Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ausência em Plenário de Senadores da base governista, que poderiam comentar as acusações e denúncias contra a administração do Presidente Lula. Críticas à política econômica e ética do atual Governo.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Ausência em Plenário de Senadores da base governista, que poderiam comentar as acusações e denúncias contra a administração do Presidente Lula. Críticas à política econômica e ética do atual Governo.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/2006 - Página 6750
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, MEMBROS, BANCADA, APOIO, GOVERNO FEDERAL, SESSÃO, SENADO, COMENTARIO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • PROTESTO, INFLUENCIA, LIBERALISMO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, REPUDIO, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, SUPERIORIDADE, LUCRO, BANCOS.
  • COMENTARIO, CONFIANÇA, GOVERNO FEDERAL, IMPUNIDADE, PROVOCAÇÃO, MANUTENÇÃO, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

A SRª HELOÍSA HELENA (PSOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, os dias de sexta-feira e segunda-feira são quase marcados, além da presença dos funcionários, por alguns Senadores que geralmente já ficam na segunda e sexta. A maioria acaba ou não cumprindo suas obrigações ou fazendo outras atividades.

Há algo que me impressiona muito, principalmente nesse momento atual. Já são mais de doze horas, a sessão iniciou-se às nove horas, e vários Senadores fazem críticas contundentes ao Governo. O Governo tem maioria, circunstancial, provisória ou não, mas há muitos Senadores na base de bajulação ou na base de sustentação, e ninguém vem aqui para fazer nenhuma contestação às opiniões ou acusações ou comentários ou pronunciamentos feitos por Parlamentares da Oposição. Fico absolutamente surpresa com isso.

Tenho dito várias vezes aqui que o Presidente Lula tem todo o direito de ser reeleito, que o povo brasileiro tem todo o direito de reeleger o Presidente Lula, se quiser. Às vezes, até brinco e digo: se o povo brasileiro quiser pode até solicitar a convocação de um plebiscito para transformar o sistema em monarquia, para transformar o Lula em rei - tem todo o direito de fazer essas coisas. Mas há algo que cada vez mais tem me deixado num misto de indignação e tristeza: a banalização da delinqüência de luxo do Governo, a banalização de tudo isso que vem ocorrendo.

A banalidade do mal é tema de uma das teses mais belas de uma das mais importantes - talvez a mais importante - filósofas da humanidade, a Hanna Arendt, uma judia. Ela dizia que o que mais a impressionava no julgamento dos responsáveis pelas tentativas de extermínio do povo judeu eram os depoimentos dos comandantes, dos generais que comandavam aquelas operações de tortura, de extermínio, as atitudes absolutamente racistas. Ela ficava impressionada.

É isso realmente que me impressiona. Penso que ninguém é dono da verdade absoluta. Uma das coisas mais belas que sempre identifiquei no mundo da ciência, das lutas sociais, da exploração do universo é justamente a ausência de uma idéia como verdade absoluta, fora os que têm sofrimento mental e, portanto, têm idéia fixa. A verdade absoluta, os donos da verdade absoluta, a história da humanidade se encarrega de ir desmontando todas essas teses. Sabe disso quem de alguma forma gosta de acompanhar a exploração do universo, todas essas coisas maravilhosas do mundo da ciência, as descobertas maravilhosas do mundo da ciência, sem verdades absolutas. Sempre brinco, lembrando que, desde Galileu, a minha Igreja Católica tem sido, umas vezes, tão maravilhosa, tão representante da história do povo de Deus e, outras vezes, tão submissa, tão subserviente aos governantes de plantão. O próprio Galilei foi condenado, humilhado, encarcerado. Posteriormente, a própria história da ciência o reabilitou, embora a Igreja Católica só o tenha feito em 1992.

Antes de Darwin, não havia a polêmica com relação a criacionismo religioso versus evolucionismo. Teorias tão interessantes foram apresentadas por Darwin! Lembro-me de algo belíssimo, quando, em 1862, ao identificar uma determinada orquídea, a Angraecum, que possui uma estrutura grande, Darwin, mesmo sem nenhuma prova concreta, disse que seria impossível a polinização e, conseqüentemente, a reprodução dessa orquídea, se não existisse um inseto que possuísse uma tromba de mais de 30cm para buscar o néctar no tubo da flor. Quando disse isso, todos se escandalizaram. Eu não me lembro, mas cerca de 50 anos depois, descobriram uma borboleta, melhor dizendo, uma mariposa, que, como todas de sua espécie, tem hábitos noturnos, e jamais poderia ser identificada por Darwin, que fazia suas pesquisas durante o dia. Após encontrarem aquela mariposa, a Esfinge de Morgan, descobriram que a polinização daquele tipo de orquídea só acontecia porque a mariposa possuía uma espirotromba com mais de 36cm. Portanto, buscava o néctar, alimentava-se e polinizava.

