Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Observação sobre uma lacuna que hoje se observa no ordenamento jurídico brasileiro: o único país das nações civilizadas que não tem uma lei que trata dos crimes hediondos. Citação sobre decisão do STF a respeito da questão. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Observação sobre uma lacuna que hoje se observa no ordenamento jurídico brasileiro: o único país das nações civilizadas que não tem uma lei que trata dos crimes hediondos. Citação sobre decisão do STF a respeito da questão. (como Líder)
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Ramez Tebet, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2006 - Página 7100
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCONSTITUCIONALIDADE, ARTIGO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, CUMPRIMENTO, PENA, CRIME HEDIONDO, AUSENCIA, PROGRESSÃO, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, VOTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, IMPUNIDADE, ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, POSTERIORIDADE, DEBATE, LIDER, PRESIDENTE, SENADO, MINISTRO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, INCLUSÃO, CRIME DO COLARINHO BRANCO, CORRUPÇÃO, RELAÇÃO, CRIME HEDIONDO.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SISTEMA PENITENCIARIO, EFEITO, IMPUNIDADE.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna para falar sobre uma lacuna que hoje observamos no ordenamento jurídico brasileiro. O Brasil hoje é o único país das nações civilizadas que não tem uma lei que trata adequadamente os chamados crimes hediondos.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal fulminou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072. A lei previa que os crimes hediondos seriam cumpridos em regime totalmente fechado, que não haveria progressão de regime e que o livramento condicional, aquele que se dá mediante determinadas condições, ocorreria quando cumprido os dois terços da pena. O Supremo Tribunal Federal, portanto, considerou inconstitucional essa medida.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, uma lei tem de trazer, no seu bojo, a chamada progressão. Foi apertado o placar: seis a cinco. Mas não adianta reclamar; o Supremo decidiu. Acabou. Nós temos de fazer uma outra lei tão severa quanto a anterior, prescrevendo apenas que haverá progressão.

            Hoje me veio uma preocupação extraordinária. Eu tive uma reunião com algumas pessoas do Ministério da Justiça, segundo as quais o Governo Lula deverá mandar para o Congresso Nacional, na semana que vem, um projeto de lei com urgência urgentíssima, para que nós possamos votar a nova lei dos crimes hediondos.

            Haverá a previsão da progressão da pena, e qual será, Senador Ramez Tebet, esse período? Para o Governo, o réu primário que cometer crime hediondo terá a progressão com um terço da pena. Isso quer dizer que quem for condenado a 15 anos de reclusão por estupro e for primário terá progressão com cinco anos e, se for reincidente, terá progressão com metade da pena: sete anos e meio.

            Em decorrência disso, eu me reuni hoje com os Líderes do Senado, com o Sr. Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, que me pediram que fizesse um estudo acerca desse problema. Conversei com alguns ministros do Supremo, e o Tribunal não se opõe a que a pena e a progressão sejam rigorosas. O que o Supremo exige é que haja progressão. Não pode haver só o livramento condicional; tem de haver progressão dentro da lei dos crimes hediondos.

Em decorrência disso, Senador Ramez Tebet, estou propondo um projeto de lei - antes vou discuti-lo com a Liderança e a Presidência da Casa - para que, nos casos de primariedade, o réu cumpra, no mínimo, metade da pena e que, nos casos de reincidência, fique como estava antes: dois terços da pena. No primeiro caso, haverá o livramento condicional com dois terços da pena; no segundo caso, não haverá o livramento condicional.

Nesse caso, o Brasil volta a se inscrever no rol das nações civilizadas, em que o crime hediondo é tratado de forma diferente. Muitos querem fazer-nos pensar, Senador Ramez Tebet, que não há um tratamento diferenciado nos Países civilizados. Ao contrário, há sim: crime leve, pena alternativa; crime punido com reclusão, progressão de uma forma mais branda; crime hediondo, progressão de uma forma mais acentuada.

Ouço o aparte do Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Demóstenes, quando se trata principalmente de legislação penal, V. Exª é nesta Casa sempre ouvido e acatado, dada a sua preocupação com a defesa da sociedade brasileira, por ser oriundo do Ministério Público, da segurança pública. V. Exª tem vastíssima experiência. Daí eu, com este meu modesto aparte, querer louvar a presença de V. Exª nesta tribuna. O assunto está causando polêmica na sociedade. Uns estão de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal; outros estão em desacordo, e com muita razão, porque o próprio STF decidiu a matéria por seis votos a cinco, portanto, em um placar apertadíssimo. Mas isso também não significa - e pedi o aparte para tranqüilizar a sociedade -, por exemplo, que vão abrir as portas das cadeias. Ouvi dizer que a sociedade está pensando que esses autores de crimes hediondos estarão todos na rua, brevemente, e isso não é verdade. O Supremo Tribunal Federal fez uma interpretação, do ponto de vista da Constituição, e, por um placar apertadíssimo, entregou a decisão aos juízes. Essa é a verdade. Quebrou-se a obrigatoriedade, mas isso não significa que todos os autores de crimes hediondos passem a ter direito de irem para a rua. Não é assim. Tanto isso é verdade que relato a V. Exª - embora não tenha ouvido isso de nenhum magistrado do meu Estado - que li, em um jornal do Mato Grosso do Sul, que o Tribunal de Justiça do Estado, juntamente com os juízes, entendeu de dificultar sobremaneira a liberdade de presos condenados por crimes hediondos. Então, não há essa obrigatoriedade de irem para rua, e V. Exª sabe bem disso. Quero apenas esclarecer a sociedade, que está em dúvida. Agora, é fato que precisamos de uma legislação. E, se a autoria for de V. Exª, não tenho a menor dúvida de que será uma boa lei para tratar desse assunto e terminar com a inquietação da sociedade.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Senador Ramez Tebet, V. Exª fez um aparte contundente, tocou no cerne da questão.

