Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta de criação de um gasoduto que integrará Venezuela, Argentina e Brasil.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre a proposta de criação de um gasoduto que integrará Venezuela, Argentina e Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/2006 - Página 6726
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, ORADOR, FORNECIMENTO, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, UNIÃO EUROPEIA, ESPECIFICAÇÃO, DEPENDENCIA, PAIS, EUROPA.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, CONSTRUÇÃO, GASODUTO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, OBRA PUBLICA, TERRITORIO, VENEZUELA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem obtido grande repercussão a ambiciosa meta de se interligar Venezuela, Brasil e Argentina por um só gasoduto, cortando regiões imensas. Estima-se que esse gasoduto, ainda sob estudos preliminares, percorreria 10 mil quilômetros a um custo aproximado de US$ 17 a 25 bilhões. Adentraria, além da Amazônia, florestas, outros núcleos de matas densas, plantações, pastos, periferia de vilas e cidades dos citados Países. O ambicionado gás teria como ponto original a Venezuela, cujo atual Presidente, Hugo Chávez, é um entusiasta dessa grandiosa idéia.

Creio ser oportuno movimentarem-se os debates e aconselhamentos em torno dessa pretendida iniciativa.

Falo isso, Sr. Presidente, em função das lições que nos vêm do passado, relativamente aos acordos de fornecimento em grande escala de gás da então União Soviética para os Países da Comunidade Econômica Européia, hoje União Européia, através de gasoduto. Isso ocorreu há cerca de 25 anos.

A tais acontecimentos, seguiram-se o esfacelamento da União Soviética e a libertação do seu jugo das Nações que se conglomeravam na sua órbita, muitas das quais acabaram por se compor com a União Européia, juntando-se aos interesses comuns das potências ocidentais.

Extinta a União Soviética, ficou com a Rússia, País de origem do gás, a herança do contrato de fornecimento, criando-se a partir daí uma nova situação com seus novos e imensos problemas.

Análise recente da GL Consultoria, comandada por Getúlio Lamartine de Paula Fonseca, expõe os fatos com grande perspicácia. Lembra que os antigos componentes da União Soviética, hoje na União Européia, estão em um grau de dependência assustadoramente grande para importação do gás russo, que recebem por gasoduto.

Ainda recentemente, no final de 2005, viu-se o desentendimento sobre preço entre a Rússia e a Ucrânia (dependente 100% do gás russo), que afetou o fornecimento não somente da Ucrânia, mas para toda a comunidade européia. Acusou-se a Ucrânia de roubar o gás destinado à Europa Ocidental, razão por que a Rússia limitou as remessas para todos. Ocorreu, pois, uma óbvia retaliação do fornecedor contra um dos seus conveniados, repercutindo sobre os demais.

É claro que se deve entender que a Rússia, determinada a exportar o seu gás para a União Européia, não desejava que ele fosse interrompido a meio caminho, ou seja, pela Ucrânia. Daí, seguramente, ter tomado as precauções que tomou, exatamente para prevenir a entrega do gás contratado a todos os Países da União Européia.

Uma nova medida atingiu a Geórgia muito recentemente sob a suspeita alegação de que ocorrera um rompimento de tubulação no gasoduto. O fato é que o País ficou sem gás, exato quando adotara a postura hostil.

Pelos dados de 2004, constata-se que é muito elevada a importação de gás da Rússia pelos países da Comunidade Européia ou que ainda negociam sua entrada nessa mesma União. Em bilhões de metros cúbicos, a Bélgica importa 0,2; a Suíça, 0,3; Grécia, 2,2; Holanda, 2,7; Bulgária, 3,0; Romênia, 4,1; Finlândia, 5,0. E, em maior volume: Áustria 6, 0 bilhões de metros cúbicos; e assim por diante.

Em termos percentuais, a União Européia importa da Rússia 25% do gás que utiliza. Desse volume, a Alemanha fica com 44%; Itália: 31%; França: 24%.

Os demais principais dependentes do gás russo importado, citados pela GL Consultoria:

Estônia: 100%; Letônia: 100%; Lituânia: 100%; Hungria: 81%; República Checa: 74%; Eslováquia: 73%; Polônia: 62%; Áustria: 60%; e Eslovênia: 60%.

Sr. Presidente, desde logo verifica-se que, embora a Rússia possa estar fazendo um bom negócio com a exportação do seu gás, deve-se admitir que esses países que são atendidos comercialmente pela Rússia estão, por igual, se beneficiando. Não fosse esse fornecimento, seguramente estariam em extremas dificuldades pela falta de fornecedores.

O Brasil ainda está na atalaia em relação a nossa estimativa de recebimento de gás da Bolívia, em face das declarações públicas do novo Presidente Evo Morales. Somente no correr dos meses ou das semanas vamos saber até onde será utilizado o gasoduto (ou os empreendimentos bolivianos da Petrobras) que interliga nossos dois Países como instrumento desfavorável aos interesses brasileiros. Depositamos nesse gasoduto Bolívia-Brasil - 3.150 km de extensão ao custo final de US$ 2 bilhões - as maiores esperanças. Até 2007, a previsão é a de que transportará diariamente 30 milhões de metros cúbicos de gás natural, possibilitando novas usinas termelétricas em diversas localidades. São Paulo deverá absorver metade da capacidade total desse gasoduto.

Esse o espírito com que assinamos o contrato de fornecimento com a Bolívia pelo prazo de 20 anos, sem qualquer desconfiança de que seus termos poderiam um dia ser erodidos.

Ora, planejar-se agora a interligação com a Venezuela por um só gasoduto, cortando regiões imensas onde não há demanda, não me parece um procedimento logístico e geopolítico razoável. Seria repetir o risco Bolívia, ampliando a nossa dependência sem salvaguardas políticas adequadas.

Com as fabulosas riquezas naturais com que o destino aquinhoou o Brasil, oferecendo-nos dimensões econômicas que prevalecem na América do Sul, parece desnecessário que criemos situações que ameacem constrangimentos futuros. Os estudos de que dispomos são auspiciosos em relação ao petróleo e, igualmente, em relação ao gás natural. A Petrobras, presentemente, investe forte para explorar o gás da bacia de Santos. Nossas reservas, provadas, são de 225,9 bilhões de metros cúbicos de gás natural e poderão se avantajar, como ocorreu com o petróleo. Talvez devamos dar prioridade a essas pesquisas, para melhorar aproveitamento do gás, como têm opinado qualificados economistas.

Daí por que, Sr. Presidente, eu conclamei no início deste pronunciamento que precisávamos abrir os debates em torno do assunto. Ouvir especialistas e técnicos das entidades públicas e privadas, a fim de que o Congresso, quando lhe forem submetidas as proposições relativas ao tema, esteja em condições de decidir sob as inspirações do melhor interesse público.

Sr. Presidente, a mim me parece que muito melhor seria que aplicássemos tão vastos recursos, como esses que se programam para a Venezuela, em pesquisa no Brasil, a fim de que pudéssemos ter nós mesmos o nosso gás, sem essa dependência tão grande que se aproxima em relação à Venezuela e à Bolívia.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/2006 - Página 6726