Há tantas outras teses maravilhosas! O próprio Einstein, sem dúvida, causou as duas maiores revoluções no mundo da ciência, com a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica. Após Galileu e Newton, certamente são as duas grandes revoluções no mundo da ciência. Einstein também errou, também tentou buscar uma teoria final, e não conseguiu. Assumiu erros perante os grandes cientistas, embora fosse considerado a maior expressão. Assumiu erros porque tentava consolidar a tese do chamado universo estático. Assumiu erros que haviam sido cometidos. Quem não se lembra das maravilhas que vão dos átomos aprisionados ao chamado campo gravitacional em torno dos corpos em movimento? Quem não se lembra de todas as coisas maravilhosas do mundo da ciência, da exploração do universo, da natureza? É muito mais interessante a exploração do mundo da ciência do que determinadas regras e toda a polêmica que às vezes tem lugar no Brasil.

Quem não se lembra do resultado do Conselho de Educação de Kansas, um dos Estados americanos? Eu respeito os que se apegam à tese do criacionismo religioso, mas considero uma bobagem, até porque o evolucionismo para mim é algo maravilhoso. É muito mais belo acreditar que Deus tenha possibilitado que a sua criação evolua para continuar sobrevivendo do que acreditar na tese de Adão e Eva, embora eu, como feminista, prefira ouvir dizer - é bonitinho - que Deus criou primeiro Adão, para experimentar, observou os defeitos, e criou Eva, que é a sua obra-prima maravilhosa, que somos nós mulheres.

Mas todos esses fatos do mundo da ciência ou da economia ou do pensamento possibilitam os debates programáticos, ideologizados. Tudo está muito bem, é maravilhoso que aconteça. Algo, porém, me faz quase repetir o poema “Cansaço”, de Fernando Pessoa: é a banalização da vigarice política do Governo Lula. Para mim, não tem problema, repito, o povo brasileiro pode eleger o Presidente Lula, reeleger, solicitar um plebiscito para voltar a monarquia, elegê-lo rei. Não há problema, não se trata disso. O que para mim é muito grave é toda a estrutura de corrupção do atual Governo. Repito: eu atacava a corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso. Tudo o que eu disse em relação ao que eu pensava dos crimes contra a administração pública patrocinados no processo de privatização do Governo anterior, creio que existiu. Infelizmente, o Governo Lula deu um atestado de imoralidade ao Governo Fernando Henrique, e hoje busca o passado para justificar o seu presente de corrupção.

Para mim, é escandalosa - ontem, falei sobre isso - toda a estrutura de corrupção montada pela apropriação do aparato público, o luxo do lixo, quer seja em relação à comilança e à bebedeira com o dinheiro público dentro do Palácio do Planalto quer sejam as orgias sexuais patrocinadas com dinheiro público roubado por petistas e outros da base de bajulação do Governo Lula, o enriquecimento do filho, essas coisas todas. Considerar isso natural é um escândalo. Identificar com naturalidade a apropriação do patrimônio público, do dinheiro público, da máquina pública para fazer campanha eleitoral é realmente escandaloso. Somente com a manipulação de bons corações e mentes dos pobres brasileiros. Porque, hoje, o Governo Lula faz o mesmo que nós, nordestinos, condenávamos com veemência, quando os caciques, a oligarquia regional, usava a cesta básica para manipular a pobreza. Trata-se da mesma manipulação da pobreza, da apropriação da fome e da miséria das populações pobres brasileiras com as cestas, com programas como o Bolsa-Família e outras coisas mais. É a banalização da utilização da máquina pública.