Atualmente, com o advento da súmula com efeito vinculante, se o Supremo decidir mais um caso da mesma forma - o que é provável -, poderá ser editada súmula, e os tribunais e juízes não terão mais o que fazer. Hoje, ainda é dessa forma.

            Porém, as faculdades de direito, os professores universitários...

(Interrupção do som.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - ...os promotores de justiça, os juízes de direito, os advogados, todos pensam da mesma forma. Já não temos direito a um pensamento divergente no Brasil. Aqueles que defendem que os crimes hediondos têm de ser punidos com mais rigor são taxados de terroristas, de defensores do chamado “terror penal”, o que não é verdade. Muitos estão usando de uma falácia, dizendo que a Lei dos Crimes Hediondos não surtiu efeito. Surtiu sim. Muitos dizem: “Mas os crimes continuaram aumentando!” E se esses delinqüentes estivessem nas ruas? A estatística é assombrosa. Quando vão para as ruas, o crime sempre continua aumentando.

Muitos dizem também: “É, mas a cadeia não recupera”. Não recupera mesmo. É preciso reconhecer isso. E não é só no Brasil, não; é assim em qualquer parte do mundo. Mas eu pergunto: e as ruas recuperam? É melhor uma pessoa não recuperada na cadeia ou nas ruas? Não podemos tratar desse tema com hipocrisia.

            Sou favorável também a que se inclua no rol dos crimes hediondos os chamados crimes de corrupção, como os crimes de corrupção do Código Penal, a Lei do Colarinho Branco, os crimes contra a ordem tributária. Dessa forma, teremos condição também de punir aqueles que causam verdadeiro prejuízo à Nação brasileira; não é só o estuprador, o homicida mediante paga - pistoleiro -, o que comete atentado violento ao pudor, mas é também o delinqüente do colarinho branco. Estamos vendo aí a verdadeira chuva de mandruvás que está comendo o dinheiro da nossa Nação. Então, eu sou favorável a que sejam incluídos nos crimes hediondos os crimes de corrupção...

(Interrupção do som.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Mas não podemos deixar o Brasil como uma Nação abandonada. Essa é a verdade. A noção de que a cadeia não recupera, de que a cadeira piora o indivíduo é verdadeira, mas não podemos, de forma alguma, por conta desse argumento falacioso, deixar que ninguém mais vá para as grades. O grande delinqüente tem de ir para as grades.

Temos que incentivar, sim, as penas alternativas, mas para crimes pequenos. Alguns nem deveriam mais ser contravenção. Soltar foguete, por exemplo. Contravenção para quê? Mas estuprador, pistoleiro, corrupto, que toma grande parte das economias do povo brasileiro, esses têm de ser punidos, sim, com muito rigor.

Peço a atenção das Srªs e dos Srs. Senadores. O Supremo Tribunal Federal disse que a lei é inconstitucional, porque não há previsão de progressão da pena. Então, vamos colocar na lei essa previsão. Se primário, metade, ou seja, se for condenado a 30 anos, terá que cumprir 15 anos; se reincidente, dois terços, ou seja, se for condenado a 30 anos, tem que cumprir no mínimo 20. Senão, veremos, daqui a alguns dias, uma enxurrada desses delinqüentes nas ruas.

            O que disse o Senador Ramez Tebet é verdade. Ainda não há essa obrigatoriedade, mas a tendência é essa. E com a cabeça de juízes, promotores, delegados, advogados e professores universitários sempre na filosofia, sem o pé na realidade, daqui a alguns dias as ruas estarão cheias de criminosos, e não teremos mais o que fazer. É preciso termos uma legislação desse naipe.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho. PDT - RR) - Continua com a palavra V. Exª, para concluir.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Ouço o aparte do ilustre Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª tem absoluta razão. Tenho lido sobre esse assunto e estou realmente indignado. Creio que se não tomarmos uma providência, vai ocorrer o que V. Exª está afirmando: o número de delinqüentes na rua e de criminosos irrecuperáveis vai multiplicar-se. E quem pagará o preço será a sociedade brasileira.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concordo com V. Exª, Senador Antonio Carlos.

