que diz respeito aos municípios.
Com respeito a verticalização, praticamente a circunstância federal condiciona, como condicionou em 2002, a circunstância estadual e regional. E isso foi muito ruim para os partidos políticos brasileiros. Eu, que luto há muito e muito tempo, desde a década de 70, por uma reforma política, que hoje já chamo de reforma institucional, porque ela tem uma abrangência muito maior do que melhorar o desempenho do sistema eleitoral e partidário brasileiro fiquei muito preocupado desde que a verticalização foi estabelecida pelo TSE, que, espero, seja revista pela Emenda Constitucional a ser promulgada, nos próximos dias. Porque, de alguma forma, - ao contrário do que muitos pensam, que possa ajudar no fortalecimento dos partidos - ao meu ver, cria enormes dificuldades para que eles possam funcionar com a liberdade que carecem, e que necessitam. Se quisermos fortalecer os partidos políticos brasileiros, precisamos, antes, fazer justamente a reforma político-institucional; ou seja, alterar o sistema eleitoral, já que, no sistema eleitoral dos nossos dias, o voto não é dado a um partido, é dado a um candidato.
O sistema eleitoral que adotamos no Brasil, que é o sistema proporcional por listas abertas, vincula o eleitor não ao partido, mas ao candidato. Então, o voto no Brasil é “fulanizado”. Quando perguntamos a alguém, depois da eleição, como votou, ele diz: votei em João, em Manuel, em Maria, em Pedro etc, porque, na realidade, ele não votou no partido, ele não votou num programa. Daí por que temos de começar uma verdadeira reforma política alterando o sistema eleitoral brasileiro. Depois, adotar outras medidas para fortalecer o sistema partidário, através da fidelidade partidária, por uma melhor definição programática dos partidos, pela execução da clausula de desempenho etc. Enquanto não fizermos isso, certamente os nossos partidos não ganharão sua necessária solidez, sua necessária vertebração para que possam assegurar aquilo que é o objetivo fim do sistema eleitoral partidário brasileiro que é ensejar - friso à governabilidade.
Ouço com prazer o nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Marco Maciel, V. Exª, como sempre, nesta matéria e em tantas outras, dá uma verdadeira aula. Só há um ponto que, embora já tenha tido uma decisão do Congresso, estaria pendente de uma interpretação do Supremo. É pensar em verticalização antes dessas providências de que V. Exª falou, porque, se os partidos não têm personalidade própria, se não há um sistema partidário em que o eleitor priorize o partido e não o fulano, então vamos começar com a verticalização. Em um País do tamanho do nosso, estamos começando a construir a casa a partir do telhado.
O SR MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito bem! É verdade. V. Exª tem razão.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Eu acho que olhar as peculiaridades regionais também deve ser um ponto de vista do sistema partidário, porque nem sempre uma aliança partidária feita, digamos, com a visão do Sul e do Sudeste é a mesma lá do nosso Norte, do Nordeste. É importante lutarmos. Talvez este ano não seja apropriado, porque é ano eleitoral, mas logo após devemos lutar para fazer uma reforma partidária profunda e que possa valer para mudar esse sistema de “fulanização” da política.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - V. Exª fez uma imagem muito feliz, quando disse que a verticalização, se é que pretendeu melhorar o sistema eleitoral partidário, cometeu o equívoco de pensar que poderia melhorar a estrutura de uma casa começando por alterar o seu telhado.
De mais a mais, a verticalização produziu um efeito contrário, porque reduziu o pluralismo. A democracia é, por essência, um sistema que se apóia na diversidade de opiniões, de palavras, de votos. Com a verticalização, reduziu-se e se reduzirá, e muito, o pluralismo, que não é outra coisa senão uma das características essenciais de uma verdadeira democracia.
Robert Dahl, que tem um livro muito interessante sobre poliarquia, certa feita num debate com um especialista italiano sobre o tema, fez questão de afirmar que, quando concebeu aquelas suas idéias sobre poliarquia, queria justamente dizer que, ela, reforça o pluralismo, que é essencial à vida democrática.
Na medida em que a verticalização condiciona os Estados a se submeterem ao paradigma nacional, isso naturalmente retira a possibilidade de que os entes federativos se componham de acordo com a realidade de cada Estado, porque, em cada Estado, em cada circunscrição, há um tipo de visão dos seus problemas e de como resolvê-los. Isso foi o que vimos em 2002, cujos efeitos foram danosos: muitos partidos importantes não puderam ter candidatos à Presidência da República porque, se os tivessem, certamente isso iria acarretar a quebra de coligações feitas pelos partidos nos respectivos Estados.