É claro que a reeleição imoral e absolutamente insustentável juridicamente foi criada pelo Governo Fernando Henrique. Mas o Governo Lula faz as mesmas coisas de forma piorada e traiçoeira, utilizando a máquina pública de forma desavergonhada. É por isso que, às vezes, algumas pessoas dizem: “Ah, mas o Lula está crescendo nas pesquisas”. É absolutamente natural. Imagino que vai crescer mais ainda, porque terá até o dia 1º de julho para inaugurar obras, fazer comícios, utilizar a máquina pública, fazer publicidade oficial. Durante todo o mês de março, todo o mês de abril, todo o mês de maio e todo o mês de junho estará se apropriando da máquina pública, do dinheiro público, para fazer a velha e conhecida demagogia eleitoralista, a delinqüência de luxo.

Os Senadores Arthur Virgílio, José Agripino e vários outros Senadores já mencionaram a forma de como o Presidente Lula fala sobre o PIB; de como o Presidente Lula considera o caso absolutamente normal. É estranho o Presidente considerar normal que o Governo patrocine três anos de arrocho fiscal na construção do superávit às custas de uma brutal e avassaladora transferência de renda do favelado, do assalariado, do setor produtivo, para os gigolôs do capital financeiro. Vê com naturalidade a oscilação da política de arrocho fiscal para a política da libertinagem financeira com caráter eleitoreiro de manipulação dos corações dos pobres para fazer campanha eleitoral. Já está anunciando a segunda carta ao povo brasileiro, ou seja, é o discurso aos pobres, a vinculação com o que pior há do banditismo do capital financeiro, o maior lucro dos bancos na história da América Latina. O maior lucro dos bancos, o maior lucro das instituições de capital aberto de toda a história da América Latina aconteceu no Governo Lula. E tudo isso ser visto com naturalidade?! Realmente, fica muito difícil.

Tenho dito várias vezes que o povo brasileiro tem todo o direito de reeleger o Presidente Lula; não será com o meu voto, porque eu não estou entre os traidores da classe, entre os que colaboram com a banalização da corrupção, da delinqüência de luxo, da apropriação do espaço público como se fosse uma medíocre caixinha de objetos pessoais que o Presidente vai manipulando conforme seus interesses e dos bandos partidários, das gangues parlamentares. Acho tudo isso muito constrangedor.

Para nós da Esquerda socialista democrática, do que sobrou da Esquerda - sei das posições de V. Exª, Senador Paim -, é pior ainda.

Quando era a Direita ideológica que patrocinava crimes contra a administração pública e corrupção, nós, da Esquerda, bradávamos como se fôssemos o santuário dos ungidos da ética e da revolução socialista e condenávamos com veemência. Agora, quando é um filho do povo, um retirante nordestino, aquele que ajudou a fazer o maior Partido de Esquerda da América Latina, que hoje não é mais... O PT, para quem é honesto intelectualmente, não é mais um Partido de Esquerda, mas uma ferramenta da propaganda triunfalista do neoliberalismo. Faz o que gangues partidárias nem tiveram a ousadia de fazer, paralisam os movimentos sociais. É uma coisa impressionante! Por isso, tem chance de ganhar, porque nada melhor para a grande estrutura do capital financeiro nacional e internacional que um Presidente que amordaça os movimentos sociais, que liquida a resistência dos movimentos sociais, que faz do que era o maior Partido de Esquerda a ferramenta medíocre da propaganda triunfalista do neoliberalismo, que obriga quem resistiu na Esquerda a atravessar, a fazer a travessia - outra travessia no deserto - para disputar, no imaginário popular, alternativas ao pensamento único. Tudo o que passamos anos de nossas vidas falando, do controle de capitais ao aumento dos gastos públicos naquilo que dinamiza a economia local, que gera emprego, que gera renda, que garante políticas sociais; o alongamento do perfil da dívida pública interna, da dívida pública brasileira, para potencializar os investimentos nos Estados e Municípios; tudo o que passamos a vida falando, três anos de Governo Lula tiveram a primazia de aniquilar.

Então, é um misto de tristeza e indignação. Claro que a tristeza, por mais que exista por estar diante de uma traição de classe, de uma traição a todas as concepções acumuladas pela Esquerda socialista e democrática, que corajosamente ousou enfrentar o pensamento único, toda essa tristeza diante da traição não me levará jamais a ser parte do balcão de negócios sujos e da promiscuidade Congresso Nacional e Palácio do Planalto, ou de me desencorajar a continuar defendendo as teses em que continuo acreditando, porque não creio no fatalismo do fim da história, segundo o qual só há uma única alternativa para a política econômica: a inserção do Brasil na globalização capitalista. Não acredito em fatalismo do fim da história, de que só há essa única opção de política econômica.