Conforme a proposta que quer o Governo - vamos usar apenas um exemplo -, alguém condenado a cumprir 15 anos por latrocínio, ou seja, que matou para roubar, com a progressão de um terço da pena, em sendo réu primário, sai da cadeia com cinco anos. Será que sai com cinco anos? Se trabalhar, a cada três dias se desconta um dia. Isso reduz a pena para três anos e meio. Nós sabemos qual é o trabalho que existe nas cadeias brasileiras: confecção de artesanato com palito de picolé. Então, é isto que vai acontecer: quem matar alguém, sendo condenado a 15 anos, vai sair da cadeia com três anos e meio. Isso é para desafogar as cadeias.

Temos que investir em penitenciárias, em recuperação de delinqüentes, mas temos que prender. A obrigação do Governo brasileiro é prender o delinqüente perigoso e incluir no rol dos crimes hediondos os corruptos, para que também possam dar o seu grau de contribuição à moralização do País, perdendo a própria liberdade.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Demóstenes...

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo um aparte ao nobre Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador, já ouvi V. Exª tratar de temas dessa natureza várias vezes e, por várias vezes, tenho-me convencido bastante a tentar entender cada vez melhor o assunto. O que V. Exª traz aqui é uma preocupação que penso que é da sociedade brasileira como um todo. Do jeito que estão as cadeias, os presídios de modo geral, são misturados todos os tipos de pessoa, tornando-se verdadeiras faculdades do crime. Penso que V. Exª traz aqui um pensamento segundo o qual devemos separar o crime hediondo de crimes cujos criminosos podem, estes sim, ser beneficiados com a redução da pena, que podem ter penas mais brandas ou até cumprir, por exemplo, penas alternativas ou coisa parecida. Mas acredito que o que caberia no Brasil, hoje, seria ter algumas penitenciárias, alguns presídios específicos para esse tipo de crime, para que não precisemos mais misturar criminosos.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Com certeza.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Daí dar o tratamento devido e de direito para o crime que V. Exª traz, neste momento, a esta Casa.

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Portanto, vejo que V. Exª tem inteira razão. Penso que esta Casa tem a oportunidade de ajudar ao máximo. Já que tratamos de reforma do Judiciário e tantas outras leis que estão sendo trabalhadas aqui no Congresso Nacional, podemos aproveitar para trabalharmos também sobre a proposição que V. Exª está trazendo.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Agradeço a V. Exª, Senador Sibá Machado.

Lembro apenas um exemplo que nós todos discutimos na Comissão de Segurança Pública do Senado. Há algum tempo, nós discutimos o assunto, e eu disse que criaram o isolamento apenas de perfumaria, porque ele não vai funcionar. Isolamento com prazo determinado não funciona. Não gosto de usar exemplo, porque esses exemplos acabam se tornando verdadeiros, mas acabam também se tornando repetitivos; mas eu dizia que, com o isolamento...

Sr. Presidente, solicito mais um minuto apenas para concluir.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Darei um minuto a V. Exª para concluir a intervenção.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Eu dizia que, com esse isolamento que estamos dando, daqui a alguns dias vai acabar o período de um ano, prorrogável por mais um ano, e o Fernandinho Beira-Mar vai sair do isolamento. Por quê? Porque o delinqüente, aquele que tem potencial de delinqüir não comete crime dentro da cadeia, não. Quem comete é alguém que ele paga para cometer, alguém que está a serviço dele. Ele tem comportamento exemplar. Foi o que acabou acontecendo. Acabou o período de isolamento, criamos o isolamento fictício... Quem tem que decidir quanto tempo o preso tem que ficar isolado é o juiz, em decorrência de ele comandar a sua organização criminosa dentro ou fora da sociedade, em decorrência da periculosidade que ele representa solto...

Sr. Presidente, Srs. Senadores, no mundo inteiro, nas nações democráticas, na Itália, na França, berço dos direitos humanos, o que é louvável, isso não é tratado, isso não é disciplinado dessa forma. Aí dizem: “Mas isso é antidemocrático!” Na França, não é antidemocrático. “Isso vai fazer com que o delinqüente fique doido, que ele tenha problemas mentais”. Por que isso não acontece lá e vai acontecer aqui?

E mais: será que não é doente esse cidadão que foi apenado com duzentos, trezentos, quatrocentos anos de cadeia? Será que ele merece voltar ao convívio social? Será que não tem que estar isolado dos outros companheiros de cela, até porque ele vai causar um mal muito grande à própria convivência dentro da penitenciária?

Então, acho que temos a oportunidade de corrigir um equívoco da lei. Não digo nem que o Supremo se equivocou. O Supremo disse que essa lei não tem progressão de regime. Pois vamos criar essa progressão. Com o estudo designado pelo Sr. Presidente Renan Calheiros e pelos Líderes, espero que até a próxima semana possamos dar um retorno à sociedade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2006 - Página 7100