O único argumento que se levanta em defesa da verticalização é que isso poderia fortalecer os partidos. Mas só aconteceria se já tivéssemos no País verdadeiros partidos. Precisamos construir os partidos. É lógico que o quadro já foi pior.
Então, precisamos estabelecer verdadeiros partidos, mas não é por esse caminho. Nós sabemos por onde é, e sabemos que não é por aí.
Farei outro tipo de raciocínio, por hipótese. Tramita na Câmara dos Deputados proposta de emenda constitucional que busca estabelecer eleições gerais, ou seja, eleições presidenciais concomitantemente com as eleições dos Estados e Municípios: eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Distrital, no caso de Brasília, Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.
Certo dia, o Deputado Afonso Camargo me procurou para que eu comparecesse a Comissão da Câmara para dar um depoimento sobre essa questão. Na ocasião, ocorreu-me o seguinte raciocínio: se acontecer a aprovação de uma das emendas que tramitam na Câmara - pelo menos, duas ou três - nessa direção, haverá um fato paradoxal.
Citarei o Município de Guaribas, que foi considerado o mais pobre município do Piauí. O voto para a eleição de um vereador de Guaribas estaria condicionada à coligação estabelecida para Presidente da República. Em outras palavras, significaria retirar do eleitor, do cidadão, a possibilidade de opinar sobre os assuntos da sua cidade.
Sr. Presidente, a aprovação dessa proposta foi muito importante. Como lembrou o Senador Mozarildo Cavalcanti, acredito que agora devamos pensar em retomar o debate da reforma política. É certo que não agora. Se não agora, quando? Assim que se instalar a próxima legislatura. Estamos cumprindo a quarta sessão legislativa desta legislatura. No primeiro domingo de outubro, teremos eleições para a nova legislatura. Será o momento de pensarmos na reforma política, porque, quando se inicia uma legislatura, ainda distante de outra eleição, há condições para que, possamos pensar em regras que venham a melhorar o nosso desempenho político-institucional. Mudar as regras do jogo em ano de eleição é sempre perigoso, porque corremos o risco de isso resvalar em um casuísmo que em nada contribui para o fortalecimento das nossas instituições. Se começarmos a discutir o tema tão logo a legislatura de 2007 se instale, certamente daremos ao País um bom projeto, que ofereça melhores condições de governabilidade.
Não quero reduzir as chamadas reformas político-institucionais - friso mais uma vez - à questão eleitoral-partidária. Nós temos de alterar o sistema eleitoral, é verdade, e também de avançar no campo de medidas de fortalecimento dos partidos políticos - já mencionei algumas dessas mudanças - e também no sentido do aperfeiçoamento do sistema de governo que praticamos. Isso envolve uma análise de como remover zonas cinzentas que ainda afetam o desempenho entre os três Poderes da República, que são independentes, mas devem ser harmônicos. Devemos considerar como aprimorar o funcionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário há muito que fazer nesse campo.
E precisamos olhar com cuidado a questão federativa porque noto que a Federação, no Brasil, é uma planta que ainda não tem raízes profundas. Enfim, tivemos tempos de fortalecimento federativo e tivemos tempos estes mais longos de contração das decisões no plano federal. Muitos e muitos episódios da história poderiam levar a confirmar o que estou dizendo. Enfim, a Federação, no Brasil, ainda é débil, extremamente débil. Isso, a meu ver, é algo totalmente na contramão da nossa história, ou seja, do desejo daqueles que tanto concorreram, no Império e na República, para que nós fôssemos uma verdadeira federação.
Certa feita, Campos Salles, que foi um dos grandes Presidentes da República do Brasil, logo no começo do período republicano, disse uma frase lapidar: “O que querem os Estados quer a União”. Com isso poderia dizer o seguinte: o que quer a sociedade em sua diversidade, em suas disparidades econômico-sociais, deve querer a União porque ela deve buscar realizar aquilo que os entes federativos desejam. E a Constituição de 88 avançou na sua definição do Estado Federal ao admitir também como entes federativos os Municípios, que, antes da Constituição de 1988 - e vou tomar a Constituição de 1988 como o marco da questão -, se constituíam em circunscrições político-administrativas nos respectivos estados. A Constituição de 1988 ousou ao reconhecer também os municípios como entes federativos e, de alguma forma, com alguma razão: porque a vida começa na cidade, no município. É muito comum se repetir aqui e alhures que a vida é um assunto local. Fortalecendo a Federação, estaremos criando condições para um desenvolvimento mais orgânico, mais homogêneo do nosso país e propiciando condições de melhorar a governabilidade que pode ser definida como a capacidade de resposta que as instituições possam dar às demandas da sociedade.