Quanto à ética, não vou nem entrar na polêmica histórica da Esquerda sobre a ética do capital, a ética do trabalho, se existe ou não uma universalidade no campo da ética. Mas, nem aquilo que D. Pedro Casaldaglia dizia que era ética na política, como vergonha na cara e amor no coração, o Governo Lula consegue viabilizar, porque é toda uma máquina engenhosa, desqualificada de corrupção, que vai desde a utilização dos fundos de pensão por importantes conselheiros para patrocinar o enriquecimento em 15 milhões do filho do Presidente Lula à utilização dos fundos de pensão para viabilizar operações nas instituições de crédito para montar a farsa dos empréstimos para o PT e demais outras gangues partidárias da base de bajulação, às fraudes nos processos de instruções dos editais de licitação, todo o conluio, remessa de dólar para o exterior, vindo sabe-se lá de quem. Então, tudo isso provoca um misto de tristeza e de indignação muito grande que não nos paralisará jamais. Mas, sem dúvida, a identificação desse quadro deixa absolutamente claro as tarefas gigantescas, difíceis, que o sobrou da Esquerda socialista e democrática no Brasil terá que enfrentar, certamente, por longos anos.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senadora Heloísa Helena, devo dizer, do fundo do coração mesmo, e não se trata meramente de eu ter constituído uma amizade pessoal que julgo sólida, da admiração política que tenho por V. Exª, apesar das distâncias ideológicas a nos separarem. Ainda há pouco, antes de a sessão ter início, eu dizia a V. Exª que V. Exª se jogou numa luta, e com tanta crença, para realizar um partido, sabendo eu e V. Exª que não é fácil. O P-SOL estreando, obter 5% dos votos no País e 2% em nove Estados, será uma proeza. Eu perguntava: e se não der? E V. Exª que está à frente nas pesquisas para o Senado na sua terra, que seria uma candidatura competitiva para o Governo, que se elegeria deputada federal não só em Alagoas, mas em qualquer Estado do País, dispõe-se a candidatar-se à Presidência da República movida pelo desejo de construir um partido e em cima da sua coerência, com idéias nas quais crê e nas quais acredita. Julgo isso admirável e por aí passa muito do seu sofrimento ao ver todo esse desvirtuamento que o PT tem experimentado e que o Presidente Lula pessoalmente tem experimentado também. Senadora Heloísa Helena, digo que V. Exª parece ter traduzido isso bem. V. Exª diz que, se o povo quiser, elegerá o Presidente Lula. Digo com a mesma naturalidade com que diz V. Exª: se o povo quiser, elege o Presidente Lula. Claro. Qual o problema? Torço para que não. Imagino que, na hora própria, não se vai considerar essa oportunidade, mas, se se quiser considerar, aceitarei o resultado como democrata que sou. Quem não aceita o inverso é o Presidente Lula, que está infringindo a legislação eleitoral por todos os meios que estão ao alcance dele e tomando as atitudes mais danosas ao futuro do País. Tudo é propaganda, tudo é brincadeira. É vontade de deseducar o povo. Está aí a Petrobras; a auto-suficiência virá. O Duda Mendonça à frente. O Presidente se porta como uma espécie de rei momo. Ele é um carnavalesco. Tudo é bobagem, tudo é desrespeito à memória histórica do povo. Fiz, aconteci, nunca antes, não sei o quê. Outro dia fizemos uma denúncia aqui. Recebi a denúncia de uma pessoa. Tenho o Presidente do Instituto Nacionais de Pesquisas Espaciais - Inpe como uma pessoa séria. Recebi um recado dele, por quem não tenho desapreço. Mas é necessária a parafernália da teleconferência com astronauta, uma viagem que tem que ser analisada por nós com seriedade? Ou seja, vai trazer efetiva contribuição essa viagem do astronauta para a ciência brasileira? Há quem diga que sim; há quem diga que não, que não é o melhor, que não vai ter grandes resultados. Mas o Presidente Lula está pouco preocupado com a ciência. Está preocupado em conversar com astronauta para depois dizer despudoradamente: “nunca antes neste País um Presidente conversou com astronauta no espaço sideral. Era preciso que um metalúrgico se elegesse Presidente para um Presidente da República poder conversar com astronauta...” Não ocorreu a ele fazer a viagem pelo astronauta, mas, sem dúvida alguma, isso é cansativo. O Presidente deprecia diariamente a majestade desse cargo. Não tem uma atitude que não seja de deliberada propaganda. Não tem nada que seja gratuito. Tudo visa a enganar alguém. Havia um político no Amazonas, figura muito inteligente, que não foi para frente porque era conhecido pela sua capacidade de não cumprir compromissos. Uma vez perguntei ao meu pai: papai, fulano se elege até quando? Meu filho, enquanto tiver um setor para ele enganar, ele vai indo. Se tiver um setor, ele vai. Até que um dia esgotaram-se os setores, ele foi para uma eleição e perdeu. Os setores se esgotaram. Essa intenção deliberada de engodar, de embair, de enganar, de mistificar causa em V. Exª uma dor dupla. A mim me causa uma enorme inquietação. Tenho medo dessa gente. Digo a V. Exª do fundo do coração: tenho medo dessa gente, do que eles demonstraram de capacidade de delinqüir, de capacidade de mentir. Não passava pela minha cabeça que o Presidente Lula iria responder a esta crise ética como o fez, ou seja, sem responder. Senadora Heloísa Helena, V. Exª deve se lembrar de que fui àquela tribuna, no primeiro dia da denúncia de Roberto Jefferson, dizer: “Presidente, limpe seu partido, limpe seu Governo e conte comigo para ajudar no processo de governabilidade”. Depois começaram as tergiversações, aquelas conversas de “João sem braço”, aquelas questões mal explicadas. O Presidente Lula é um homem que a mim me causou muita decepção - deve ter-lhe causado uma decepção ainda maior até porque V. Exª fez tudo para estar lealmente com ele. Lembro-me que, quando aqui cheguei, nos primeiros dias, V. Exª se portava com a combatividade que é sua marca, como alguém muito vigilante, como se fosse - e era naquela altura - do seu dever enfrentar a nós outros que vínhamos fazer oposição a um Governo que V. Exª tinha ajudado a eleger. Nada mais natural; nada mais justo. O Governo perdeu não só a crença de V. Exª; ao perder V. Exª, ficou sem a liderança mais competente para nos enfrentar, mais capaz de fazer contraponto ao que dizemos. Não que não haja pessoa de valor, mas penso que V. Exª se excede na competência parlamentar, na capacidade de dizer as coisas e de se fazer bem compreendida por pessoas de qualquer segmento que a estejam ouvindo. Compreendo muito isso. Entendo que o nosso trabalho deve ser o de esclarecer ponto a ponto. Vamos enfrentar, por exemplo, a enxurrada de propaganda que vem aí, a auto-suficiência em petróleo. O Presidente Lula pensa que o povo brasileiro é idiota; pensa que o povo brasileiro é composto de pessoas de sanidade mental duvidosa. Mas lá vem a enxurrada de propaganda, e nós temos que responder com os meios que estão ao nosso alcance: esclarecer. Eu pretendo fazer um discurso sobre petróleo, trazendo para esta Casa o debate sobre petróleo, pedindo um pouco de pudor às Lideranças do Governo, pudor. Ou seja, não digam isto, não insistam com essa história de que a auto-suficiência se deve a Lula, porque eu não acredito mais em nada. Mentiu para mim; quer que eu acredite no resto? Como? Se estão, deliberadamente, gastando dinheiro, deliberadamente, mentindo. Eu não acredito mais em nada. Portanto, eu entendo que é um dever combater este Governo e, claro, aceitar o veredicto popular. Quem não aceita é o Presidente Lula, que faz tudo para não se parecer com o Governo, faz tudo para não se parecer com o PT, faz tudo para não se misturar com ele próprio. Ele declara que ele não tem nada a ver com o Governo dele próprio; ele diz isso a cada momento. Fila em Jaboatão? Problema no Bolsa-Família? Não tem nada com ele. Não. Com ele, é só o aumento do número de famílias, auto-suficiência em petróleo, ainda que passando por cima dos seus antecessores, negando o processo histórico brasileiro. Uma coisa feia. O Presidente Lula deveria ter vergonha disso. É feio. Então, qualquer dia ele estava no Ipiranga e declarou a independência do Brasil, às margens do Ipiranga? Foi ele e não Dom Pedro; ele quem declarou a independência ou morte; ele quem proclamou a República; ele foi o estadista do Império, como Joaquim Nabuco. Ou seja, é feio isso. Está deseducando as pessoas. As pessoas que o ouvem, elas estão ou se revoltando, como muita gente demonstra, ou estão se deixando iludir. Porque a propaganda maciça é dura. Mas eu queria aproveitar a oportunidade para dizer do apreço pessoal que tenho por V. Exª e da admiração. Não preciso concordar com suas idéias sobre economia para conviver com V. Exª no dia-a-dia, perceber o seu lado humano tão forte, tão significativo na composição do total da sua personalidade. Ao mesmo tempo, essa sua teimosia santa. V. Exª está fazendo o que pouca gente é capaz de fazer: abrir mão de um mandato certo, de uma sobrevivência política de curto prazo mais do que certa por um sonho que não é bem o da Presidência, mas o sonho de firmar um partido que substitua o PT, em que V. Exª acreditava. Isso é para pouca gente. Isso me faz saber que nossas diferenças nos aproximam, não nos separam. V. Exª amanhã é Presidente da República, eu serei oposição a V. Exª. Se eu fosse, V. Exª seria oposição a mim; mas teríamos uma qualidade de diálogo diferente desta que está aí: V. Exª teria ampla capacidade de lidar com decência comigo e eu com V. Exª. É disto, de decência, de aumento da taxa de decência na convivência política com este Governo que temos que buscar. Portanto, eles podem muito bem ser enfrentados por uma frente amplíssima que passa por V. Exª, do seu lado, e passa por mim, do meu lado; mas que no meio tem muita gente. Este Governo é deplorável mesmo, este Governo me causa a sensação de medo, de temor; ele que causa em V. Exª toda essa sensação de repulsa pelo que V. Exª já viveu ao lado de dirigentes que se desmentem tão cabalmente todos os dias. A minha sensação é de medo; tenho medo deles, sinceramente. Já vi de tudo, já ouvi de tudo e percebo que eles só não rasgam a Constituição de uma vez porque não podem. Mas a vontade é esta: não obedecer a lei brasileira nenhuma. A vontade é estabelecer um código deles e se guiarem pelos códigos deles, por uma “ética” - entre aspas - bem deles, totalmente deles, e nada a ver com o acúmulo civilizatório da Nação brasileira. Mas meus parabéns a V. Exª por essa luta, por essa bravura e pelo que V. Exª tem significado para o País e, também, para nós, que a admiramos. Não precisamos de concordância com V. Exª para estimá-la, para respeitá-la, e não é aquela velha história de que é minha amiga pessoal; não é isso, não, é a pessoa pública que V. Exª é, admirável.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço de coração a V. Exª, Senador Arthur Virgílio, absolutamente generoso com as palavras. Isso, Senadora Lúcia Vânia, é porque meu filho gosta dele e de sua esposa. Fico tentando inverter, mas não tenho condição de fazê-lo. Claro que se eu quisesse inverter mesmo, eu conseguiria, mas não é esse o caso.