No Brasil, sempre se diz que as aspirações do eleitor não se convertem em realidade porque temos um déficit de governação, para usar expressão dos portugueses. Não temos instituições que sejam capazes, - ainda, e infelizmente -, embora tenhamos avançado, de dar respostas à demanda da sociedade. Verificamos de forma muito clara, quando termina a eleição, e o novo governo assume que geralmente as promessas de campanha não se convertem em ação de governo. V. Exª, Senador Álvaro Dias, há pouco, fez um discurso, em que situava essa questão. Mas, Sr. Presidente, a reforma política não pára aí, porque, além da questão federativa, temos que enfrentar a questão republicana. Não me refiro à República como forma de Governo, mas à República definida por Cícero, como res publica, “coisa pública”, o que tem muito a ver com cidadania, isto é, com o revigoramento dos valores republicanos.
Não foi por outra razão que, certa feita, o ilustre Senador e ex-Ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, disse com muita propriedade: “É necessário republicanizar a República”. Parece que os ideais republicanos ainda não foram totalmente consolidados em nosso País, e a crise que estamos vivendo neste momento é um pouco reflexo disso, é preciso restaurar a noção de República não como forma de Governo naquela tipologia clássica dos constitucionalistas, mas República no sentido ciceroniano de vê-la como bem comum, como cidadania, como objetivo a dispor a todos a plena participação na vida social e a certeza de que os bens e recursos públicos serão geridos de forma ética.
Sr. Presidente gostaria também de dizer que, durante a convocação extraordinária, foram aprovadas, além de emendas constitucionais, outras proposições. Acredito que o debate prossegue agora nesta nova sessão legislativa e faço votos para que continuemos a progredir. E mais, que possamos iniciar a partir deste ano de 2006, que será decisivo para o País, um grande esforço com relação à pedagogia do voto. Precisamos, insisto nesse campo, cada vez mais trabalhar a cidadania. O povo brasileiro é muito politizado, muito atento, mas precisamos trabalhar cada vez mais a sociedade no sentido de refletir sobre o sentido do voto. Diz-se com muita freqüência que o voto é a grande arma, o grande instrumento do cidadão, e esse instrumento não pode deixar de merecer uma grande reflexão por parte de todos que vão às urnas. Precisamos começar, a partir de agora, a meu ver, um grande debate, como tem feito o nosso partido, o PFL, sobre a questão, pois haverá este ano não somente eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, mas também renovação de um terço do Senado, da totalidade da Câmara Federal, dos Governadores e dos Vice-Governadores dos Estados e da totalidade das Assembléias Legislativas, envolvendo também a Câmara Legislativa do Distrito Federal. Tudo isso faz com que classifiquemos as eleições deste ano praticamente como eleições gerais, porque, salvo as eleições no plano municipal, todas as demais funções eletivas estarão submetidas ao julgamento popular.
Sr. Presidente, encerro, portanto, minhas palavras, dizendo que a convocação extraordinária talvez não tenha sido aquilo que dela esperávamos, mas, todavia produziu seus resultados. É conveniente que muitas matérias discutidas e votadas durante a convocação extraordinária tenham a sua tramitação concluída durante esse novo período que se iniciou no dia 15 de fevereiro, há dois dias, e que representa algo muito importante para o País, porque, nesta sessão legislativa, estaremos completando 180 anos da existência do Poder Legislativo brasileiro.
Como se sabe, depois da Independência, começamos a eleger os representantes para o Poder Legislativo. É lógico que se dirá, com razão, que se instalou antes o que hoje chamaríamos de Câmara dos Deputados, mas ela foi dissolvida pelo Imperador. O Senado Federal somente apareceu em 1826. De toda maneira não podemos deixar de destacar o fato de o Poder Legislativo brasileiro estar completando 160 anos de existência sob a forma bicameral. Ou seja, uma Câmara dos Deputados, a representação popular, a representação do povo, e um Senado Federal, que, na República, se converteu em câmara eletiva. No Império, os membros do Senado eram nomeados pelo Imperador, eram vitalícios. Com a República, o Senado passou a ser uma Casa eletiva e federativa, posto que é constituído por três representantes de cada um dos Estados da Federação brasileira; independentemente de sua dimensão geográfica ou do número de sua população, todos os Estados têm o mesmo número de representantes.
Assim, o Senado da República converteu-se, sobretudo a partir da Constituição de 1891, na Casa da Federação. É fundamental que reflitamos sobre esses 160 anos do Legislativo brasileiro, de modo particular, no caso do Senado, sobre o seu papel enquanto Casa da Federação e, por que não dizer também, Casa da política externa, já que o Senado dispõe de uma série de atribuições privativas no que diz respeito à formulação e execução da política externa brasileira.
Agradeço a V. Exª a concessão da palavra.