Então quero agradecer a generosidade das palavras de V. Exª e mais uma vez repetir: Senadora Lúcia Vânia, quando fui Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique, a oposição contundente que fazíamos, que era classificada como rancorosa, agressiva, sectária, arrogante, tinha pela disputa ideológica e programática um certo prazer, porque havia algo de prazeroso em se fazer a grande disputa ideológica, programática, eram duas visões de mundo que se confrontavam - e isso dá algo melhor, até para se fazer essa disputa. Mas hoje é uma situação completamente diferente. Não tenho dúvida de que muitos deles são capazes de matar, roubar, liquidar qualquer um que passe pela frente ameaçando a preservação do projeto de poder. Quanto a isso não tenho dúvida, embora saibamos que eles não serão capazes de roubar o que muitos de nós temos de melhor, que é a nossa consciência, a nossa capacidade de luta, a nossa coragem de continuar a lutar por um mundo em que a gente acredita. Mas, Senador Arthur Virgílio, o impacto disso para a esquerda socialista democrática... Volto a dizer, quem é honesto intelectualmente, quem não é parte do banditismo, do balcão de negócio sujo, sabe que lá não é um Governo de esquerda, nem o PT é mais um Partido de esquerda. Com certeza, lá existem socialistas, pessoas honestas, militantes dedicados, mas o partido não é mais; é uma ferramenta do triunfo neoliberal. É um Governo corrupto, serviçal do capital financeiro, como outros que condenamos ao longo da nossa história de vida e se torna pior por caracterizar traição de classe, por caracterizar a traição a tudo que discutimos ao longo da nossa história de vida. Agora, se torna pior ainda no imaginário popular pela representação do Presidente Lula. Não é uma coisa qualquer. Lula é um filho do povo, um retirante nordestino, a maior liderança popular da América Latina. Isso não é uma coisa qualquer, não é uma coisa simples. Respeitamos o passado do Presidente, mas temos a obrigação de dizer que não respeitamos o presente dele. Não é, absolutamente, nada pessoal, embora ele não seja um adversário honesto, corajoso. Não o é. Ele reproduz a velha máxima do “mel na boca e bílis no coração”, abraça-o, com um sorriso, pela frente e o esfaqueia pelas costas. É completamente diferente de outros adversários e inimigos políticos, da direita ou da esquerda, ou do próprio Governo, que olham no seu olho e dizem: “Vou liquidá-la, Heloísa!” E você se prepara, mesmo que esteja com uma caneta e eles com uma Uzi do outro lado, como é o caso do ex-Ministro José Dirceu, e vai para o enfrentamento. Lula não é assim. Não é. É o tipo de adversário do velho estratagema “mel na boca e bílis no coração”. Abraça sorrindo, pela frente, para possibilitar que alguém o esfaqueie covardemente pelas costas. Mas tem uma história de vida belíssima, tem um passado que respeito. Porém, infelizmente, legitimou no imaginário popular que todo político é bandido, que todo político é corrupto. Legitimou no imaginário popular algo que, para mim, pessoalmente, é muito mais doloroso, Senador Arthur Virgílio, porque nasci em uma família pobre. O que a elite, de forma preconceituosa, sempre dizia contra pobre? Que quem nunca comeu mel quando come se lambuza. Sempre estabeleceu esse tipo de máxima para dizer que os despreparados, aqueles que nunca tiveram nada, quando passam a ter se lambuzam. E tudo isso eles acabaram legitimando, assumindo o lixo do luxo, apropriando-se de todas aquelas coisas.

É realmente algo muito triste, mas vamos em frente. Hoje é mais uma sexta-feira com poucos corajosos e resistentes na Casa. E a situação é tão difícil que durante toda a manhã - são 12h54min -, houve denúncias graves de corrupção, denúncias contundentes, e absolutamente ninguém apareceu para fazer a contestação, que seria legítima, necessária, democrática, para defender o Governo. Mas por quê? Porque é tanta a confiança na impunidade, a confiança de que este patrimônio arquitetônico nada mais é, pela sua maioria, do que um anexo medíocre dos interesses do Palácio do Planalto, que não se importam. Como ainda terão pela frente mais quatro meses para todos os dias usar a publicidade oficial, usando o dinheiro público e fazendo propaganda política, realmente não se importam com o significado de questões tão graves de corrupção, de delinqüência de luxo.

            Senadora Lúcia Vânia, são tantas coisas deploráveis e putrefatas que essa gente foi capaz de fazer, que desejo, realmente, que a população brasileira, mais cedo ou mais tarde, tenha consciência e conhecimento de todas elas, das mais putrefatas relacionadas com a corrupção, com os crimes contra a administração pública, a outras que vão além do respeito à dignidade humana. Então, mais cedo ou mais tarde, o povo brasileiro terá a oportunidade de saber.

Agradeço a generosidade de V. Exª, que, como sempre, na Presidência da Casa tem nos auxiliado para, pelo menos, deixá-la funcionando e dar certo ar de que existe democracia representativa no Brasil, fazendo com que esta Casa se desmoralize menos perante a opinião pública, embora, pela participação promíscua, omissa e pusilânime da maioria, até mereça que a sociedade condene com tanta veemência o Parlamento brasileiro por mais que a generalização seja tão cruel, tão perversa com aqueles que não deixam que qualquer governante de plantão ponha uma etiqueta na sua testa dizendo qual é o seu preço. Quero agradecer a generosidade de V. Exª em relação ao tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/2006 - Página 6750